O porquê de os smartphones de topo serem cada vez mais caros

O mercado dos smartphones mudou muito nos últimos anos: a economia está diferente, os equipamentos estão mais evoluídos e as empresas adaptaram as estratégias.

Novembro de 2011, Steve Jobs falecera no mês anterior e o iPhone 4S chegava finalmente a Portugal. Preço oficial do melhor modelo: 849 euros. Preço oficial do melhor iPhone em Agosto de 2018: 1.359€. Uma subida de 60%. O que aconteceu?

Muito aconteceu e não foi apenas a inflação. Pode-se argumentar que a Apple lançou modelos mais premium nesse período que justificam preços mais elevados, como os iPhone Plus e o recente iPhone X.

Comparando apenas o preço do modelo base do iPhone 4S, o único iPhone que a Apple lançou em 2011, e o iPhone 8, o modelo mais ‘modesto’ lançado em 2017, vemos que mesmo assim houve um aumento de 32% nestes modelos equivalentes, de 629 para 829 euros.

E não foi só a Apple que aumentou os preços dos seus topo de gama, quase todas outras as marcas também o fizeram. Os melhores telemóveis da Samsung, os Galaxy Note, são desde o ano de 2017 lançados a preços ligeiramente superiores a 1.000 euros, quando há 5 anos o preço recomendado era 700 euros.

Também os Samsung Galaxy S, os topos de gama da HTC, da Sony e da OnePlus tiveram todos aumentos de preço na ordem das centenas de euros.

Mudam-se os tempos…

O aumento no preço dos smartphones tem sido notório em Portugal devido aos elevados impostos sobre o consumo e, principalmente, à grande descida do valor do euro face ao dólar em 2014 e 2015. No início de maio de 2014 o euro valia quase 1,40 dólares e desceu para perto dos 1,04 dólares logo em março de 2015, estando quase sempre abaixo dos 1,20 dólares desde então.

Também é preciso colocar em perspetiva que o salário mínimo nacional é de 580 euros: para comprar um iPhone X, por exemplo, precisaria de trabalhar dois meses e não ter qualquer despesa de alojamento ou alimentação.

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A subida dos preços dos topo de gama de várias marcas foi tão significativo que teve impacto no preço médio de cada smartphone vendido no mundo. Um valor que, segundo a empresa de estudos de mercado GFK, estava a descer rapidamente: chegou a ser de 302 dólares em 2015 e desde então não parou de aumentar até aos 324 dólares. Algo que aconteceu em simultâneo com a estagnação das vendas e a subsequente descida registada em 2017 e esperada em 2018, como indicam os estudos da IDC e Bloomberg Intelligence.

Como a indústria dos smartphones cresceu muitíssimo nos últimos dez anos, dezenas e dezenas de marcas produziram telemóveis cada vez melhores e a preços mais competitivos, ao ponto de poucas marcas terem conseguido lucros significativos. No último trimestre de 2017, a Apple sozinha conseguiu 86% dos lucros do mercado global de smartphones, segundo um estudo da Counterpoint Research.

A melhoria na qualidade geral dos smartphones também fez com que o utilizador típico passasse a demorar cada vez mais a comprar um novo telemóvel – o ciclo de renovação está mais perto dos dois anos.

Os mercados com economias desenvolvidas foram os primeiros a ficar saturados, com taxas de penetração de smartphones acima dos dois terços em muitos destes países. Atualmente os que ainda não têm smartphone tendem a ser aqueles que, de facto, não querem mesmo um smartphone, e não os que não os podem comprar.

A saturação chegou depois aos países em desenvolvimento, como é o caso da China, onde houve uma queda de 21% nas vendas do primeiro trimestre de 2018. Apesar de muitos consumidores de países em desenvolvimento não terem ainda smartphones, a maioria das pessoas das classes médias e altas já os têm.

… mudam-se as estratégias

Os fabricantes decidiram mudar de estratégia. Começaram a desenhar telemóveis com as tecnologias, os ecrãs, os design, sensores e câmaras mais inovadores possíveis, quase independentemente do custo. Isto encareceu os custos de fabrico de modelos como o iPhone X, últimos Galaxy S, Galaxy Note, mas isso não explica tudo, pois os preços subiram bem mais do que o custo dos componentes.

As pessoas começaram a utilizar muito mais os seus smartphones, e a ‘depender’ cada vez mais deles para navegar na internet em todo o lado, tirar vídeos e fotos de qualidade, ver filmes e jogar jogos.

Acreditando que os consumidores de telemóveis de topo conseguiriam pagar mais por esses equipamentos, especialmente numa época de juros baixos em que é ‘tão fácil’ pagar em prestações, as empresas decidiram começar a testar o mercado com preços maiores.

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Resultou: com as receitas do iPhone X a representarem 35% dos lucros no último trimestre do ano passado, e telemóveis mais caros de topo da Huawei e Samsung a serem também um sucesso. Como interpreta o jornalista Vlad Savov, da publicação The Verge, “os smartphones topo de gama tinham o preço fundamentalmente errado”.

“Eles eram demasiado baratos. A facilidade com que nos adaptámos ao aumento do custo de um dispositivo de topo torna isso claro”. O jornalista argumenta ainda que “todos estão conscientes da qualidade de símbolo de status do iPhone, mas um valor intangível semelhante pode ser dado a um telefone Android de 1.000 dólares. Afinal, ele deve valer mais se tiver um preço mais alto, certo?”, questiona.

Na prática defende que a ‘irracionalidade’ dos consumidores justifica cobrar mais pelos smartphones, pois os clientes tendem a achar que se o preço é maior, a qualidade também.

Marcas mais jovens, como a OnePlus e a Xiaomi, também aumentaram os preços dos seus melhores telemóveis, no entanto o perito do The Verge duvida que aumentem muito mais, pois a competição é muito mais feroz na gama do mercado entre os 400 e os 600 euros.

Ao contrário do segmento de alta gama onde empresas como a HTC, a Sony e a LG sentem dificuldades em atrair consumidores como a Samsung, a Apple e a Huawei, especialmente quando também tentam subir os preços. Assim é mais fácil a essas três marcas, mais bem sucedidas, aumentarem os preços.

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Concluindo, componentes mais caros, consumidores ‘viciados’, juros baixos e possibilidade de pagar a prestações, menos competição na gama alta e necessidade de aumentar preços para compensar vendas em queda criaram o atual mercado bem sucedido dos telemóveis acima dos 1.000 euros.

Mas se gosta de fazer bons negócios não desespere, pois cada vez mais os smartphones de 150€ têm uma qualidade que faz lembrar os topos de gama de há cinco anos – como os que compõe a linha Xiaomi Redmi.

Atualmente há telemóveis na ordem dos 400 e 500 euros da OnePlus, Xiaomi e Asus, por exemplo, que são muito competitivos face às propostas de marcas como a HTC, Sony e LG. Mesmo que fiquem atrás em algumas áreas-chave, tentam compensar com os seus preços centenas de euros mais baixos.

Veja-se o exemplo do Pocophone F1: um verdadeiro topo de gama por dentro, mas não por fora. Será este o melhor smartphone do mundo, mesmo custando apenas 260 euros?