Estudo da ManpowerGroup revela que em 2019 houve a maior escassez de talento qualificado nas empresas da última década. Dificuldade em contratar subiu 11% em Portugal (57%, acima da média europeia). Trabalhadores pedem cada vez mais desafios cativantes e flexibilidade no trabalho.
A era digital trouxe novos tipos de empregos, qualificações e empresas. Não é por acaso que no topo das empresas mais valiosas no mundo estejam, por estes dias, os gigantes tecnológicos Apple, Microsoft, Amazon, Alphabet (Google), Facebook ou Alibaba Group. “Na base do sucesso destas empresas está a inovação tecnológica, o que só é possível com o talento certo, que faz toda a diferença e é algo urgente para todas as principais empresas”. A explicação é-nos dada por Richard Mosley, um autor inglês e especialista em employer branding – uma área em franco crescimento nas empresas para atrair e reter talento.
Neste contexto, os resultados do estudo Talent Shortage Survey da ManpowerGroup – com uma amostra de 24 mil empregadores em 44 países – não são surpreendentes. E quais são eles? 2019 foi o ano em que se registou a maior escassez de talento da última década nas empresas inquiridas, com uma média de 54% (em 2009 o registo era de 30%) a admitir terem dificuldades para encontrar talento qualificado.
O cenário em Portugal acaba por ser pior: 57% das empresas admite ter essas dificuldades, um crescimento de 11% face a 2018. O resultado parece indiciar que há cada vez menos talento disponível no país, até porque no primeiro registo para o país, de 2016, só 35% das empresas referiam ter esse problema.
Curiosamente, parecem ser as maiores empresas (mais de 250 trabalhadores) com maiores dificuldades em contratar, já que o número sobe aos 66% se só essas forem contabilizadas, contra 58% para as médias empresas e 46% para as microempresas – este é o cenário nacional, mas é semelhante à tendência global. O estudo da ManpowerGroup indica mesmo que “os empregadores têm de ser capazes de dar uma melhor resposta às necessidades e desejos de uma força de trabalho cada vez mais solicitada”, “integrando as preferências dos trabalhadores numa estratégia global de gestão de talento”.
Como é possível ver na infografia, as funções e competências mais difíceis de preencher em Portugal são variadas. Começam nas funções especializadas e técnicas – de engenheiros, a eletricistas, passando por mecânicas ou pelo controlo de qualidade – e passam também pelos motoristas, operadores de call center, contabilistas e analistas, bem como operadores de máquinas na indústria, limpeza doméstica ou profissionais de saúde.
Flexibilidade no trabalho ganha dimensão
O estudo revela ainda o que faz parte das preferências dos trabalhadores para se sentirem atraídos por uma empresa. Além da remuneração, que continua no topo das motivações, o segundo fator mais importante na atualidade é a flexibilidade de horários, “cada vez mais fundamental por contribuir para o bem-estar dos trabalhadores”, indica o estudo.
Depois há fatores que se misturam um pouco uns com os outros e que assentam que nem uma luva no conceito de employer branding, “que é muito mais do que marketing, tem de envolver toda a cultura da empresa”, admite-nos Richard Mosley, que acrescenta: “Hoje estamos no negócio do amor, os funcionários tem de se apaixonar pelas empresas”, numa altura em que cada vez mais CEO se preocupam com o talento contratado.
Um percurso profissional personalizado e que tem avaliação por objetivos também foi considerado importante para maior satisfação no trabalho para 81% dos trabalhadores. O mesmo se passa com a necessidade de estar num projeto desafiante, ao nível da formação, experiência e visibilidade – que faz parte das cinco primeiras prioridades para trabalhadores de todas as idades e geografias -, bem como a vontade dos trabalhadores sentirem “orgulho do que fazem e para quem trabalham”, indica o estudo. Mosley admite que daí não ser descabido, hoje, assistirmos a uma startup de dimensão reduzida a conseguir recrutar talento à gigante Google, por ter um projeto mais desafiante e focado que cativa mais um funcionário, por exemplo.
O estudo da ManpowerGroup dá ainda uma estratégia de talento global “para ter êxito na era digital”, que requer “abordagens mais rápidas e direcionadas do que nunca”. Os elementos chave são, assim e por ordem: Construir (investir na aprendizagem e desenvolvimento do talento); Comprar (ir ao mercado encontrar talento que não há na empresa); Ativar (cultivar comunidades da talento, incluindo com pessoas em freelance, part-time ou trabalhadores temporários); Aproximar (ajudas as pessoas a encontrar novos desafios, dentro e fora da empresa).
Como pode Portugal responder à escassez?
Numa altura em que há cada vez mais multinacionais a abrir escritórios e centros em Portugal, a luta pelo talento parece estar ao rubro e há várias startups preocupadas com essa escassez de talento, como já vimos recentemente com empresas como Farfetch (o primeiro unicórnio de origem portuguesa – empresa com valor de mercado superior a mil milhões de dólares), ou a IntroSys (empresa que exporta software em robótica para a indústria automóvel).
Esse mesmo alerta foi-nos dado em maio por Arlindo Oliveira, na altura o presidente do Instituto Superior Técnico, que indicava que faltam a Portugal 15 a 20 mil engenheiros e lamentava a falta de dinheiro para abrir mais vagas. “Nunca houve tanta procura por talento do Técnico”, admitia. Uma das soluções recentes passou por iniciar uma área, chamada Técnico+, de cursos mais curtos para a reconversão de pessoas para as áreas tecnológicas.
Nesse âmbito, a OutSystems – o segundo unicórnio português liderado por Paulo Rosado – tem-se focado precisamente na reconversão de pessoas para começarem a trabalhar no seu software de programação, numa parceria com a Academia de Código. A empresa especializada no chamado Low Code tem, inclusive, ajudado de forma indireta a exportar talento português para empresas estrangeiras.
Já em novembro, durante a Web Summit, o primeiro-ministro António Costa admitia-nos essa crescente falta de talento (nomeadamente engenheiros) no país, e apontava como solução a melhoria no ensino, que seria “prioridade para 2020”: “temos de alargar a base de formação da engenharia, por isso é fundamental termos uma ação específica para aquela que é uma barreira fatal para o acesso às engenharias que é a matemática”.
Manuel Heitor, ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, dizia-nos uns meses antes sobre o mesmo tema: “não há soluções óbvias até porque esta competição internacional pelos talentos está a acelerar”. Além de apontar como a melhoria dos “níveis salariais” em Portugal como prioridade, apontava “a requalificação e reorientação das competências dos desempregados com cursos superiores” como outra solução, bem como a “necessidade de formações mais curtas e especializadas” para “complementar ao Ensino Superior”, algo que já é possível com a mudança “do regime jurídico de graus e diplomas”.
O ministro complementava: “Tem de haver processo de responsabilização coletiva neste reskilling da população adulta, num processo de grande pressão demográfica não podemos desperdiçar ninguém.”
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