Especialista de inteligência artificial da consultora Accenture, Laurent Stefani, fala-nos que as empresas devem “reciclar funcionários”, ensinar inteligência artificial e, assim, vão ter mais 8% de receitas em 2022: “É fulcral encontrar a combinação certa entre homem e máquina.”
A inteligência artificial está na moda, aparece com frequência nas notícias e traz promessas de que podem mudar a forma como vivemos. O especialista francês Laurent Stefani, da Accenture, explica-nos porque há ainda por perceber nesta área entusiasmante, mas que quem ficar para trás pode perder tudo.
O diretor de inteligência artificial da consultora multinacional destaca o papel formativo que as empresas devem ter relativamente aos seus funcionários. “Devem reciclar os trabalhadores que ainda têm competências nas áreas de inteligência artificial (IA) para que possam trabalhar e colaborar com as máquinas”, explica.
Na entrevista que lhe fizemos, que pode ver de seguida, Stefani apresenta inclusive dados de um estudo que mostra a importância de não ficar parada. “As empresas que fazem isso obtêm o máximo da IA e são essas empresas que irão obter mais 8% de receitas em 2022 e irão criar mais 20% postos de trabalho, porque vão precisar de pessoas com os conhecimentos certos, que percebam e entendam de IA”
Outra matéria importante para empresas (e funcionários) é o poder da antecipação e, para isso, é importante estarem atentos às novidades: “Além de ser importante treinar funcionários com experiências antigas para estas novas funções que estão a surgir, também temos que antecipar as funções de que iremos precisar no futuro e que estão a aparecer nestas empresas que já estão a investir, de forma clara, em IA”.
Nesse domínio, existem dois tipos de trabalho nestas áreas: “os trabalhos onde os humanos ajudam as máquinas e onde há muitas funções em que não é preciso ser um cientista de dados para triunfar e os outros tipos de trabalhos onde as máquinas superam ou igualam os humanos”.
Um dos exemplos dados está associado à indústria automóvel, que “percebeu que ter humanos a trabalhar com robôs é a combinação perfeita para poder alavancar os pontos fortes e a precisão dos robôs”. O impacto da IA e da automação está a ser e será enorme “onde há muitos dados disponíveis”, como são os casos “da banca, seguros e serviços públicos”.
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Segue-se a entrevista completa:
Pode explicar-nos em que consiste o seu trabalho na Accenture?
O meu trabalho na Accenture é o de impulsionar a inteligência artificial, na França e Benelux e no meu trabalho quotidiano trabalho com todos os engenheiros, cientistas de dados, especialistas em áreas como a inteligência artificial, em texto e visualização, automação, para construir soluções para os clientes. O que isto tudo significa é que estamos a conseguir construir fábricas de inteligência artificial e ajudamos, assim, os clientes a construir coisas diferentes. Temos, assim, análises muito diferentes daquilo que se costumava projetar há alguns anos. Isso vai desde construir um guião para uma vistoria à indústria, para que possa melhorar a qualidade do que se está a inspecionar na linha de produção. Pode-se ainda tirar fotografias que detectam defeitos e quantificam-nos. Vai também desde a criação de chatbots e voicebots, à automação e à melhoria da experiência do cliente no contato com os call centers, porque podemos torná-lo bem mais rápido, 24 horas por dia, sete dias por semana. E disponibilizamos sempre a mesma experiência melhorada porque aprendemos com os melhores nesta área e direcionamos as questões e pedidos dos clientes da melhor forma. Tudo isto está assente na automação, por isso, tudo o que é trabalho de bastidores, como a análise do backoffice, quando se tem grandes conjuntos de ações de identidade, é trabalho repetitivo. Ou seja, se algo está bem documentado e se pode repetir um milhão de vezes, é uma boa área para aplicarmos a automação.
Esta é uma área que basicamente se foca na automação das tarefas, para que os humanos possam ter tempo para tarefas e ações mais complexas e se possam dedicar aos defeitos de qualidade mais complexos. Este tipo de processos ajuda a melhorar a qualidade, da empresa, dos clientes e da linha de produção, etc. É fulcral encontrar a combinação certa entre homem e máquina, onde todos deixam o seu melhor.
A inteligência artificial (IA) é uma expressão que está na moda nesta altura. Todos falam dela. Que evolução tem visto acontecer nos últimos cinco anos e de que forma a progressão está a ser rápida e nos irá afetar no futuro?
A forma como falamos de IA na verdade evoluiu a partir de uma forma básica de inteligência artificial – no sentido em muitas empresas estavam a experimentar novas soluções, trocando modelos, mas não os escalavam e não os aproveitavam – e agora, finalmente, estamos a fazer usar os modelos com mais escala. Então hoje em dia falamos cada vez mais em aplicar a inteligência. Se pensarmos na área de automação que acabámos de falar, quando pensamos na área de análise, que é inteligência artificial, machine learning, algoritmos de deep learning e IA e quando falamos da área de análise de texto, todos estes são projetos que entregamos, em escala, em todas as indústrias. Estamos a trabalhar em soluções para fraude e usamos ferramentas analíticas para recolher muitos dados e perceber onde a nossa equipa se deve focar para que possa detetar as transações com mais impacto, atuar nas mais eficazes em vez de olhar só para as mais caras ou pegar, aleatoriamente, em qualquer uma. Quando se fala de automação, construímos fábricas de IA em setores como bancos, seguros ou serviços públicos, porque temos muitas ações repetitivas e podemos construir modelos mais eficazes. Há muita produtividade com este tipo de ferramentas para que as pessoas possam estar mais focadas em coisas mais complexas. Na análise e visão de texto, ouve-se mais falar na utilidade nos contact centers mas deixe-me dar outro exemplo. Estamos a trabalhar na visão de satélite, seja para a agricultura inteligente, ou para extrair toda a informação de todas as imagens – que é uma quantidade de informação que nenhum ser humano pode ler a cada cinco minutos (que é quando são geradas). Por isso, precisamos deste tipo de algoritmos para monitorizar a agricultura – como cresce -, mas pode ser usado qualquer tipo de parâmetros.
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Quais são os principais desafios à implementação desta tecnologia que tem tanto a oferecer às empresas?
Os desafios são realmente perceber o que se pode fazer com a IA. Nas empresas em que temos acelerado e intervencionado, percebemos que apenas 9% das empresas que analisamos é que estão a olhar para os três níveis para tirar o melhor da IA. Um é o trabalho da otimização dos dados, para melhorar a qualidade dos dados, porque a IA precisa disso. O segundo incide sobre o trabalho no processo. Porque o processo vai mudar. Não pensamos no processo da mesma forma quando não temos tempo para fazer todas estas tarefas repetitivas, porque a IA e a automação farão isso. E o terceiro é formar e reciclar os funcionários. Para que possam trabalhar e colaborar com as máquinas. As companhias que fazem isso obtêm o máximo da IA e são essas empresas que irão obter mais 8% de receitas em 2022 e irão criar mais 20% postos de trabalho, porque vão precisar de pessoas com os conhecimentos certos, que percebam e entendam de IA. É aqui que há uma oportunidade de aumentar o emprego numa empresa, porque podemos ficar no topo da indústria onde atuamos.
Em termos dos postos de trabalho, há muito medo de que a IA e/ou a automação possam eliminar trabalhos. Qual a sua visão sobre a matéria, para daqui a 5 a 10 anos?
O que vemos é acima de tudo a transformação do trabalho como o conhecemos. E se olharmos para o mercado atual, 9 em cada 10 funções não existiam há 10 anos. Por isso estamos em vias de assistir a uma grande transformação. O importante é focarmo-nos nos novos trabalhos que vão surgindo e estar abertos a descobrir as novas oportunidades. Falámos na reciclagem, em treinar funcionários com experiências antigas para estas novas funções, mas também temos de antecipar que trabalhos iremos precisar e que estão a aparecer nestas empresas que já estão a investir, de forma clara, em IA.
Há dois tipos de trabalho: o primeiro são os trabalhos onde os humanos ajudam as máquinas e os outros aqueles onde as máquinas superam ou igualam os humanos. Nos trabalhos onde o homem ajuda a máquina há muitos funções onde não é preciso ser um cientista de dados para ter o seu lugar. Há funções importantes, como a de treinar o chamado chatbot, dar-lhe soluções de inspeção visual e onde adicionar conhecimento humano ajuda a treinar a solução para que tenha maior qualidade na interação com humanos. É preciso perceber que algoritmo usar em determinadas situações. Isto porque alguns algoritmos são deterministas, por isso conseguem explicar porque chegaram a determinada decisão, mas muitos dos novos algoritmos de machine learning e deep learning são muito complexos para explicar. E isso significa que não devem ser usados em decisões mais sensíveis ou de regulação.
Os explicadores humanos são pessoas que irão saber que algoritmos usar em determinada situação e perceberão as decisões tomadas pelo algoritmo em determinada situação, como por exemplo, porque tivemos um acidente com o nosso Tesla. Isso é importante. É preciso ter os algoritmos deterministas ou prefere ter algo que não se percebe, mas que obtém 10 vezes menos acidentes que o ser humano? Essa é uma escolha a fazer nessa área e precisa-se de mais conhecimento humano para tomar a decisão certa sobre que algoritmo utilizar.
É tudo sobre os chamados sustainers. E o que eles fazem? Estamos a falar de pessoas com conhecimentos de IA e cientistas de dados, que nos dizem que aqui está o algoritmo que temos utilizado durante meses e anos, mas como os nossos dados mudaram, o algoritmo já não é o adequado. É preciso mudar o algoritmo subjacente que queremos treinar. De outra forma ele nunca se vai portar da forma como gostaríamos. Estes são os trabalhos em que o homem ajuda a máquina.
Depois há aqueles em que a máquina ajuda ou supera o homem. Dei muitos exemplos onde podemos “amplificar” o homem. Falamos da visualização de satélite, onde, pela quantidade de dados, o ser humano não pode interpretá-los. Mas pense em trabalhos em áreas como segurança, onde há milhões de eventos. Os funcionários podem clicar em anexos, fazer certas coisas que impactam a segurança da empresa. Monitorizar estes eventos é muito complexo. De uma perspetiva humana é impossível fazer isso sem a ajuda de software. O novo software pode ser treinado, aprender o que é, ou não, uma ameaça real. E usar esta nova tecnologia pode-se estar em cima do acontecimento e pode-se transformar os trabalhos, os especialistas em segurança, e focá-los mais nas ameaças diferenciadoras do que no passado. Ou seja, permitem amplificar e interagir, porque há 15 anos tínhamos de aprender o código das máquinas e sobre como queríamos interagir com as máquinas. Depois apareceu o rato, o ecrã, o sistema operativo, o ecrã tátil. Todas estas tecnologias vêm do agente virtual e o agente virtual tornou-se visível para que a máquina falasse a nossa linguagem. E as pessoas fora do mundo digital, como economia marítima, por exemplo, agora podem estar mais ligados porque apenas precisam de falar para um agente virtual para serem compreendidos pela tecnologia. Ou seja, há um novo espaço de interação onde os seres humanos conseguem interagir, mais naturalmente, com a tecnologia.
Depois há ainda os verdadeiros robôs que podem trabalhar lado a lado com os humanos. O que é verdadeiramente interessante é que a indústria automóvel percebeu que ter humanos a trabalhar com robôs é a combinação perfeita para poder alavancar os pontos fortes e a precisão dos robôs. E pode alavancar a flexibilidade do ser humano porque todos somos diferentes, temos diferentes conjuntos de parâmetros, e, se combinarmos ambos temos a agilidade e flexibilidade. Podemos por, desta forma, as pessoas a trabalhar na montagem de um carro de novo, porque conseguem ter força e precisão com a ajuda destes robôs ou Cobots (robôs colaborativos). Na verdade estão, desta forma, a surgir novas oportunidades de trabalho.
Qual a indústria que terá a maior transformação, nos próximos anos, com a IA?
É uma pergunta difícil porque a mudança e transformação está em todo o lado. Há uma tendência que estamos a assistir, os projetos baseados nos conhecimentos têm um maior impacto onde há muitos dados e há muito potencial para a automação. Banca, seguros e serviços públicos, porque há muitos processos que são deterministas. Estes projetos, de automação e de IA, estão mais espalhados. Porque a IA está a endereçar não só os processos deterministas, mas todo o tipo de processos, porque podemos aprender com a quantidade de dados. Pelo que, obviamente, a IA vai impactar mais em áreas e domínios onde há toneladas de dados, onde podemos aprender, ganhar em eficiência, automatizar e avançar para o próximo nível. Podemos garantir que vamos construir algoritmos mais fortes porque estamos a usar esses dados todos.
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