O selecionador-engenheiro, que levou Portugal ao título europeu, Fernando Santos, explica-nos a sua visão para uma liderança eficaz na sua passagem pelo evento Oracle Cloud Day.
Formado em Engenharia Eletrónica e de Telecomunicações, Fernando Santos destaca as potencialidades da tecnologia – mas ressalva a necessidade de acompanhar as rápidas mudanças. “A tecnologia pode ajudar-nos e muda muito rapidamente, o que não muda é a gestão e liderança. Criamos o objetivo e depois juntamos o que estão connosco para o concretizar”, indica o selecionador nacional na sessão ‘Liderança e Motivação em Ambiente Competitivo’, onde foi entrevistado pela diretora do Dinheiro Vivo, Rosália Amorim, em pleno Convento do Beato (no vídeo em cima pode ver a entrevista que fizemos a Fernando Santos após a sua participação em palco).
“O futebol faz parte do nosso mundo e não é muito diferente das empresas porque o objetivo é muito simples nas duas áreas: ver bem o objetivo e concretizá-lo”, explica o selecionador.
Tecnologia, importante mas com moderação (a lei do olhómetro)
A Seleção Nacional tem uma vasta equipa, munida de várias tecnologias que envolvem aplicações de terceiros e, inclusive, aplicações feitas na própria Federação Portuguesa de Futebol. O selecionador admite que usa muitos desses dados no seu trabalho, mesmo que não seja sempre o factor mais importante. “A tecnologia é algo fundamental para todos os que trabalham na seleção, já é intrínseca”. O treinador engenheiro dá mesmo um exemplo concreto, onde a app de mensagens WhatsApp tem papel principal: “todos os fins de semana fazemos cerca de 60 relatórios de jogos, acompanhamos centenas de jogadores e o WhatsApp, onde temos depois funcionalidades concretas, é uma ajuda preciosa para receber os relatórios quase em tempo real vindos de vários pontos”.
Mas Fernando Santos destaca, depois, que manter as pessoas motivadas “não é algo que se tire do Excel”. A área que faz a diferença, indica, apelida de “olhómetro”: “é perceber quem está do outro lado, o que sente e pensa, não nos podemos desviar da parte humana, já que o humano que executa e os seus sentimentos são fundamentais”. Este tipo de área é algo que “só se mede olhos nos olhos e com conversa”. “Há jogadores que precisam de colo se não estão a jogar, há outros que não querem colo nenhum e até se sentem mal se formos por esse caminho, temos de avaliar com quem estamos”.
O selecionador que levou Portugal a um ano e nove meses de período sem derrotas e ao primeiro título europeu no futebol, explica ainda que tenta ser genuíno com os seus jogadores. “Tenho de ser frontal e claro com eles, dizer-lhes o que penso e que, se estão ali, é porque confio neles, se jogam ou não faz parte da estratégia para um determinado jogo”.
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Os egos e… Cristiano Ronaldo
“No futebol não basta ter um Cristiano Ronaldo, uma equipa tem 11 jogadores e não basta que um seja muito bom. É preciso criar um equilíbrio”, realça o treinador com uma vasta experiência em empresas, que traça outro ponto comum entre os dois mundos – ambos são jogos de estratégia. “É um jogo de estratégia e também acontece nas empresas. Quem monta as empresas somos nós, eu também tenho empresas, mas não podemos ser categóricos, temos de ir ajustando a estratégia”.
“Já vi egos muito mais difíceis em empresas e no trabalho num hotel do que no futebol”, explica Fernando Santos, que aproveita para defender Cristiano Ronaldo. “Dizer que o Cristiano tem um ego grande… Ele é o maior do mundo, tem uma qualidade acima dos outros. Ego depreciativo é quando alguém não tem qualidade, como vi em algumas empresas, mas acha que é o melhor do mundo”.
O selecionador lembra ainda que é bem mais difícil trabalhar com jogadores de pouca qualidade do que de qualidade alta, “o complicado mesmo é ver quem joga ou não e gerir a relação com os que não jogam e aqueles que vão para o campo”. No seu trabalho como treinador e gestor de equipas, o mais difícil é mesmo deixar jogadores com valor de fora e isso complica-se mais num clube do que na seleção. “No clube há jogadores que nem para o banco vão, na seleção estando todos no banco há sempre a possibilidade viva de entrarem”.
Essa gestão requer um acompanhamento constante: “tento que os jogadores percebam que são importantes para a equipa, estejam ou não no campo naquele jogo em particular”. Essa é uma “missão bem difícil”, mas: “é para isso que eu sou pago”.
Falhanço e gerir derrotas
Para o selecionador, que é engenheiro eletrotécnico de formação (já não pratica) e esteve mais de 20 anos a gerir um hotel antes de passar a ganhar a vida apenas como treinador – antes disso foi jogador profissional -, “o mais difícil é a derrota”: “Detesto e durante horas (ou dias) após uma derrota ninguém pode falar comigo).” Mas lembra que no futebol, até mais do que nas empresas, a derrota é algo mais frequente, ou pelo menos a forma como se tem de lidar com o aparente falhanço.
“Faz parte do mundo do futebol, no domingo sou mau porque perdemos ou jogámos mal, na quarta sou um génio porque ganhei, somos avaliados no dia a dia e nas empresas essa avaliação demora pelo menos alguns meses.”
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“Dá muito trabalho ser campeão da Europa”
Questionado sobre a sua fé, Fernando Santos admite que é algo pessoal, que não se podem esperar milagres. “Não basta levarmos monges, padres ou freiras para sermos campeões da Europa, dá muito trabalho conseguirmos um feito desses”. Sobre a sua fé, admite que acredita na ressurreição de Cristo, daí ter fé: “mas a religião é um só caminho”.
“Há uma diferença entre ter fé e ter fezada, a fé não faz tudo. Faz-me lembrar aquela história do homem que se queixa muito porque Deus não o faz ganhar o Totoloto, mas depois descobrimos que nunca colocou o boletim para jogar”.
Sobre a forma de cada um se motivar, “cada um de nós tem a sua forma própria e todas são válidas”.
Disciplina e formação, valores vindos da família
O treinador português liderou várias equipas na Grécia, em períodos diferentes (foi treinador do ano por quatro vezes e eleito treinador da década, brilhando também na seleção grega), treinou o FC Porto, onde foi o engenheiro do penta-campeonato dos dragões, passou também pelo Sporting e pelo Benfica. Embora sempre tenha sido sempre visto como benfiquista, logo admite que “um profissional de futebol não tem clube”, recordando o momento em que se tornou treinador do FC Porto: “tive amigos que me deixaram de falar”.
Neste contexto, contou uma história peculiar ligada à paixão familiar pelo Benfica e à determinação do pai para que estudasse. “O meu pai e a minha mãe eram doentes pelo Benfica, ao ponto de me levaram com 50 dias de idade à inauguração do Estádio da Luz”.
Aqui fica a história: “Certo dia fui fazer, como jogador, ainda muito novo, um teste ao Benfica e o treinador perguntou-me se queria ser jogador do clube. Fiquei em êxtase e quando fui para casa e contei ao meu pai, quando pensava que ele ia ficar eufórico, ele disse-me que não, não ia jogar no Benfica. Fiquei confuso, pensei que ele não tivesse percebido que aquilo era mesmo verdade. Uma hora depois, disse-me que podia ir para o Benfica mas só jogaria futebol se estudasse e nunca chumbasse”.
Situações como esta, explica Fernando Santos, “marcam uma pessoa”. Certo é que o técnico cita o filósofo da Grécia Antiga (e não o ex-primeiro ministro português), para explicar que “mal de nós se acharmos que sabemos tudo, é o tal princípio do só sei que nada sei”.
Qualidades para ser líder seguido
“Ser líder não é só quem quer, é preciso ter algo que não está ao alcance de todos”. O técnico admitiu que podemos e devemos trabalhar para ser um gestor melhor, “mas para atingir certos patamares é algo que não está ao alcance de todos”. Mas já sobre ser o melhor, dá um exemplo caricato sobre o que, teoricamente, poderia ser considerado o melhor treinador do mundo. “Se todos disseram que o Manuel é o melhor treinador do mundo, a verdade é que se colocarmos 16 Manuéis a treinar as 16 equipas da Liga portuguesa, só um vai vencer”. Fernando Santos depois, admite que dependendo dos vários contextos, há quem se destaque mais ou menos na liderança e deu um exemplo de uma das suas empresas: “pagámos um balúrdio a um gestor que achámos que era mesmo muito bom, mas não resultou no nosso contexto”.
O ideal, na gestão de uma equipa? “A liderança ideal é quando os jogadores fazem precisamente aquilo que eu quero, mas pensam que é aquilo que eles querem”.
Na sua longa aprendizagem com experiência variadas, admite que aprendeu muito na engenharia que ainda usa no futebol, especialmente em torno de criar processos. “A engenharia levou-me a liderar cedo equipas de 120 homens – dos 18 aos 70 anos -, todos sob a minha responsabilidade, em que tinha de responder a uma administração. E também me deu uma vertente mais metódica e prática”. Certo é que o selecionador não é muito dado às percentagens para tomar as suas decisões, “algo que está hoje muito na moda”.
O momento mais especial: treinar a seleção
Mais do que vencer o campeonato europeu, o maior feito da sua carreira, admite, foi o dia em que se estreou em França, no Saint Denis, no comando da seleção e ouviu pela primeira nessa condição o hino nacional. “Foi muito emotivo para mim, mais do que o que passei em qualquer clube, estava a representar o meu povo e o meu país”.
Nesse contexto, recorda uma história, quando foi a França ver as instalações em Marcoussis que seriam o quartel general da seleção no campeonato europeu que viria a ganhar. “Haviam dois portugueses para me receber, um que era diretor do restaurante e uma rapariga que era diretora do centro de recuperação. Ela dizia-me que não haviam muito portugueses na zona e quando saí de lá só vi duas bandeiras portuguesas nas janelas e pensei que, de facto, eram mesmo poucos. Mas quando saímos de Marcoussis já campeões europeus, 80% das casas tinham bandeiras de Portugal”.
Para terminar a conversa, Fernando Santos deixa um apelo que tem marcado o seu legado ao serviço da Seleção Nacional: “nunca devemos ter vergonha de dizer que somos portugueses”.
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