Futurista. “A Huawei pôs-se a jeito. China deve abrir-se mais ao mundo”

Gerd Leonhard | Futurista
Foto: Diana Quintela / Global Imagens

Gerd Leonhard, o futurista alemão que já foi músico, voltou a Portugal e critica executivo de Trump, mas deixa avisos à China e preocupações com as alterações climáticas: “os humanos só se mexem quando há desastres”.

É um poço de conhecimento, análise e visão para o futuro. Daí que, falar com ele, seja sempre uma oportunidade de pensar o mundo em que vivemos e a forma como ele irá evoluir nos próximos tempos (já o tínhamos entrevistado em janeiro onde falámos das redes sociais). O alemão a viver na Suíça Gerd Leonhard não é um futurista qualquer. Este ex-guitarrista de jazz, que já foi nomeado pela Wired uma das 100 pessoas mais influentes da Europa, nasceu em Bona, Alemanha, em 1961, emigrou cedo para os EUA, onde estudou música e tornou-se num compositor e músico reputado, antes de se dedicar à sua outra paixão, a relação/confronto entre tecnologia e humanidade.

Desta vez falámos com ele sobre o tema mais quente no momento a nível mundial, “o conflito económico, que é também político e tecnológico” entre os EUA e a China que colocou a Huawei em apuros. Embora admita que a postura de Trump, a forma como esteja a usar “estas táticas de Guerra Fria seja ridículo”, Gerd acredita que a China e a Huawei não são inocentes e diz mesmo que “a Huawei pôs-se a jeito”.

“A China tem de se abrir mais, mesmo que as sanções à Huawei pareçam só manobras políticas para colocarem os chineses mais frágeis na mesa de negociações”, explica o futurista que tem uma produtora que faz documentários. Leonhard admite que só Apple ou Amazon conseguem ser reis dominantes num ecossistema completo, “todos os outros têm de colaborar em parcerias”. Especialmente numa altura em que “o mundo vai ter mais 5G da qual vai depender todo um ecossistema de serviços, segurança e privacidade, a Huawei tem de aprender que deve colaborar”.

Gerd diz que o gigante chinês tem estado habituado a comprar a sua entrada em alguns setores, sem se preocupar com as consequências, mas agora “é a postura política da China em geral que complica a vida à empresa”.

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“A China tem de perceber que vivemos num mercado global, devem existir objetivos semelhantes sobre o que fazer com a tecnologia como em áreas tão determinantes como a inteligência artificial (IA)”. O futurista alemão admite que a IA pode “tornar-se numa arma contra pessoas” e, por isso, importa saber “como a China usa essa tecnologia para vigiar e ostracizar o seu povo”. Se querem fazer parte da comunidade global, “também devem ter standards elevados e mundiais sobre como usam a tecnologia”. Embora acredite que a China vai lá chegar, explica: “eles agem neste momento de forma muito dominante no seu país e vão ter de se abrir”.

Trump, “arma à solta”

Certo é que vivemos numa altura difícil, porque “também não podemos confiar no líder dos EUA nesta altura, é uma arma à solta, totalmente imprevisível”. Gerd Leonhard acredita que há motivos para nos preocuparmos com a China, mas “deve ser uma agenda comum dos estados, com a ajuda europeia e não uma agenda própria dos EUA só para benefício próprio”.

O especialista que tem uma equipa que trabalha diariamente consigo para ter a melhor informação e tirar as conclusões mais fiáveis possíveis, admite que há um paradoxo numa estratégia que seja só para beneficiar um dos lados, “não vai ter sucesso económico”. Gerd lembra que o facto dos EUA ignorarem por completo as alterações climáticas “vai ser desastroso.” Daí que admita: “não há nada de bom para dizer do governo de Trump”.

Curiosamente, lança ainda outro cenário relacionado com a globalização que fica sempre em risco quando há disputas entre as maiores potências. “No futuro próximo a automatização vai ter mais impacto no planeta do que a globalização, isto porque países como os EUA podem levar a produção de produtos das fábricas chinesas para casa, porque serão os robôs a fazer a maioria do trabalho”, explica.

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Facebook, tal como as alterações climáticas

Segue-se uma comparação peculiar. “É preciso haver uma base ética nas decisões tomadas, porque se algo até pode dar sucesso rápido a nível económico, quando tivermos problemas graves com temas como as alterações climáticas vamos ter prejuízos sociais e financeiros incalculáveis”.

Gerd compara a postura do executivo de Trump face às alterações climáticas com o Facebook. “Qualquer investidor fez e está a fazer muito dinheiro com o Facebook, mas a rede social pôs em risco a democracia e não tem sido controlado ou verdadeiramente penalizado por isso, nas bolsas é rei”. Leonhard lembra que “o valor de mercado infelizmente não tem valor para os humanos, só sabe uma coisa, dinheiro”.

Nesse contexto diz que a “natureza humana é difícil, só fazemos algo quando acontecem mesmo os desastres, não bastam os avisos”. “Vamos passar pelo inferno nos próximos 20 anos com as alterações climáticas e só quando começar a apertar é que vamos mesmo fazer algo a sério a nível mundial. Espero que ainda seja a tempo”.

Outra preocupação do futurista, que explica que “a tecnologia por si só não é a solução, é só uma ferramenta” são as alterações na genética humana. “Temos de definir bem o que queremos desta evolução na edição genética humana porque há avanços que podem ser bem perigosos e será pior lidar com as consequências”.

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