As redes sociais devem pagar taxa para financiar meios de comunicação, os governantes devem tirar cursos em futurismo, os carros autónomos vão demorar e o Artigo 13 é exagerado. Futurista Gerd Leonhard traça-nos “o dia de amanhã”.
O que é que um futurista tem para nos ensinar? Gerd Leonhard não é um futurista qualquer. Este ex-guitarrista de jazz, que já foi nomeado pela Wired uma das 100 pessoas mais influentes da Europa, nasceu em Bona, Alemanha, em 1961, emigrou cedo para os EUA, onde estudou música e tornou-se num compositor e músico reputado, antes de se dedicar à sua outra paixão, a relação/confronto entre tecnologia e humanidade.
Falámos um pouco sobre tudo com este filósofo dos tempos modernos, esta semana, no Galp Energisers Summit, o encontro anual de colaboradores da Galp (dia 29 e 30 estará no evento da Microsoft Portugal, Building the Future). Da política à ética na tecnologia, passando pelos vícios, Gerd tem uma visão ampla sobre os vários temas, que estuda diariamente e sobre os quais até produz documentários (tem uma equipa dedicada em Zurique, onde vive, para o efeito).
Para 2019, há várias tecnologias de que se fala “com hype exagerado”. “A discussão em torno da inteligência artificial (IA) vai acalmar”, diz Gerd, que admite que o IA mais não é do que “software inteligente, muito poderoso, mas que não é inteligente como os humanos”. Sobre a influência do 5G, “tem grande potencial”. “Talvez dentro de cinco anos a tecnologia será poderosa de forma ilimitada, mas, antes, temos pensar no que queremos que a tecnologia faça e o que não queremos dela”, explica o futurista, que cita a consultora Gartner para indicar que, em 2019, a ética e o uso responsável da tecnologia será um dos temas mais relevantes.
Há, assim, o perigo que, em 10 anos ou 15 anos, “existam sistemas inteligentes nos substituam de forma generalizada”, daí ser uma discussão relevante no imediato para a nossa sociedade. “Faz sentido ter um robô como parceiro ou permitir que ele faço tudo o que podemos fazer?” Estas são questões a abordar, diz.
“A Apple é a única que está a tentar que os seus produtos não sejam viciantes, já o Facebook tem 400 pessoas para nos viciar (…) isto deve ser totalmente ilegal”
Facebook sem vício
As redes sociais têm estado no centro da discussão por questões de privacidade mas também do vídeo e “é preciso ajustá-las, para que se mantenham úteis”. “Não devemos desenhar tecnologia para o vício e isso tem sido um problema enorme”. Gerd indica que a Apple é a única empresa destas tecnológicas que disse abertamente que vai tentar evitar que os seus produtos se tornem viciantes. Em sentido contrário, “o Facebook tem 400 pessoas a trabalhar em viciar as pessoas na sua plataforma”, que inclui neurocientistas e psicólogos. “É como o negócio da comida ou do tabaco, mas este tipo de tentativa de viciar devia ser totalmente ilegal.
Políticos ‘encartados’
Para se poder pensar no que pretendemos com a tecnologia, “temos de educar os governos e líderes em cargos públicos nestes tópicos”. Daí que Gerd defenda um “teste obrigatório para governantes”, uma espécie de “carta de condução sobre o futuro, com formação formal, dos presidentes de câmara aos presidentes da República”, até porque “a maioria dos políticos não está preparado para esse futuro”. E não é só para perceber tecnologia, “mas também para captar o seu impacto e a sociologia e humanismo associados”.
Noutro tema, também ele político, o futurista ex-músico profissional considera que a nova diretiva dos direitos de autor, onde está o polémico Artigo 13, tem vários problemas, “ao contrário do RGPD, que na generalidade uma boa ideia porque força as pessoas a dizerem o que aceitam ceder”. “O que está a ser discutido é ter mão demasiado pesada para as plataformas, que passam a ser responsáveis legais diretos de tudo o que é publicado”. No entanto, o especialista admite que deve haver legislação a envolver as tecnológicas.
“O Facebook, por exemplo, é uma plataforma de imediatismo e deve ser regulado como meio de comunicação”. Além disso, Gerd defende que a rede social deve gastar mais em pessoas e menos em algoritmos: “seria melhor forçar o Facebook a contratar 13 mil jornalistas, do que ter o Artigo 13 assim”. Um imposto sobre as redes sociais “que ganham paletes de dinheiro” poderia trazer vantagens “para financiar meios de comunicação que façam serviço público”.
Outra sugestão tem a ver com o turismo. “As companhias áreas low cost deviam pagar impostos de turismo, exclusivamente para ajudarem a preservar as cidades”, mas como não são ideias capitalistas “não é atrativo para vários governantes”.
A tecnologia pode ser uma droga, por isso, é importante haver um balanço no uso: “as pessoas mais deprimidas e sozinhas são as que vivem completamente dentro da tecnologia”. Gerd lembra mesmo que os jovens estão mais vulneráveis a essa imersão na tecnologia.
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Autónomos, mas aos poucos
Sobre a promessa dos carros autónomos, o futurista é cauteloso: “temos carros inteligentes, mas ainda são muito burros”. Acredita no curto prazo em modelos que façam percursos ao estilo comboio, “levando-nos do hotel para o aeroporto numa faixa separada”. No entanto, “isso será fácil em cidades como Las Vegas, Beijing ou Jacarta, mas não tanto em Lisboa, que não tem muito espaço para isso”. Carros-robôs a conduzir como nós só daqui a 20 anos mas, até lá, “a condução assistida é muito importante e salva vidas”. “Temos de fugir desta ideia que a tecnologia pode ir dos 0 aos 100 em dois anos”, adverte.
A mudança para energias renováveis de forma generalizada está perto, indica Gerd. “Vamos tornar a energia tão barata quanto a música, ou seja, gratuita, até porque a energia solar é uma fonte ilimitada”, conclui. A nível de saúde, o especialista espera várias doenças, incluindo o cancro, tenham cura nos próximos 30 anos. Além disso, “vamos resolver as questões com a comida, porque podemos ter carne de laboratório, agricultura vertical, cidades inteligentes”. “É tudo entusiasmante, mas temos de ter a certeza que todos têm estes benefícios e não é o que está a acontecer”, explica. Resumindo, “há razões para estarmos otimistas, nos próximos 20 anos tecnologia vai permitir-nos lidar com os maiores desafios dos últimos séculos”.
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