Ainda só existem dez lojas destas, estão todas nos EUA e durante algum tempo foram exclusivas para funcionários da Amazon. Se do ponto de vista de utilização a experiência é futurista, podemos estar perante uma revolução com impacto negativo na sociedade.
Vista de fora não há nada de diferente e especialmente atrativo na Amazon Go, o conceito de loja que promete acabar com as filas de pagamentos no supermercado. Parece um minimercado, recente é certo, como tantos outros. Espreitamos e vemos prateleiras com bebidas, comida e outros produtos típicos de uma loja de conveniência.
Mas assim que metemos pé dentro da loja percebemos imediatamente que estamos perante algo que vai transformar por completo o retalho. E por dois motivos: primeiro porque só se entra na Amazon Go usando o smartphone e depois porque há tanta tecnologia cravada ao teto do espaço que chega a ser intimidante.
Para os que estão menos familiarizados, a Amazon Go foi um conceito apresentado em 2016 pela gigante norte-americana, mas que só viria a ser concretizado em 2018. É uma loja altamente tecnológica e que rastreia tudo, tudo mesmo, o que o utilizador lá faz.
O principal objetivo deste conceito é melhorar a experiência de compra dos utilizadores, sobretudo na reta final. Segundo a visão da Amazon, todos devem entrar na loja, agarrar nos produtos que querem e sair no segundo imediatamente a seguir. Chatices com o pagamento? Nada disso.
E este é um daqueles casos em que a experiência é exatamente igual ao que é prometido. Tivemos a oportunidade de testar aquela que foi a primeira Amazon Go a ser criada e que se situa no rés do chão do edifício principal da empresa na cidade de Seattle, nos EUA, no arranha-céus mais conhecido como Day 1 – e onde Jeff Bezos, o homem mais rico do mundo, passa parte do seu tempo.
As ‘burocracias’
Para entrar na loja é obrigatório ter a aplicação Amazon Go instalada no smartphone – sem este ‘pormenor’ não dá. Cá fora, na rua, há um cartaz que diz ‘descarregue a aplicação’ justamente para tentar dar alguma orientação a quem ainda não está familiarizado com o conceito.
A autenticação na aplicação é feita através da conta da Amazon – se não tiver uma, terá de fazê-la também -, a qual à partida já terá um cartão de crédito ou conta PayPal associada.
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Assim que o utilizador abre a aplicação, esta gera um código QR, código este que funciona como a chave de entrada. Na loja, existem dois pórticos – um adaptado para pessoas em cadeira de rodas – que têm um leitor para o qual devemos apontar o smartphone com o tal código. Assim que a leitura é feita, abrem-se as portas.
Destaque para o facto de a Amazon disponibilizar uma rede Wi-Fi de acesso livre nas imediações da loja, o que facilita o download da aplicação e a criação da conta Amazon para quem ainda não tiver.
É como magia
O primeiro pormenor em que reparámos: não há caixas registadoras, mesmo. Nem tapetes rolantes para colocar os itens. Nem caixas automáticas nas quais podemos passar o código de barras dos produtos. Só existem os pórticos de entrada e saída.
À nossa frente, as prateleiras com produtos: bebidas frescas, comida em caixas pronta a aquecer, snacks saudáveis, saladas, sushi, wraps, sandes, pão, bolachas e até uma zona de bebidas alcoólicas, à qual só se pode aceder mediante apresentação do cartão de cidadão.
Um olhar para cima revela o que há, afinal, de especial nesta loja: o teto está crivado de caixas pretas, parecidas com routers, mas que têm câmaras integradas. São centenas numa loja que em termos de dimensão não é muito grande.
São estes sensores, aliados à tecnologia de inteligência artificial e a uma grande capacidade de processamento de dados, que permitem à Amazon saber o que leva cada cliente. Assim que o utilizador pega num item, ele é adicionado à lista. Se pegar num item e voltar a pousar, ele não é adicionado à lista final.
Experimentámos pegar em duas garrafas de água diferentes, andar um pouco pela loja com elas para ver se ‘enganávamos’ a tecnologia, e no final voltamos a pousar uma. O sistema da Amazon percebeu e no final só cobrou a garrafa que efetivamente trouxemos connosco.
Para sair da loja, basta aproximar-se do pórtico de saída e ele abre. Ninguém pergunta o que levamos, não foi preciso pagar e nem sequer foi preciso tirar o telemóvel novamente para ser lido pelo pórtico. É mesmo pegar e andar. Uma experiência tão simples e linear que até parece difícil de acreditar.
Dados alguns passos e chegados cá fora, recebemos uma notificação da aplicação: diz quanto tempo passamos dentro da loja e em anexo está o recibo correspondente aos produtos que foram comprados. Entretanto o dinheiro das compras já foi descontado da conta.
Et voilá, compras feitas, num instante – o facto de não termos de passar por uma fila e caixa de pagamento faz de facto toda a experiência – e de uma forma tão fácil que até parece mentira. Depois de experimentar um conceito como o da Amazon Go parece quase impossível que o futuro do retalho não venha a passar por experiências semelhantes e até mais otimizadas.
Simples, rápido e, para quem tem está à vontade com a tecnologia, muito fácil de usar. Não há filas para pagar! A própria loja nunca tem muita gente lá dentro, pois como não há acumulação de pessoas na caixa, existe uma grande fluidez ‘humana’ no espaço. A Amazon acertou em cheio naquela que será a próxima etapa do retalho. Mas a que preço?
Um futuro que não é para todos
Enquanto explorávamos o espaço, muitas pessoas entraram e saíram da loja: umas já totalmente adaptadas ao conceito, outras ainda um pouco a medo.
À entrada da Amazon Go está um funcionário para ajudar os utilizadores – o processo é tão radicalmente diferente de tudo o resto, que é natural que um pouco de ajuda e explicação venha a ser necessário durante vários meses.
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E é aqui que começam os problemas. A evolução tecnológica da Amazon Go é de tal ordem que pode automaticamente afastar alguns utilizadores – simplesmente pelo receio de ‘passar vergonha’ perante outros utilizadores que já estão tão à vontade com o conceito.
O facto de também só ser possível entrar na loja com um smartphone é outro elemento negativo. Nem todos têm um smartphone, sobretudo nas camadas mais velhas da população e nas mais desfavorecidas – e em Seattle há muitos sem-abrigos.
Ou seja, se um sem abrigo tiver um dólar na mão, mesmo sabendo que uma água na Amazon Go custa 50 cêntimos, se não tiver o smartphone com a aplicação instalada simplesmente não pode entrar – no limite pede a alguém que possa para lhe fazer a compra.
Este é um exemplo no qual a tecnologia pode funcionar como elemento segregador na sociedade. É quase como se os menos tecnológicos não pudessem também ter acesso àquela local de venda de comida e bebida, bens básicos para qualquer pessoa.
Curiosamente, esta semana – e uma semana depois da nossa experiência em Seattle -, a Amazon anunciou que vai permitir fazer compras na Amazon Go com dinheiro, justamente porque nos EUA já há muitas críticas sobre os efeitos negativos que estas lojas podem ter ao manterem afastados grupos específicos de pessoas.
Para terminar, o impacto que isto tem ao nível do emprego. Se entrar numa loja de conveniência em Portugal, vê normalmente entre quatro a cinco funcionários, entre os que estão na caixa, os que estão a repôr stock e os que estão ocupados com outras tarefas de gestão do espaço.
Na Amazon Go só vimos dois funcionários, sendo que um deles, o que está à porta, com o tempo será dispensável também. Ainda são precisos humanos para repôr as prateleiras e outros para preparar, nas cozinhas, as refeições que os clientes vão comprar. Mas pelo menos à vista comum, existe logo uma redução significativa de pessoas no espaço de uma loja.
Numa troca de palavras rápida com um funcionário sobre o facto de não haver muitos outros funcionários ali, o sentimento era positivo – estava convencido que o conceito da loja vai acabar por dar tantas ou mais oportunidades de emprego comparativamente com as lojas ‘tradicionais’. Em certo sentido, por cima dele, no edíficio Day 1, estavam centenas de outros funcionários da Amazon, alguns deles provavelmente a trabalhar na evolução e no alargamento do conceito de Amazon Go.
Se por um lado ficamos com a sensação de que, ao entrar naquela loja, vimos e vivemos um pouco do futuro, por outro lado é difícil deixar de pensar nos elementos negativos que podem estar associados ao conceito de uma ‘simples’ loja e que, nos próximos cinco a dez anos, pode multiplicar-se não só em número, como noutros mercados.
Portanto sim, a Amazon Go parece mesmo ser o futuro – há até uma empresa portuguesa que está a criar tecnologia semelhante -, mas será este o futuro que queremos?
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