Yves Bernaert, líder europeu da Accenture Technology, diz que o impacto da tecnologia na forma como as empresas trabalham vai ser tão grande, que até os ecrãs de computador estão condenados a desaparecer.
Imagine entrar num escritório, quem sabe aquele no qual até trabalha, e vê as mesas todas vazias. Nada de ecrãs, nada de computadores, nada de teclados. Como é que estas pessoas trabalham? A resposta está na chamada realidade estendida, extended reality no termo em inglês (XR).
Esta ideia em que o trabalho passa todo para o mundo digital, incluindo até os equipamentos no qual é feito, está apenas a alguns anos de distância. Um estudo feito pela Accenture concluiu que 80% das empresas já consideram tecnologias como a realidade virtual (VR), realidade aumentada (AR) e realidade mista (MR) como importantes para o seu futuro.
“São tecnologias simples, pois já estão disponíveis, mas se as implementares de forma inteligente, não são ferramentas para criar um novo tipo de interação com utilizador, são mesmo para teres ganhos de produtividade”, explicou Yves Bernaert. Estes ganhos podem variar entre os 40 e os 90% pela forma como as pessoas desempenham as suas tarefas de forma mais rápida e com maior qualidade.
Estas realidades digitais, que atualmente estão muito ligadas ao mercado de consumo e ao entretenimento, vão mostrar o seu verdadeiro potencial no mundo empresarial. O líder europeu da Accenture Technology avisa no entanto que a mudança vai ser grande.
“Tens de reinventar o processo de trabalho completamente do zero. Isso requer habilitações técnicas, de processo e de indústria, mas as pessoas vão inovar, podem inventar uma nova forma de trabalhar”, sublinhou.
Uma área onde a realidade estendida promete ter um grande impacto é nas linhas de produção, nas quais os trabalhadores vão ter equipamentos de realidade aumentada a dar indicações e informações em tempo real do processo de trabalho que está a ser feito.
“Acredito também que vai ter um grande impacto na indústria do retalho, seja para comprar em casa ou na loja. Podes estar no sofá com uns óculos aumentados, a veres-te no ecrã e como ficas com as roupas. Torna mais fácil o processo de compra”.
Yves Bernaert está convencido que as realidades digitais vão poder ser aplicadas “à maior parte das coisas que fazemos, em qualquer trabalho”. “Ainda precisas de um ecrã, ainda precisas de um teclado? Não, amanhã os ecrãs vão estar algures nos teus olhos e vais ver um ambiente aumentado”.
Dito assim parece que de facto está uma revolução a caminho, mas os números ainda mostram uma realidade muito diferente. No primeiro trimestre do ano, segundo dados da consultora IDC, foram vendidos apenas 1,2 milhões de óculos de realidade virtual ou aumentada, o que representa inclusive uma quebra de 30,5% em comparação com igual período de 2017.
Há informações de que a Apple está a preparar um equipamento de realidade aumentada e que esse pode ser o gatilho pelo qual o mercado tem esperado para se afirmar – a tecnológica norte-americana já está, de facto, a criar um ecossistema de AR muito forte tendo por base os seus dispositivos móveis.
Bernaert reconhece que as baixas vendas de dispositivos VR e AR pode funcionar como um entrave à adoção das empresas, mas o perito da Accenture acredita que o mercado da realidade estendida vive neste momento a mesma fase que a inteligência artificial viveu há dois anos: as empresas não mostravam grande interesse na tecnologia, até alguém lhes mostrar o verdadeiro potencial.
Num país como Portugal, Yves Bernaert não antevê grandes barreiras na adoção destes novos sistemas. “O nível de maturidade tecnológica em Portugal é bastante alto, ao contrário de outros países. A capacidade de adaptar novas tecnologias é talvez mais fácil em Portugal do que noutros países”.
“Na Accenture já estamos a lançar alguns sistemas em que fazemos visualização de dados num ambiente de realidade aumentada. As pessoas em lugares remotos do mundo usam óculos e podem fazer reuniões em que partilham os dados entre si, vindos diretamente dos sistemas, e fazem a reunião desta forma. Visualizam nas suas mesas, de forma aumentada, os dados dos seus sistemas de backoffice e podem tomar decisões a partir destes dados”.
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É justamente na parte dos dados que a inteligência artificial vai desempenhar um papel importante. A informação que chegar aos utilizadores de forma aumentada, já vem segmentada para que o gestor só precise de tomar a decisão de negócio mais correta tendo em conta aquilo que viu.
“Ao início a inteligência artificial estava em modo piloto nas empresas e agora vemos implementações nos clientes de forma massiva. É uma grande mudança”, explicou o líder europeu da Accenture Technology. “A realidade estendida e a inteligência artificial vão estar em pacote, sempre. O nível de produtividade e a melhoria na qualidade vai ser enorme”.
O impacto na produtividade nas empresas vai ser de tal ordem que há um elemento que precisa de ser acautelado pelos gestores – o factor humano. À medida que os trabalhadores ficam mais produtivos, há mesmo lugar para todos?
O Yves Bernaert acredita que sim, que a revolução tecnológica dos próximos anos vai criar mais empregos do que aqueles que vai destruir. Mas será preciso requalificar muitas pessoas para novas tarefas dentro das empresas.
“Tens de repensar a forma como treinas as pessoas, não podes deixar ninguém para trás. Este é o desafio, não é impossível de endereçar, mas precisas de começar a pensar nisto ao mesmo tempo que olhas para a automação e implementas inteligência artificial nos teus sistemas”, alertou, para depois acrescentar:
“Se não o fizeres, não estás a fazê-lo de forma responsável e estás a colocar as tuas pessoas em risco e a tua empresa também. Quem quer trabalhar para uma empresa que não se preocupa com as suas pessoas?”.
A questão fica no ar.