Nos próximos dez anos a forma como os humanos vão interagir com o mundo digital vai mudar de forma radical. Mar Gonzalez Franco é uma das mentes da Microsoft Research que está a descobrir formas para ‘enganar’ o cérebro e o corpo humano.
Um copo que existe e não existe ao mesmo tempo. Será possível? No domínio da tecnologia é possível ser e não ser. Equipamentos dedicados, como óculos de realidade aumentada, permitem-nos ver objetos digitais que parecem reais. O problema surge quando o utilizador tenta interagir com o copo: a ilusão perfeita desfaz-se e isso cria uma sensação de insatisfação no cérebro.
É por isso que a neurociência é tão importante no domínio daquela que deverá ser a próxima grande plataforma de computação a seguir ao smartphone. Se a realidade mista – uma fusão entre os conceitos de mundo digital imersivo e mundo digital sobreposto à realidade – conseguir mostrar o seu potencial, então até o próprio conceito de smartphone pode ter os dias contados.
“Para que precisas de um iPhone, se podes simular um?”, questiona Mar Gonzalez Franco, investigadora na equipa de perceção de interação e cognição estendida (EPIC na sigla em inglês) da Microsoft Research. Ela e os seus companheiros estão, na prática, encarregados de fazer o nosso corpo acreditar em algo que não existe.
“A Microsoft é muito clara sobre esta ideia de realidade mista enquanto dispositivo que contém todos os outros dispositivos. Deixa-me dar um exemplo: antes tínhamos a caneta e o caderno, podíamos escrever, era um meio; depois tivemos o telefone e no telefone podíamos ter um aplicação de anotações e escrever lá, era uma simulação dentro de um meio novo. E agora dentro dos dispositivos de realidade mista podemos simular um telefone que simula um caderno”.
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Da mesma forma que os smartphones enviaram para o baú gadgets como calculadoras, GPS e câmaras fotográficas, os equipamentos de realidade mista podem desmaterizalizar ainda mais equipamentos, incluindo televisores. Com a realidade mista poderá ter múltiplos televisores, de 100 ou mais polegadas, espalhados pela sua casa. Mas quando receber visitas lá em casa o que terá na verdade é as paredes todas despidas.
E ao contrário de outras tecnologias avançadas, que parecem estar talhadas para os países com economias desenvolvidas, a realidade mista vai ser muito mais abrangente. “Isto vai ter um impacto crítico nos países em desenvolvimento, porque antes precisávamos de comprar todos os dispositivos e agora vamos ter um dispositivo, de realidade mista, que vai ter todos juntos”.
Mar Gonzalez Franco acredita que “quando as pessoas realmente testarem estes sistemas vão adorar”, ainda para mais se nessa altura as investigações que está a fazer já estiverem a ser integradas em produtos de consumo. As sensações hápticas podem mudar por completo a interação entre humanos e o mundo digital.
A tecnologia háptica permite recriar sensações através de vibrações. O sistema em si não é novo: a Apple usou-o quando descartou o botão físico do iPhone por um botão estático e a Nintendo também utiliza um sistema robusto de vibração nos comandos da consola Switch para simular objetos.
O que a Microsoft pretende é ir um passo mais além. “As sensações hápticas dão esta ilusão de toque. A minha mais recente investigação sobre tecnologias hápticas foi mais precisamente sobre tocar em coisas que não estão lá, sobre como podemos gerar o vale da estranheza das sensações hápticas”, conta-nos a neurocientista.
O vale da estranheza (uncanny valley em inglês) acontece quando há uma tentativa quase perfeita de replicar uma sensação ou comportamento humano, mas que acaba por ter algo que ajuda a perceber que não é verdadeiro, criando um sentimento de afastamento.
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“Estamos a criar a ilusão de objetos que estão à tua volta, mesmo um computador é um objeto que pode ser simulado no sistema. Estás a trabalhar em portáteis invisíveis. Penso que é a próxima grande arena de investigação para nós, resolver este problema háptico”.
A investigadora relembra que o humano é um animal visual acima de tudo, mas que a utilização dos outros sentidos pode ajudar a enganar o cérebro. E é justamente isto que está a ser preparado nos laboratórios da Microsoft.
“Se vais adicionar mais sentidos ao mesmo tempo, o que podemos fazer é criar esta ilusão muito forte de que estás a tocar numa superfície suave ou dura, quando estás a tocar apenas no ecrã do teu tablet”.
Um dia, quando as tecnologias hápticas já tiverem um bom grau de desenvolvimento, então será até possível os seres humanos terem alucinações sensoriais.
“Estamos a chegar a estes dispositivos que são muito bons a renderizar gráficos, vão fazer-te acreditar que as coisas estão lá. E acontece-me às vezes, em realidade virtual, estar a usar algo, como ter uma toalha nas mãos, e depois quando tiro os óculos, e a toalha não está lá”,,explica Mar Gonzalez Franco.
Na prática é como se a toalha existisse e não existisse – tal como o copo.
A tecnologia está a mudar o nosso corpo. E um dia o seu gadget favorito pode fazer parte de si