Todos esperam que a próxima grande revolução tecnológica saia dos laboratórios da Google, Facebook, Apple ou Microsoft. Mas isso não significa que tenha de vir obrigatoriamente dos EUA. Estas e mais 350 outras tecnológicas de grande calibre estão todas em Telavive, Israel, à procura da tecnologia – ou da pessoa – que vai mudar por completo o mundo.
Tudo começou em Idanha-a-Nova, a vila de Castelo Branco. Dafi Kremer e os colegas vieram, em 2002, para o Boom Festival, o evento de música, arte e estilo de vida alternativo que todos os anos atrai milhares de pessoas de todo o mundo até ao interior de Portugal.
Tinha acabado de concluir o mestrado em matemática, nos EUA. “Éramos novos e muito loucos”, recordou. Depois da passagem por Portugal, seguiu com os amigos para Amesterdão e foi aí que tiveram a ideia de criar uma tecnologia que fizesse uma interpretação 3D dos objetos que estavam à sua frente.
“Quando ainda tinha vinte e poucos anos, já era milionária”. Dafi Kremer, israelita, não disse quanto ganhou, mas o sorriso na cara enquanto contava a história foi suficiente para perceber que estavam muitos zeros envolvidos na operação.
Se está a pensar que por esta altura Dafi Kremer é uma das figuras de proa de Telavive, o núcleo tecnológico e de empreendedorismo de Israel, engana-se. Saiu do mundo da tecnologia e veio para casa, quando ouviu o seu primeiro filho a dizer ‘pai’ e não ‘mãe’. Foi um momento que mexeu com ela.
Agora, com 37 anos, dedica-se à cozinha – diz que herdou o jeito da avó -, mas não ficou offline por completo. No tempo livre, está a criar uma luva ligada a um braço robótico que recria exatamente os seus movimentos na cozinha. Na prática está a tentar criar a Bimby do século XXI. “No próximo ano ainda vou ligar ao Yossi Vardi”, disse, entre sorrisos.
O nome de Yossi Vardi pode não ser conhecido da maioria das pessoas, mas no mundo do empreendedorismo e principalmente em Israel, este investidor, agora com 76 anos, é uma lenda e uma das figuras centrais da revolução tecnológica do país. Ajudou a fundar mais de 80 empresas e é também o criador do DLD Telavive, um dos principais eventos de inovação. Se Israel é conhecido como a nação da startups, muito deve-se a este senhor.
A história de Dafi é uma de muitas que é possível encontrar em Telavive, cidade que é sinónimo de empreendedorismo em Israel – concentra 75% de todas as startups do país. Segundo o Ministério dos Negócios Estrangeiros, existem cerca de 6.500 startups em Israel. O clima em torno da tecnologia é de tal forma fervoroso que Ran Natanzon, diretor de inovação no ministério, dá um exemplo curioso.
“Em Israel os empreendedores de sucesso são estrelas de rock. Antes as mães judias queriam que os filhos fossem médicos ou advogados, agora querem que sejam empreendedores”.
Um empreendedor em cada esquina
Eddie Galantzan, que já vai na sua quinta empresa, estava com o filho de 16 anos, Sean, no evento DLD Telavive. Juntos promoviam a plataforma que estão a criar, a AIDock, que usa inteligência artificial para automatizar as fichas de despacho de encomendas.
O que faz alguém tão novo num evento para ‘graúdos’? Sean Galantzan é um jovem prodígio. Terminou o ensino secundário com 12 anos e vai agora para o último ano de licenciatura na Universidade de Telavive, onde trabalha com Lior Wolf, líder de inteligência artificial (IA) do centro de desenvolvimento do Facebook em Israel.
“Estou muito interessado em inteligência artificial e penso que pode mudar muitas coisas no nosso mundo. Eu quero fazer parte desta mudança”, disse, num inglês já de grande qualidade, mas carregado de pronúncia israelita.
Quando questionado sobre a sua futura entrada no exército, Sean deixou escapar um sorriso nervoso e disse que era um tema sobre o qual ainda não tinha pensado. Mas será inevitável. Este jovem, que também gosta de praticar natação, vai acabar por entrar na grande máquina do exército israelita. Aos 18 anos – há exceções por causa dos estudos -, homens e mulheres têm de cumprir o serviço militar obrigatório: três anos para eles, dois anos para elas.
Não há israelita com o qual tenhamos falado e que não aponte a passagem pelo exército como um dos factores de sucesso de Israel no empreendedorismo. Na prática, a esmagadora maioria da população é colocada à prova e direcionada para as áreas onde mostram melhores desempenhos.
“Quando tens uma arma na mão, tens de fazer uma escolha entre a vida ou a morte. No exército és exposto a tecnologia de ponta, seja cibersegurança, drones ou câmaras com infravermelhos. Não digo que outros países devem adaptar a obrigatoriedade do exército, mas acrescenta valor de muitas maneiras”, salientou Ami Appelbaum, cientista líder da Autoridade de Inovação de Israel, a propósito deste tema.
É também no exército que os melhores são direcionados para uma unidade de elite tecnológica, a 8200. Vários empreendedores de sucesso são alumni desta unidade do exército e falam disso com orgulho, ainda que ninguém queira falar sobre o que lá faziam.
Eyal Gura, cofundador e presidente do conselho de administração da startup Zebra Medical Vision, no exército pertenceu à divisão de submarinos. Agora, com 40 anos e pai de dois filhos, o israelita já vai na sua quinta startup. A Zebra desenvolve algoritmos de inteligência artificial que analisam imagens médicas – como ressonâncias magnéticas ou raios-X – para detetar de forma rápida e com uma precisão superior aos humanos possíveis problemas de saúde nos pacientes.
A empresa tem um modelo de negócio peculiar: cobra um dólar por cada scan feito com os seus algoritmos. Parte da estratégia passa por vender a solução a grandes empresas, como a Philips, que depois a integram nos seus equipamentos hospitalares. Eyal Gura confirmou que já há um hospital em Portugal a trabalhar com estes algoritmos, mas não adiantou qual.
O projeto só arrancou com a ajuda do governo israelita. Na prática a Zebra precisava de imagens médicas para poder começar o seu trabalho, algo que os hospitais não queriam dar. O governo iniciou há seis meses um programa que nos próximos cinco anos pretende digitalizar todos os materiais dos hospitais, com o objetivo de criar um novo ecossistema. “Muitas empresas estão a vir para Israel para aproveitar esta onda. A saúde digital é a próxima cibersegurança”, considerou Eyal.
O empreendedor referia-se ao facto de há dez anos o governo ter definido a cibersegurança como a sua grande prioridade. Atualmente, 12% dos investimentos mundiais em cibersegurança vão para Israel, que é considerado por muitos como o maior núcleo do mundo nesta área.
O exemplo vem de cima
Os apoios públicos ajudam a explicar mais uma parte da história de sucesso de Israel. Na década de 1990 foram criados vários fundos em que 85% do investimento feito era com dinheiro do estado israelita.
“Há muito dinheiro que está a ser investido em Israel, não é novo, acontece há 15 anos”, disse Eyal sobre o ecossistema do seu país. Ao todo existem mais de 360 entidades de capital de risco a atuar em Israel, mas isso não significa que seja o El Dorado para qualquer startup – estes fundos gostam de investir acima de tudo em empresas de origem israelita e não de fora.
É por este motivo que muitas gigantes multinacionais – mais de 350 na verdade, incluindo a Google, Microsoft, IBM, Cisco, Apple e Amazon – abrem centros de desenvolvimento no país, sobretudo em Telavive. Querem estar perto do talento onde pode nascer a next big thing.
Estas empresas, que sempre apostaram no talento israelita em solo norte-americano, viram muitos dos seus funcionários regressarem ao país de origem para criar os filhos mais próximos das raízes dos pais. Em vez de abrirem mão destes ‘cérebros’, as tecnológicas optaram por vir também para Israel.
Os EUA, terra das maiores tecnológicas do mundo, está de olho na inovação Israelita. No ano passado a empresa Mobileye, líder na criação de sistemas de condução autónoma, foi comprada pela Intel por 15 mil milhões de dólares. Outra empresa de origem israelita que é bastante conhecida é a Waze, que a Google comprou em 2013 por mil milhões de dólares. A Apple em 2013 também lá foi às compras, tendo compra a startup PrimeSense, mais conhecida por criar a tecnologia de reconhecimento visual que equipa o Kinect da consola Xbox 360.
Estima-se que 50% dos trabalhadores tecnológicos de Israel trabalhem para estas grandes multinacionais. E ao fim de vários anos nestas empresas, investem por conta e risco próprios – já houve casos de fundadores que viram os seus negócios comprados pelas empresas onde trabalhavam anteriormente.
Mas como há um limite saudável para tudo, a sociedade israelita tem discutido se o país já terá chegado a um ponto em que não consegue absorver mais centros tecnológicos vindos de fora. “Se quiseres escalar uma startup de 50 para 200 pessoas, na Europa é possível, em Israel é muito difícil”, sublinhou Eyal Gura.
Há outros desafios que estão na calha: a falta de mão de obra qualificada, algo que está a ser respondido com a aposta em faixas específicas da população (ver caixa ao lado); os preços elevados do imobiliário em Telavive, com os alugueres de casas a situarem-se perto dos 1.500 euros; e o centralismo, estando a ser feito um esforço para que outras cidades, como Jerusalém e Haifa, comecem também a absorver uma grande parte deste investimento tecnológico.
O que têm, afinal, Telavive e Israel de especial para atrair as maiores tecnológicas do mundo? Na prática é a confluência quase única de seis elementos (ver infografia) que depois tornam-se numa espécie de espiral: à medida Israel fica mais avançado em tecnologia, mais empresas querem estar lá.
“Em Israel também é muito fácil encontrar investidores. Há muitos capitais de risco e multinacionais, e todos investem de forma diferente. Se tiveres uma boa ideia e acreditares nela, vais ter com o CEO de uma grande empresa. Se te apresentares bem, tens uma boa hipótese de conseguir uma reunião”, explicou Ran Natanzon.
Abordar alguém sem ter em conta o cargo dessa pessoa, o ato de desafiar a autoridade, é algo que os israelitas valorizam. Até têm uma palavra para isso: chutzpa.
A ausência de medo e a cultura de risco são elementos também apontados como essenciais a este desenvolvimento. “Todos os anos temos cerca de 1.400 novas startups, mas 800 fecham – não ficam com medo, seguem para outra aventura”, salientou Ami Appelbaum.
Há um grande falhanço em Israel que é de certa forma um orgulho nacional. A Better Place foi uma empresa criada em 2007 para desenvolver carros elétricos e toda a infraestrutura necessária à sua utilização, nomeadamente uma rede de postos para troca de baterias. Fortemente financiada com dinheiro público israelita, fechou portas em 2013.
A parte boa deste falhanço é que os funcionários que ajudaram a construir a Better Place, depois fundaram 44 outras empresas – incluindo nomes conhecidos como a Waze. Apesar de não ter resultado, serviu de rampa de lançamento para outros projetos de sucesso.
“Há países onde se falhares, é como um estigma. É importante perceber que se eu criar uma startup e não conseguir, aqui ninguém me vai apontar o dedo”, referiu o cientista líder da Autoridade da Inovação israelita. “Um dos elementos importantes é ter um governo que percebe o valor e importância estratégica das startups”.
Ainda que muitos empreendedores israelitas falem no conceito de tikkun olam, de criar projetos para o bem maior, o Governo do país admite de forma clara: os investimentos são feitos com o objetivo de obter retorno.
Por cada dólar que a Autoridade de Inovação investe, existe um retorno médio de seis dólares para a economia israelita. “Nós não ficamos com uma percentagem das empresas. Quando já são grandes, dão-nos 3% das suas receitas anuais até terem devolvido aquilo que nós investimos”, explicou Ami Appelbaum.
Os próximos alvos já estão definidos: Israel vai investir 300 milhões de dólares nas áreas de medicina personalizada, agricultura de precisão, tecnologias quânticas, sistemas autónomos e ainda na vertente de sensores e Internet das Coisas.
“Hoje estamos a investir nas tecnologias que podem materializar-se daqui a dez anos. Algumas vão fazê-lo, outras não”, disse numa apresentação Aharon Ahron, antigo vice-presidente da Apple e agora líder da Autoridade de Inovação em Israel.
Os israelitas não acreditam apenas que estas serão as next big things – estão a trabalhar para que isso aconteça.
– A Insider viajou a convite da Embaixada de Israel em Portugal
*Este artigo foi originalmente publicado na edição de setembro de 2018 da revista Insider com o título ‘Telavive, onde todos procuram a next big thing’