50 anos depois do Homem lá chegar, o que é que a Lua tem? Pó lunar, gelo e sonhos

    Um pó ou poeira algo misterioso e que cheira mal, muito perto da pólvora, temperaturas muito díspares entre o frio e o quente e uma história de 4,5 mil milhões de anos ligada à Terra. As missões Apollo levaram há precisamente 50 anos um ser humano para a superfície lunar e permitiram iniciar um caminho simbólico e histórico que só nos próximos anos vai conhecer os próximos capítulos. O objetivo? Estações lunares com humanos a viverem por lá já a partir de 2024 e, depois, Marte. 

    Foi a 16 de julho de 1969, que começou a viagem que viria a por, a 20 de julho (na madrugada de 21 de julho em Portugal Continental), pela primeira vez na história, um ser humano a caminhar no satélite natural da Terra.

    Da Terra à Lua são, em média, 384 mil kms, que demoraram quatro dias a percorrer. Até ali, nunca, desde que há vida na Terra, houve contacto com a Lua. O ser humano – homo sapiens – tem cerca de 315 mil anos (com comportamentos mais sofisticados e complexos há apenas 50 mil anos). 

    A vida na Terra (o único planeta onde há provas conhecidas da existência de vida de um universo que, até ao momento, parece ser infinito com descobertas diárias de novos planetas, estrelas, galáxias), julga-se ter começado sob a forma de bactérias e microfósseis, há 4,28 mil milhões de anos, pouco depois da formação dos primeiros oceanos, há 4,41 mil milhões de anos (o planeta ter-se-à formado há 4,54 mil milhões de anos). 

    Já a Lua, julga-se ter sido criada pouco depois da Terra, há 4,51 mil milhões de anos, com a explicação mais comumente aceite a ser que foi formada pelos restos de um impacto épico entre a Terra e um corpo celeste do tamanho de Marte chamado Theia (o resultado foi o planeta Terra que conhecemos hoje).

    Algumas das teorias mais valorizadas sobre a Lua, incluindo esta de ser feita de despojos da Terra, foram possíveis graças a muitos dos dados recolhidos pelos 12 astronautas que pisaram o solo lunar entre 1969 e 1972. As rochas que trouxeram foram analisadas e cedo percebeu-se que eram as mesmas das que existem na Terra, com uma grande diferença, estiveram desprotegidas e sem atmosfera digna desse nome.

    Como uma banda de culto, cujas músicas tiveram um impacto bem mais profundo e longo do que os seus anos de atividade – caso dos Beatles, ativos de 1960 a 1970, ou os The Doors, de 1965 a 1973 -, as missões Apollo que puserem seres humanos na Lua, foram breves mas tiveram importância não só simbólica, mas também ajudaram a definir a história do satélite natural terrestre. Estão lá vários objectos deixados nas missões, uns por necessidade – quanto mais deixassem mais material lunar poderiam levar para a Terra, outras por homenagens.

    Na verdade, convém recordar, foram os soviéticos os primeiros a estabelecer o primeiro contacto direto com a Lua. Em 1959 a missão Luna 2 levou uma nave não tripulada para as imediações da Lua e em 1966 conseguiu a primeira aterragem lunar com o Luna 9. As missões Apollo, com a Apollo 8, em 1968, conseguiram no Natal desse ano, a primeira missão com humanos a entrar na órbita da Lua e foi nessa ocasião que se tirou a famosa foto “nascer da Terra”.

    O deserto lunar, quente e frio

    A Lua tem sido apelidada por astronautas como um deserto incrivelmente seco com mais de 4 mil milhões de anos. Lá não há oxigénio e, praticamente, não existe atmosfera. Está ainda desprotegida relativamente ao espaço, daí as temperaturas extremas.

    A Lua tem uma rotação síncrona com a Terra. Quer isto dizer que vemos sempre a mesma face lunar, onde estão as crateras mais profundas e que lhe dão um aspeto peculiar. Quer isto dizer, que o outro lado da Lua não é visível da Terra e esconde alguns mistérios – há várias missões previstas para os explorar.

    A influência lunar, por ser de forma tão proeminente visível no céu terrestre e pelo seu ciclo de fases regulares visto da terra, tem tido uma influência cultural e nas sociedades humanas desde que há registos. Algumas dessas influencias são encontradas na linguagem, nos sistemas de calendários lunares, na arte e na mitologia.  

    O que o astronauta deve saber sobre a Lua

    O dia de um dos lados da lua dura cerca de 13 dias e meio terrestres, seguindo-se 13 dias e meio de noites numa escuridão fria. Quando a luz do do sol atinge a superfície lunar, as temperaturas podem atingir os 127 graus celsius. Quando o sol de põe as temperaturas podem descer para os 173 graus negativos.

    A Lua, cuja face virada para a Terra é sempre a mesma, não tem uma órbita em torno do centro da Terra, mas oscila entre 1600 km em relação à superfície terrestre.

    Leonardo da Vinci foi o primeiro a perceber que o motivo pelo qual podemos ver o desenho da Lua completa mesmo quando só uma parte é que é visível (está iluminada pela luz solar), já que basicamente é a luz terrestre reflectida de novo para nós.

    A Terra tem 81 vezes mais massa do que a Lua, mas apenas 16 vezes mais volume, porque a Terra tem um centro de metal e ferro muito mais denso, enquanto a Lua foi feita com pedaços da superfície terrestre e, por isso, não tem um centro tão denso.

    Na Lua, onde não há o ar como o conhecemos, os aviões, helicópteros ou pássaros iriam parecer tijolos atirados quando tentassem voar, de acordo com o astrónomo Neil deGrasse Tyson.

    Sem uma atmosfera espessa, a superfície da Lua não tem um clima marcado por variações grandes como temos na Terra nem tem tempestades propriamente ditas, embora a poeira lunar possa causar grandes de outra índole, como veremos de seguida.

    Pisar o pó lunar, dizem os astronautas, é quase como pisar neve.

    Sem ar, mas com pó e cheiro

    Mesmo sem atmosfera ou ar respirável para os humanos, a Lua tem um cheiro. Os astronautas das missões Apollo que aterraram na Lua aos pares, foram pisando o pó lunar e deixando as marcas das suas botas numa superfície que além do pó tem muitas pedras e rochas.

    Embora não pudessem cheirar com os fatos colocados, o pó lunar vinha agarrado aos fatos dos astronautas quando entravam no módulo lunar e eles acabavam por notar assim no cheiro daquele grão fino, cinza escuro e extremamente pegajoso.

    “Estávamos cientes de que havia um novo cheiro no ar da cabine”, explicou Neil Armstrong, “que vinha de todo o material lunar que se tinha acumulado nas roupas”. Para Armstrong, era “um cheiro forte a cinzas molhadas”. Para o seu colega da Apollo 11, Buzz Aldrin, era “o cheiro no ar a pólvora queimada ou o mesmo que se sente depois do fogo de artifício ter sido disparado”.

    Todos os astronautas que caminharam na Lua repararam nesse facto. Harrison Schmitt, o geólogo que voou na última missão que levou homens à Lua, a Apollo 17, disse após a segunda caminhada na Lua: “cheira como se alguém estivesse a disparar uma carabina por aqui.”

    Curiosamente, o pó lunar em contacto com o oxigénio e os elementos da Terra perde esse cheiro e as amostras que chegaram cá já não permitiam sentir o odor tão falado.

    A pó lunar tornou-se com o passar dos anos um dos mistérios da Lua e já o era antes mesmo da missão tripulada ter chegado à superfície lunar. O astrofísico da Universidade de Cornell, Thomas Gold, alertou a NASA que a poeira poderia ser radioativa e se fosse transportada muita poeira para dentro da cabine do módulo lunar, a partir do momento em que os astronautas abrissem o oxigénio, a poeira poderia começar a queimar ou até mesmo causar uma explosão. Gold, que previu corretamente no início que a superfície da Lua estaria coberta de pó, também tinha avisado a NASA que a poeira poderia ser tão profunda que o módulo lunar e os próprios astronautas poderiam afundar-se irremediavelmente nela.

    Armstrong e Aldrin fizeram o seu próprio teste ao pó lunar para não correr riscos. Pegaram numa pequena amostra da pó lunar que Armstrong tinha colocado num saco e fizeram o teste para ver se começava a arder. “Mas nada aconteceu”, disse Aldrin.

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    Estações lunares, água na Lua e… o pó

    Apesar disso, o pó lunar pode trazer outros problemas, mesmo para possível presença mais permanente de humanos na Lua. Os 12 astronautas americanos que pousaram na Lua há cinco décadas estiveram todos preocupados com algo tão banal quanto uma espécie de serviço de limpeza. Todos ficavam surpreendidos com a quantidade de poeira que traziam atrás e que era difícil de tirar. Além de pegajoso era abrasiva, arranhando as viseiras dos capacetes dos astronautas, enfraquecendo os fatos, irritando os olhos e provocando alguns problemas no nariz. “O pó habita todos os cantos da nave e todos os poros da nossa pele”, disse Gene Cernan, da Apollo 17, após a missão.

    Já John Young, o comandante da missão Apollo 16, anos depois de ter estado na Lua ainda acreditava que “a poeira é a preocupação número num regresso à Lua”. Agora, com agências espaciais nacionais e empresas privadas preparadas para levar o ser humano à Lua, os pormenores sobre o problema com o pó nas missões Apollo são relevantes outra vez.

    Em janeiro, a China colocou a sonda Chang’e-4 no outro lado da Lua, o mais recente passo em direção ao seu objetivo declarado de construir uma estação de investigação lunar. Dois meses depois, a Agência de Exploração Aeroespacial japonesa disse que estava em parceria com a Toyota para projetar um roover de seis rodas até 2029.

    Na mesma altura, o vice-presidente dos EUA Mike Pence anunciou planos para colocar homens e mulheres americanas na Lua até 2024. Segundo o administrador da NASA Jim Bridenstine, o objetivo é “ir de forma sustentável. Ficar. Com landers, robôs e humanos”.

    A Índia e a Rússia também têm missões planeadas. Depois, há os investimentos privados como o Moon Express, cuja expedição Harvest Moon vai procurar água, minerais e outros recursos para mineração.

    O ano passado foi anunciado a descoberta de evidências de gelo de água na superfície da Lua, nomeadamente nas zonas mais escuras e frias dos pólos lunares. No Pólo Sul, o gelo está concentrado nas crateras lunares, nomeadamente onde está sempre sombra (a luz solar nunca atinge estas partes).

    As futuras missões à Lua vão tentar responder a questões sobre a existência de gelo de água à superfície (Como chegou lá? Como o gelo interage com o ambiente da Lua? entre outras). Vão também tentar comprovar se a exploração humana da Lua pode mesmo utilizar água como um recurso essencial. Mas há outra questão relevante: que problemas pode o pó lunar causar e o que fazer com ele.

    Um físico australiano, Brian O’Brien, que trabalhou com a NASA no início das missões Apollo tem alguns dados, preocupações e sugestões para o pó lunar. Uma das preocupações é que a presença dos astronautas, pela agitação do pó, possa ter aumentado a temperatura nas zonas da Lua. A história de O’Brien é relatada com pormenor pela Wired, mas faltam-lhe mais dados que só novas missões podem esclarecer.

    O dinheiro ilimitado e… Marte

    Foram investidos nas missões Apollo, de 1961 a 1972, um valor inédito de 25,4 mil milhões de dólares, o equivalente hoje a 263 mil milhões. A NASA investiu na altura mais do que isso no conjunto do esforço lunar, nada mais nada menos do que 28 mil milhões, cerca de 288 mil milhões de dólares no valores atuais, o que é bem mais do PIB português atual. Isso só foi possível pelo clima de Guerra Fria com a Rússia, que levou a um investimento sem precedentes na rivalidade espacial entre os dois países.

    Levar humanos ao espaço é muito caro e esse é um dos motivos apontados para que desde 1972 nunca mais tenha havido humanos na Lua. Mas os tempos estão a mudar, não só porque a tecnologia pode permitir outras conquistas, mas porque há mais países e empresas interessadas na exploração espacial.

    Neste contexto, a aproximação à Lua, nomeadamente com um possível estação espacial local, é vista como um primeiro passo no caminho para explorar Marte com humanos, até porque à Lua uma nave demora três a quatro dias a chegar, enquanto a Marte a viagem demora oito meses e só pode acontecer uma vez por ano (que é a altura em que o Planeta Vermelho está mais próximo da Terra).

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