Uma investigação do jornal New York Times revela que há aplicações que conseguem ter acesso a grandes quantidades de dados dos utilizadores. A recolha de dados é tão específica que até mostra que as localizações seriam gravadas em intervalos de 21 minutos, milhares de vezes por dia.
Há alguns meses, uma investigação feita pela Associated Press, apoiada por investigadores da Universidade de Princeton, já tinha tornado claro que empresas como a Google conseguiam ter acesso à informação de localização dos seus utilizadores – mesmo que esta não estivesse ativa no smartphone.
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Agora, uma investigação do NYT não aponta a mira à Google, mas sim a um mercado milionário de venda de dados de localização. Há pelo menos 75 empresas que recebem de “forma anónima, dados de localização precisa a partir de aplicações que permitem utilizar serviços de localização”. Estas aplicações usariam a localização para ter acesso a notícias locais e ainda a dados meteorológicos. A investigação feita revela que estas empresas conseguiriam ter acesso a dados de 200 milhões de dispositivos móveis, a funcionar em vários pontos dos Estados Unidos.
A base de dados à qual o New York Times teve acesso mostrou localizações tão precisas que era possível perceber deslocações curtas – ao ponto de incluírem mudanças de poucos metros.
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A média de localizações estaria recolhidas podia começar nas 8600 localizações por dispositivo – mas, em alguns casos, há até registos de 14 mil localizações gravadas. Em média, a informação de localização estaria a ser recolhida em intervalos de 21 minutos.
Pode parecer uma frase feita, mas os dados são o novo petróleo. Tanto que as empresas envolvidas vendem, usam e analisam estes dados para conseguir fornecer informação direcionada a anunciantes, retalhistas e até fundos de investimento, revela o jornal. E avançam ainda valores: a publicidade baseada em localização poderá chegar a um valor estimado de 21 mil milhões de dólares (18,4 mil milhões de euros) ainda este ano.
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Habitualmente, estas aplicações pedem autorização aos utilizadores para ter acesso à localização dos dispositivos – mas aquilo que o NYT traz é a lume é a diferença entre acesso para determinado propósito e ter acesso a localização para vender dados a outras entidades.
De acordo com os valores apurados, as vendas de localizações poderiam render até dois cêntimos por utilizador, durante o espaço de um mês. E, tendo em conta o número de utilizadores envolvidos, ainda se trata de uma quantia considerável.
Há várias empresas que assumem que recolhem dados de localização, para conseguir melhorar serviços e direcionar publicidade de uma forma mais adequada ao utilizador – a Google e a Apple são exemplos neste campeonato. Mas a questão da autorização, em muitas destas apps envolvidas, não mencionava que os dados de localização são vendidos a outras entidades.
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Aquilo que este relato, que conta com dois exemplos onde os utilizadores percebem o quanto eram “vigiados” através do seu próprio smartphone, mostra é a capacidade de traçar perfis consoante a localização. Se todos os dias a pessoa passa mais de dez horas à noite na mesma localização, todos os dias, o grau de probabilidade de se tratar da sua própria casa é elevado – assim como a capacidade de perceber local de trabalho. Aquilo que está em causa não é o ter algo a esconder, mas sim o direito à privacidade dos utilizadores.
Este ano, os acessos indevidos a dados e a venda de dados pessoais de utilizadores a outras entidades, sem o conhecimento dos mesmos, tem estado na ordem do dia. Há sete meses, o escândalo do Facebook e da Cambridge Analytica trouxe a público a questão do poder dos dados, nomeadamente para influenciar momentos políticos, como as eleições norte-americanas de 2016. Também se têm tornado recorrentes as notícias sobre ataques informáticos a grandes empresas – o mais recente é o caso da cadeia de hotéis Marriott, que se terá traduzido num acesso indevido a dados de um universo de 500 milhões de clientes.