Na Nintendo, na Xbox e na PlayStation, as principais marcas de videojogos, há portugueses a redefinir um mercado que vale mais do que as indústrias da música e do cinema juntas.
Por Rui da Rocha Ferreira e Ana Rita Guerra
A vida trocou as voltas a Nelson Calvinho. Depois de nove anos a trabalhar na Nintendo Portugal, primeiro como relações-públicas e depois como gestor de produto, sentiu que precisava de um novo desafio. Não estava zangado com a empresa, mas o sonho de viver e trabalhar no estrangeiro falava mais alto. Saiu em novembro de 2017.
Não foi preciso muito tempo para que o telefone tocasse. Quis o destino que, na mesma altura, o líder de marketing da Nintendo no Reino Unido também estivesse de saída. “O diretor-geral da Nintendo Reino Unido convidou-me para vir para Londres. Eu sempre quis trabalhar e viver cá, foi uma sorte inacreditável e um privilégio estar nesta posição. E também uma surpresa bastante grande”, conta o português de 43 anos. “Foi uma mudança decidida naquele telefonema.”
Desde miúdo que Nelson vibra com os videojogos. Aos 4 anos, quando jogou na consola Videopac, ficou “apaixonado”. O primeiro jogo do qual tem memória é High Noon, do velhinho Spectrum. Aos 15 criou a sua primeira fanzine (revista não oficial feita por entusiastas) a partir do quarto, em casa. “Também gostava de música e cinema, e ainda adoro, mas os videojogos eram o futuro.” Estava certo.
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O seu percurso esteve sempre ligado aos videojogos, mas primeiro no papel de jornalista – só parou quando teve de ir à tropa. Passou por várias publicações até entrar na Nintendo, e há uma que recorda com emoção. “A revista Hype [2007] era um projeto superambicioso, provavelmente o projeto de que tenho mais orgulho, mas foi numa altura em que a imprensa estava já em fase decadente e não criava lucro suficiente.” A experiência foi de tal forma intensa que disse adeus ao jornalismo.
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Nos nove anos em que esteve na Nintendo Portugal, este lisboeta ajudou a lançar o fenómeno de vendas Nintendo Wii, contribuiu para a explosão das consolas portáteis no mercado português e também lá esteve tempo suficiente para ver um dos maiores desastres da tecnológica japonesa, a Wii U. Agora, enquanto líder de marketing no Reino Unido, um dos cinco maiores mercados de videojogos a nível global, Nelson Calvinho chefia uma equipa de dez pessoas.
“Trabalhar na Nintendo é exatamente a mesma coisa em Portugal ou no Reino Unido, a filosofia é a mesma. Obviamente que a escala, aí sim, é completamente diferente. O ritmo é outro, a exigência é outra, a visibilidade é outra, a repercussão de tudo o que fazes é completamente diferente, portanto a responsabilidade também é muito maior.”
“A minha vida aqui são reuniões, definir o rumo estratégico e tático para todos os produtos, basicamente ser a cara da Nintendo para falar com uma série de stakeholders, de agências e de pessoas com quem a Nintendo tem de se relacionar. Aqui tenho de traçar mais um rumo estratégico do que propriamente executar no terreno.”
Nelson Calvinho parece ter encontrado o seu lugar na casa do Mario, Luigi, Link e companhia. “É uma empresa pela qual sempre tive admiração, mesmo quando não estava cá. Conhecendo-a por dentro, estou apaixonado há anos.”
De Braga até à sede da Xbox
Seattle abriu-lhe os horizontes, no seu esplendor chuvoso, quando Catarina Macedo tinha 17 anos e viajou até aos EUA para a final do torneio World Cyber Games de 2007. “Ganhávamos a nível nacional e eles traziam-nos cá”, recorda. “Foi ao pé do estádio dos [Seattle] Seahawks. E eu pensei: ‘A Xbox é aqui, um dia hei de vir para cá trabalhar.’ Dez anos depois, consegui mesmo.”
Catarina Macedo é a única portuguesa a trabalhar na sede da divisão de videojogos da Microsoft, em Redmond, no estado de Washington. Entrou na unidade há menos de ano e meio para ser gestora de produto na equipa social da Xbox Live, onde está a trabalhar nas funcionalidades que permitem aos jogadores interagir uns com os outros nos serviços da consola. O entusiasmo é impossível de ignorar.
“A nossa ambição no futuro é tornar a Xbox Live, a rede que liga os jogadores nas nossas plataformas, algo bastante mais poderoso e que transcenda a consola em si”, revela. “Trazer o que temos entre festas, clubes, lista de amigos, mensagens para mais perto dos jogadores sem que precisem da consola para interagir.”
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Mas quando chegou a Redmond, sede da Microsoft, não foi para trabalhar na Xbox. Na altura, setembro de 2016, deu o salto de Portugal para os EUA como engenheira de software na unidade da plataforma de computação na nuvem Azure. Era uma ponte para chegar onde queria.
“Nos meus anos de adolescência comecei a entrar na parte competitiva, que na altura não era propriamente muito conhecida.” Habituou-se a ser a única rapariga entre rapazes. Participava em torneios online de Gears of War e Halo, duas franquias da Xbox, e passou depois a frequentar os torneios em pessoa.
Licenciou-se em Engenharia Informática na Universidade do Minho para ser programadora. Depois foi para Lisboa fazer mestrado no Instituto Superior Técnico e aí tornou-se representante do IST no programa Microsoft Student Partner.
“O meu objetivo desde que entrei foi sempre vir trabalhar para a Xbox nos Estados Unidos”, afirma, com firmeza na voz. Fez tudo o que podia: recebeu mentoria, fez networking com pessoas que já estavam em Redmond e mostrou-se sempre disponível para aproveitar quaisquer oportunidades. Depois de um ano a trabalhar em Azure, conseguiu finalmente chegar à Xbox. Aos 30 anos, Catarina Macedo está a cumprir o seu desígnio de vida.
A adaptação à realidade norte-americana demorou alguns meses, apesar de não ter sido difícil. “Chove imenso, posso confirmar”, diz, entre risos, falando das condições meteorológicas típicas de Seattle. Teve de aprender coisas banais, como perceber que comida comprar no supermercado e como lidar com as pessoas num ambiente tão diferente, onde os horários são diferentes de Portugal. “Não gosto de trabalhar cedo”, confessa.
Apesar das saudades da família e dos amigos, Catarina Macedo não pretende voltar para Portugal. “Trouxe o meu gato, o que ajuda”, graceja.
A mãe mais cool do mundo
“Estás maluca? Não percebes nada de videojogos, tu não percebes nada de vendas, mas o que é que vais fazer?”, perguntou o marido de Liliana Laporte quando ela lhe disse que ia para a Sony Pictures e Entertainment em Portugal, para trabalhar na marca PlayStation.
“Olha, afinal, ao fim de quase 14 anos, continuo a divertir-me imenso”, resume sobre o desafio que decidiu aceitar. Atualmente, a lisboeta de 44 anos é a diretora-geral da PlayStation para 16 mercados – sim, leu bem -, que incluem países como Portugal, Espanha, Israel e Grécia.
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“É um privilégio trabalhar uma grande marca como a PlayStation, com coisas tão bonitas para fazer. Todos podemos ser felizes a vender parafusos, mas é muito mais giro trabalhar com a PlayStation.”
O sucesso da marca é inegável e Portugal é sempre apontado como um dos países onde a quota de mercado é das maiores do mundo. Foi sob a liderança de Liliana que Portugal se transformou na PlayStationlandia, como é dito na comunidade de gaming, tal é o domínio no segmento das consolas.
“Quanto mais crescemos em Portugal, mais nos obriga a dedicar e a investir para mantermos essa posição de preferência.”
No percurso dentro da PlayStation também houve momentos duros. “Para mim, emocionalmente, o momento mais complicado foi quando fui para Madrid sozinha. Aí custou-me, confesso. A minha família é muito importante para mim – o meu marido e o meu filho depois decidiram vir ter comigo, o que foi bestial.”
Enquanto mãe, diz que “o entretenimento para ser vivido ao máximo deve ser feito de maneira responsável”. Lá por casa tem todos os modelos das consolas PlayStation, exceto o primeiro de todos. Mas ninguém lhe arranja uma? “Não quero. Quem as tem, tem muito amor por elas e eu nunca pediria.”
Perguntámos se lá em casa há espaço para alguma consola da concorrência e Liliana brinca: “Um dia mostrei ao meu filho o frigorífico e perguntei-lhe: quem é que o enche? É a PlayStation, por isso, é o que há. Mas porque também não precisamos de mais nada.” Ainda assim, a portuguesa considera-se a mãe mais cool do mundo. “O meu filho gosta imenso do que faço e eu gosto imenso que ele goste.”
A melhor arma para o sucesso é, na opinião de Liliana, a humildade. Talvez por isso continue a regressar a Portugal com frequência, onde tem o resto da família e os amigos. “No domingo vou estar no Porto a celebrar o aniversário da minha tia-madrinha, que faz 80 anos”, confidenciou-nos na Lisboa Games Week.
Pode um dia Liliana chegar à liderança europeia da PlayStation? “Podes sempre fazer mais e melhor, mas se a ambição for por lugares, não se chega a lado algum.”
Este artigo foi publicado originalmente na revista DN Insider de novembro/dezembro de 2018.