Estou quase a fazer anos o que, entre o avanço etário e o contexto pandémico que vivemos, é motivo de introspecção e não propriamente de festa. E a jornada interior levou-me à Máquina do Tempo, de H.G. Wells, talvez a primeira obra de ficção científica a avançar a ideia de viajar no tempo. Nesta obra o Viajante do Tempo (assim lhe chama o autor) cria uma máquina que lhe permite saltitar pela Quarta Dimensão, isto é, a dimensão do tempo.
A questão que me assolou foi a seguinte: E se eu tivesse acesso a tal máquina do tempo? Que mudaria no que foi até ora a minha estrada da vida? Resposta: Para maior impacto teria de mudar o essencial pois o que determinamos como essencial molda, fortemente, o nosso processo decisório que por sua vez abre e fecha portas.
E o que é o essencial? O essencial é o que para cada qual define a totalidade das coisas, é o que tem mais importância que o resto, o que se preza acima de qualquer coisa. Elude qualquer definição. Pode ser a alegria, o amor, a fé, a humildade, a paz, o sucesso, o respeito, a lealdade, o desafio, a ambição, a aparência, etc.
A confusão conceptual é agravada pelo facto de que o que consideramos essencial é alvo de mutabilidade pela vida fora. Não é perene. Resulta, em fase liminar, do que é ensinado, aprendido e ensaiado. O legado é sólido, tem raízes, orienta a vida. Mas a vida é uma jornada própria, cheia de descobertas ao nível do ‘eu’ em relação a si próprio e do eu em relação ao ‘outro’. E é no âmbito dessa jornada que o essencial ensinado, aprendido e ensaiado, perece, de forma parcial. Permanece em parte, esfuma-se um pouco, à medida que sabemos, descobrimos e defendemos quem somos. Processo moroso.
Ou seja, o que é essencial para cada qual vai sofrendo mutações. Contudo está sempre presente. Surge no dia a dia, quando vontade gera acção ou omissão
que vem a configurar, lá mais para a frente, destino. Surge, ainda, por vezes de forma dolorosa, em cruzamentos da vida, momentos decisivos, que definem a noção da totalidade e da importância das coisas.
Quando se é ‘’fustigado pelas ondas e não obstante se continua à tona’’ (lema de Paris), o essencial pode emergir sob a forma de tenacidade e de perseverança. ‘’I can’t go on but I will go on’’, diz Becket.
Quando se liberta passado, culpa ou punição o essencial monta a misericórdia, qualidade não forçada que ‘’cai do céu qual chuva suave sobre o chão (…) e que ‘’abençoa quem a dá e quem a recebe” (afirma Shakespeare).
Quando se estuda e questiona de forma não passiva e aquiescente, essencial é a busca do conhecimento, visto como alvo em constante movimento.
Quando estruturas colapsam, por ausência de verdade, deslealdade, corrupção (ou motivos semelhantes) e se invocam, sem medo, a transformação, a mudança e a adaptação, essencial é a coragem.
Quando se acredita que as noites mais escuras podem anunciar a aurora, essencial é ter fé, optimismo e esperança.
Quando se consegue imaginar e converter a impossibilidade em possibilidade, essencial é o sonho acompanhado de acção e de visão.
Regressemos agora à Máquina do Tempo, notando que enquanto para alguns cientistas o conceito de viajar no tempo é ficção, para outros, é possibilidade. Por exemplo, o físico Mário Novello explica na sua obra Máquina do Tempo como os cientistas, recorrendo à teoria da relatividade de Einstein, têm equacionado o problema.
Não importa, porém, se é ficção ou realidade, constatado que foi que mesmo sem Máquina do Tempo o que consideramos essencial é mutável e tridimensional: no Passado faz parte de memórias que saltitam e mudam com o
tempo, no Presente surge como possibilidade de actuação e no Futuro invoca algo por moldar.
E uma coisa é certa, temos hoje e agora, que podemos reger pela possibilidade do impossível, em nome do sonho. So, stay safe but continue dreaming despite the pandemic. I know I will.
Nota: A autora não escreve de acordo com o novo acordo ortográfico.
Patricia Akester é Fundadora do Gabinete de Propriedade Intelectual.