Komal Singh trabalha na Google e lançou recentemente um livro chamado “Ara, a Engenheira das Estrelas”, para mostrar aos mais jovens (e também aos pais) que o mundo da tecnologia tem espaço para todas e todos.
Komal Singh cresceu na Índia, numa família ligada à engenharia. Estudou ciências da computação e, há alguns anos, mudou-se para o Canadá, onde diz ter encontrado o “seu emprego de sonho”: trabalha na Google. Mãe de uma menina de cinco anos e de um rapaz de cerca de dois anos, foi a própria filha que fez um retrato diferente daquele que Komal pensava ser a realidade. “Só os rapazes é que podem ser engenheiros, mãe”, explicou-lhe a filha, com a naturalidade das crianças.
“Passei por muitas emoções: senti-me zangada, depois desapontada, triste… E, finalmente, a palavra que uso muitas vezes é chateada, fiquei mesmo aborrecida. Mas acho que, quando processei todas as emoções, percebi que, aos olhos de uma criança, é assim que o mundo é”, explica Singh. “As crianças são muito inteligentes a detetar padrões e gostam de encontrá-los. E se a minha filha consegue vê-los, muitas crianças conseguem”.
Komal Singh percebeu que não tinha sentido ter o seu emprego de sonho e não fazer mais com isso. “Percebi que não fazia sentido trabalhar numa das melhores empresas do mundo, fazer coisas fantásticas, se vivo num mundo em que as raparigas não acreditam que têm a habilidade para fazer este tipo de coisas”.
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Começava assim a nascer a ideia deste livro, que já foi publicado em vários países, também com o apoio da Google. Depois do choque da afirmação da filha, Komal Singh escolheu trabalhar nesta ideia do livro como um “projeto 20%”: qualquer trabalhador da Google pode usar parte do seu tempo de trabalho para dedicar-se a um projeto apaixonante, que não precisa necessariamente de estar ligado à sua área de trabalho.
“Este livro começou como o meu projeto 20% e evoluiu ao ponto de haver colegas a querer ajudar, da melhor forma que conseguissem. Alguns ajudaram com edição técnica, há um grupo na Google que trabalha em realidade virtual e eles deram uma ajuda nas experiências de realidade virtual para o livro… Há outro grupo que criou o site, outro que fez o vídeo onde é explicada a ideia do livro, por exemplo”, recorda a autora do livro. “As pessoas decidiram ajudar da melhor forma que conseguissem e foi muito interessante ver o poder da comunidade a entrar em ação”, reconhece.
Não é só neste aspeto que houve participação comunitária. O livro retrata a aventura de Ara, uma menina de seis anos que pretende desenvolver um algoritmo para poder contar todas as estrelas no céu. A tarefa não é fácil e, pelo meio, contará com a ajuda de várias mulheres ligadas ao mundo da ciência, matemática, engenharia e tecnologia, que têm correspondência com o mundo real. Afinal, foram inspiradas em trabalhadoras da Google, que vêem agora a sua profissão ser retratada em livro e traduzida para vários idiomas.
A própria Komal explica que a filha ainda não percebe bem o trabalho envolvido no livro, mas que a pequena já tem novas ambições de profissão: autora e engenheira. “Não percebe que é difícil publicar um livro, acha que isto é só um trabalho de artes manuais que fiz para ela, mas já a levei a algumas apresentações do livro, levo-a a escolas e vê as crianças a ouvir a história do livro. E isso já tem impacto nela, porque percebe que um livro pode ter influência e mudar as ideias de muitas crianças”.
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A autora explica que já recebeu desenhos de crianças inspirados no livro ou até criações de “algoritmos para alimentar um gato ou ir à escola, com todas as ações detalhadas”, diz, com um sorriso. “É bom ver que as crianças olham para o livro não só como algo de entretenimento mas também de aprendizagem”, reconhece. Mas o livro não é só para os mais pequenos, já percebeu.
“Ao início, achava que este livro era só para crianças, mas depois percebi que não, que também era para os pais. Aliás, tenho recebido muito feedback de pais, de muitas mães referem que passaram a estar mais expostas à área da programação e ao mundo tecnológico, porque leram o livro e sentiram-se inspiradas. Viram o livro e o tema como algo acessível, algo que toda a gente pode fazer, que não são precisos super-poderes para programar”.
No entanto, Komal Singh reconhece que, apesar de ser importante despertar a curiosidade para o mundo da tecnologia e engenharia, ainda há muito trabalho a fazer. “Mostrar este mundo não é suficiente, é preciso fazer muito mais, claro, mas a parte de mostrar este mundo às raparigas, despertar-lhes a curiosidade e imaginação já é um princípio. Acho que nenhum rapaz ou nenhuma rapariga deve ser pressionado a fazer aquilo que não quer, mas acho que esta é uma forma de gerar curiosidade e talvez acordar a inclinação natural para uma carreira ou área”.
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Komal Singh explica ainda que gostaria de lançar mais livros – também já a pedido de outros pais. “Quero muito lançar mais livros, para explicar questões do panorama tecnológico, abordando também as pioneiras que trabalham nessas áreas”, indicando que a inteligência artificial tem sido um dos assuntos mais pedidos, tanto por miúdos como graúdos.
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