Falámos em exclusivo com os criadores do novo jogo Pokémon em Frankfurt, na sede europeia da Nintendo. Depois da loucura de 2016, o que segue nesta nova aventura? O jogo Pokémon Let’s Go chega às lojas esta sexta-feira.
Junichi Masuda recorda com saudade os tempos em que compunha as músicas para o primeiro jogo Pokémon, antes de ser lançado em 1996, e alguém perto de si fazia pratos de arroz. “O ambiente não era bem um escritório, era mais a casa de alguém”, confidencia.
O japonês, de 50 anos, é o Sr. Pokémon em pessoa: participou na criação de todos os jogos da série até à data. Agora, enquanto diretor-geral do estúdio Game Freak, liderou o desenvolvimento do título que vai trazer pela primeira vez a popular série de videojogos até à consola Nintendo Switch.
Pokémon Let’s Go é também o primeiro grande jogo a ser lançado depois da ‘loucura’ criada por Pokémon GO, o jogo lançado em 2016 para smartphones. “Fiquei muito surpreendido com o sucesso”, adianta.
Aliás, o sucesso do jogo mobile influenciou bastante o desenvolvimento do novo título. Os produtores tentaram recriar ao máximo a experiência de utilização da app, mas em ambiente de consola e através de uma história que é conhecida de todos. A nova aventura é na realidade uma recriação moderna do jogo Pokémon Yellow, que celebra o seu 20º aniversário este ano.
Entrevistámos o lendário Junichi Masuda e também Kensaku Nabana, líder de design de mapas 3D no estúdio Game Freak, responsáveis pelo novo jogo Pokémon Let’s Go que está disponível em duas versões: Pikachu e Eevee.
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Porquê voltar atrás no tempo e recriar o Pokémon Yellow para este jogo?
Junichi Masuda: Em primeiro lugar, tivemos em conta o facto de o Pokémon GO ter tido muitos jogadores e de ter introduzido muitos jogadores ao mundo Pokémon. Mas se tiveres 12 anos ou menos, não estavas necessariamente familiarizado com esse mundo. Tivemos isso em conta, os jogadores que não tiveram a hipótese de Jogar Pokémon GO.
A segunda coisa é que a série de televisão é muito conhecida em todo mundo e é transmitida em mais de 80 países. Percebemos que houve muitas crianças a ver os desenhos animados Pokémon, viram o Ash com o Pikachu no ombro, os encontros com a Team Rocket.
Pegando nestes elementos, pensámos que era um caminho fácil para os jogadores entrarem no mundo dos jogos através de elementos familiares. O Pokémon Yellow foi a base para estes jogos, sobretudo por estas razões. Mas também porque a versão original desse jogo celebra agora 20 anos.
Outra razão para desenvolver estes jogos é que tivemos um grande foco na sala de estar, queríamos que os jogadores conhecessem estas personagens atrativas da melhor forma. Com o acessório Pokéball Plus podes atirar uma pokébola quase de verdade, conseguimos dar vida a esta possibilidade do jogo em que podes tornar-te mesmo um treinador Pokémon.
Quais foram os maiores desafios na recriação do mapa, das cidades e daquela sensação de familiaridade do jogo original?
Kensaku Nabana: Pessoalmente, joguei o Pokémon Yellow quando estava na escola primária. Considerando a forma como iríamos refazer estes jogos, fui até ao tempo em que jogava estes jogos na escola primária.
Eles eram a preto e branco, havia píxeis no ecrã LCD e eu tentei imaginar o mesmo mundo Pokémon que imaginava quando era criança e como iríamos trazer isso para o mundo dos jogos de alta resolução e definição.
O maior desafio que tive foi imaginar como trazer à vida este mundo rico no qual os Pokémon aparecem. Tentar trazer à vida o mundo que tinha imaginado na escola primária foi o maior desafio.
Existem algumas mudanças significativas no estilo de jogo, como o facto de agora veres onde estão os Pokémon [antes estavam escondidos em áreas específicas]. Porquê estas mudanças, estão a tentar tornar o jogo mais apelativo para um maior número de pessoas?
Junichi Masuda: Quando o Pokémon GO foi lançado, para muitas pessoas a ideia que tinham era a sua experiência de apanhar muitos pokémon. A experiência era mais de apanhar do que ter batalhas. Mas não quisemos apenas recriar o mecanismo simples de captura, quisemos pegar nessa simplicidade, mas melhorá-la e elevá-la a um novo patamar.
O Joy-Con [comando da Nintendo Switch] permitiu-nos redesenhar o mecanismo para apanhar os pokémon. No que diz respeito às batalhas, o menor foco neste elemento permitiu-nos introduzir elementos em que os pokémon aparecem no terreno à tua frente. Vês os pokémon a aparecer e desta forma conseguimos desenvolver o jogo mostrando o mundo pokémon de uma forma mais rica, como se os pokémon estivessem mesmo lá.
O pokémon Nidoran, por exemplo, mexe-se de forma parecida com um coelho e gastámos muito tempo nisso, em como se iria mexer e em que tipo de ambiente estaria. Estes são os elementos nos quais nos focámos.
Mas esta experiência de jogo vai ser o padrão para futuros jogos da série Pokémon?
Junichi Masuda: Estilos muito diferentes de jogabilidade podem coexistir e existe a possibilidade de os futuros jogos estarem mais em linha com a forma como os jogos principais da série têm sido até agora [sem as mudanças aplicadas em Pokémon Let’s Go].
Um exemplo de como as coisas mudaram: nos jogos Sun e Moon, por exemplo, deixou de haver as batalhas de ginásio e passou a haver outros desafios. Gostámos de experimentar coisas diferentes e desafiamo-nos desta forma.
O Junichi Masuda já trabalha no desenvolvimento de jogos Pokémon há muitos anos. Ficou surpreendido pela popularidade do jogo Pokémon GO para smartphones?
Junichi Masuda: Sim, fiquei muito surpreendido com o sucesso do Pokémon GO, sobretudo depois de ter sido lançado na América. No Japão o jogo ainda não tinha sido lançado e começámos a receber alguma pressão, porque razão ainda não tinha sido lançado no Japão? São algumas memórias fortes desses tempos.
Depois do lançamento na América, pensei que iria disparar e ser bem sucedido no Japão, e quando foi lançado de facto disparou, explodiu de forma intensa.
Mas esta nunca foi a nossa expectativa, pensávamos que iria ser divertido para os jogadores que jogaram os jogos originais, os Pokémon Red e Blue, que estavam familiarizados com as personagens, mas nunca esperamos que jogadores muito diferentes, de idades diferentes, fossem jogar. Ficámos muito contentes.
É assim que imagina o futuro dos videojogos, no qual há uma maior ligação entre jogos de smartphone e jogos de consola? [No jogo Pokémon Let’s Go é possível, por exemplo, transferir pokémon que tenham sido capturados na aplicação móvel para o jogo da consola]
A Nintendo Switch tem ligação Bluetooth, os smartphones também. Conseguimos ligar o smartphone à Nintendo Switch através desta tecnologia e também à Pokéball Plus.
A tecnologia Bluetooth permitiu esta forma simples de comunicar entre dispositivos e imagino que isto pode evoluir para formatos diferentes no futuro.
Neste jogo temos uma inspiração clara no jogo Pokémon GO. Foram buscar inspiração a outros jogos?
Junichi Masuda: Não, não fomos buscar inspirações ou ideias a outros jogos. O mecanismo de captura de Pokémon GO na realidade foi algo que desenvolvi, ajudei nesses elementos do jogo. Quando criamos estes novos jogos [Pokémon Let’s Go], foi uma questão de replicar, introduzir este estilo e melhorá-lo.
O nosso foco foi no que seria simples, no que seria divertido. Quando vês um pokémon, queres atirar uma pokébola. Como podes tornar este mecanismo mais interessante e divertido? Por exemplo, quando o tamanho do círculo de captura fica mais pequeno, muda a forma como o pokémon é apanhado.
O nosso foco foi pensar em como criar um jogo que todos pudessem jogar e fosse fácil de aprender.
É possível transferir pokémon do smartphone para a consola. Isto não vai chatear os fãs mais dedicados, no sentido em que parece um atalho para o objetivo de apanhá-los todos?
Junichi Masuda: Quanto aos fãs mais dedicados, completar o Pokédex [índice de pokémon] será uma das coisas nas quais vão focar-se. E de certa forma, não tens de conectar o jogo ao Pokémon GO do smartphone. Eu próprio sou um jogador de Pokémon GO, mas também sou um jogador dedicado.
Focámo-nos em ter o maior número de pessoas a jogar tanto quanto possível e este é um título para ser jogado na sala de estar. Com estes jogos, uma criança vai poder ter os pokémon dos seus pais ou de um outro jogador da aplicação para smartphone.
Mas os jogadores mais aficionados vão poder criar uma nova conta e jogar de uma forma mais intensa.
Kensaku Nabana: Considero-me um fã dedicado, tendo jogado todos os jogos desde a escola primária e nestes novos jogos os pokémon lendários vão aparecer e vão ser muito difíceis de apanhar. Penso que este vai ser um aspeto que vai agradar aos fãs.
Além disso, no final do jogo há uma nova tarefa chamada Master Trainer, que não estava no jogo original, no Pokémon Yellow. Todos os 151 pokémon vão ter os seus Mestre Pokémon que vão surgir no mapa de jogo.
Por exemplo, vai haver um mestre para o pokémon Squirtle. Quando encontras este mestre e o vences, recebes o título de mestre de Squirtle. Existem estas novas formas de jogar que introduzimos e conseguir ganhar aos 151 mestres vai ser algo que vai agradar aos fãs mais dedicados.
Junichi Masuda: Para vencer estes mestres, precisas de treinar o teus pokémon e eles precisam de ser fortes. Talvez este seja um dos momentos em que os jogadores vão querer trazer um pokémon da aplicação Pokémon GO.
A experiência dos jogos Pokémon tem evoluído de forma significativa ao longo dos anos e isso faz com que os jogadores esperem sempre algo mais. Tendo em conta que este novo jogo é tão interativo e de jogabilidade linear, isto vai tornar a vossa missão mais difícil para o próximo jogo?
Junichi Masuda: Sim, as expectativas das pessoas estão sempre a aumentar, sobretudo quando acrescentas novos elementos e consegues surpreendê-las. Os jogadores vão querer sempre mais: melhores gráficos, mais disto, mais daquilo. Queremos criar jogos que consigam corresponder a estas expectativas ao introduzirmos novas formas de jogar.
Mas é muito difícil cumprir as expectativas de quem jogava os jogos Pokémon Red e Blue originais e também de quem jogava jogos de consola, é uma ponte difícil de construir.
Fico muito satisfeito e contente por os jogadores poderem apreciar os novos gráficos e as novas formas de jogar.
A Nintendo Switch, enquanto peça de hardware, é muito diferente das outras consolas. De que forma é que isso influenciou o desenvolvimento do jogo?
Tirámos partido do ecrã sensível ao toque, por exemplo, através do qual podes dar mimos os teus pokémon. Depois em modo portátil, usámos o giroscópio para que possas mover a consola e só precisas de carregar num botão para atirares a pokébola.
E, claro, trazemos um jogo Pokémon até aos grandes televisores pela primeira vez.
Não é só a consola que é diferente. Os jogadores de agora são muito diferentes dos jogadores do passado. Isso influenciou a forma como pensaram e desenvolveram o jogo?
Sim. Tivemos em consideração a forma como os jogadores atualmente são diferentes, sobretudo no tempo disponível para jogar. Isto influenciou bastante o design do jogo, especialmente o tempo necessário para chegar ao final.
Um exemplo: nos jogos originais a personagem movia-se de forma lenta, na altura talvez não parecesse, mas agora quando jogas, reparas que é lento. Nestes novos jogos consegues correr de forma mais simples, podes progredir no jogo muito mais rápido.
Desenvolvemos estes jogos para que possam encaixar-se no estilo de vida da geração atual de jogadores.
Ambos já criam jogos Pokémon há muitos anos. Que memórias é que ambos guardam dos primeiros tempos?
Junichi Masuda: Os primeiros jogos foram desenvolvidos por nove pessoas. O ambiente não era bem um escritório, era mais a casa de alguém. Tenho memórias de estar a tocar a minha música preferida, tecno, e enquanto programava, alguém estava a ajudar a fazer comida, pratos de arroz. Tenho boas memórias desses anos de desenvolvimento e das amizades que criei.
Kensaku Nabana: A minha memória preferida foi quando a Game Freak refez os jogos Pokémon Ruby e Saphire, e pediram-me que desenhasse um pokémon novo. Criei o Mega Sharpedo. Tenho boas memórias de todo o processo criativo, da arte, de vê-lo no jogo e depois usá-lo em combate.
Este é um novo começo para a série de jogos Pokémon?
Kensaku Nabana: Claro que sim. Este é um novo começo, uma experiência nova, é isso que queremos passar aos jogadores.
* Parte deste artigo foi originalmente publicado na edição de outubro de 2018 da revista Insider