Salários acima da média, cursos que podem ser financiados e emprego (quase) garantido. Há cada vez mais portugueses a reprogramar a sua vida.
Por Cátia Rocha e Rui da Rocha Ferreira
Quer ganhar vinte mil euros brutos por ano? Quer ter emprego garantido e com boas perspetivas de carreira? Está disposto a mudar de vida? Se respondeu “sim” a estas questões, então aquilo que procura é um curso intensivo de programação – e em Portugal existem cada vez mais.
Saber programar não é só o futuro, é o presente. É por isso que muitos estão a deixar os seus empregos e formações universitárias para apostar tudo nestes cursos que os transformam, em poucas semanas, em programadores.
“A alta empregabilidade é uma das mais visíveis bandeiras do nosso sucesso e ronda os 96%”, diz-nos João Magalhães, diretor executivo da Academia de Código, empresa portuguesa que dá formação em programação e uma das mais antigas a operar neste segmento de mercado. O ordenado médio mensal dos formandos “ronda os 1150 euros”, garante.
Já a IronHack, uma empresa nascida em Madrid há cinco anos e que chegou a Portugal no final de 2018, também tem uma empregabilidade alta. “88% dos nossos estudantes encontram trabalho imediatamente após o bootcamp”, adianta Alvaro San Pedro, diretor-geral para o mercado português.
Isto acontece porque Portugal tem neste momento um problema de talento tecnológico: as empresas têm mais vagas do que pessoas formadas disponíveis. Parte desta tendência justifica-se com a digitalização de todos os setores de negócio, mas o grande motivo está relacionado com a chegada ao país de muitos investimentos estrangeiros de grande escala e que estão a colocar pressão no mercado de trabalho tecnológico.
“As universidades não conseguem, não têm neste momento estrutura que permita dar resposta à procura das empresas. Daí que nos tenhamos voltado para a requalificação de profissionais”, explica Aurélie Rodrigues, responsável de qualificação na tecnológica Critical Software.
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A empresa juntou-se a instituições de ensino superior para criar os seus próprios programas de reconversão profissional, como o Apostar em TI, que em fevereiro vai para a segunda edição. “Aqui no escritório do Porto somos cerca de 200 pessoas e devemos ter umas 30 ou 40 pessoas de programas de requalificação.”
Estes programas de reconversão profissional são investimentos quase garantidos: o valor dos cursos varia entre os dois mil e os seis mil euros, duram entre três e cinco meses, mas no final o ordenado garantido chega a ser três vezes superior ao ordenado mínimo nacional.
Valores cedidos ao Dinheiro Vivo pela startup de recrutamento tecnológico Landing Jobs apontam para ordenados entre 20 e 26 mil euros brutos anuais para um programador júnior front end.
E quem são estas pessoas que querem mudar de vida? “Arquitetos, engenheiros civis, mineiros, temos chefs e empregados de mesa, rececionistas, temos um advogado. Uma das pessoas está a trabalhar num banco em Lisboa, é analista financeira, está farta e quer mudar. São pessoas com passados diferentes e o denominador comum é que são inteligentes, motivados e sabem o que querem. Vai mudar a vida deles para melhor”, garante Alvaro San Pedro.
“Talento desperdiçado”
As estatísticas mostram que até 2020 serão precisos mais de 900 mil trabalhadores qualificados na área tecnológica, para fazer frente às necessidades de mercado. Se o número de licenciados que saem das universidades portuguesas nesta área não é suficiente, a reconversão está a ser a aposta de muitas empresas. A Academia de Código já formou mais de 450 pessoas, “mentes maravilhosas sem qualquer conhecimento prévio de programação”, explica João Magalhães. “Acreditamos que existe por aí muito talento desperdiçado (no desemprego ou em dead-end jobs) e orgulhamo-nos de o saber encontrar, potenciar e alocar de forma bem-sucedida”, explica.
Os programadores fullstack juniores que saem dos bootcamps da Academia podem ser integrados em 50 empresas ligadas à tecnologia. Na lista de parceiros contam-se nomes como a Agap2IT, Everis, Glintt, Altran, Bring Global ou a Novabase e Celfocus, por exemplo.
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Segundo os dados da Academia de Código, há uma nova tendência de procura. “Sente-se uma crescente demanda por programadores versados em OutSystems”, explica o CEO da Academia, referindo-se à plataforma de low-code para desenvolvimento rápido de aplicações, criada pela portuguesa OutSystems. “No que toca ao back-end, Java – bem como todas as linguagens relacionadas -, são claramente as mais procuradas pelas empresas que nos contactam. No front-end, o JavaScript continua a dominar as ofertas”.
O perfil académico dos alunos da reconversão pode ser diversificado, mas a percentagem de mulheres a ingressar neste mundo está aquém do desejado. “A percentagem de mulheres graduadas nos nossos bootcamps ronda os 30%.”
O valores da Academia de Código estão ligeiramente acima dos números citados pelo francês Matt Delac, engenheiro de profissão. Em 2017, chegou a Lisboa, depois de um período nos Estados Unidos. “Estava a olhar para dados e percebi que não havia muitas mulheres que soubessem programar”, acrescentando que haverá entre “20% e 25% de mulheres na indústria”. Matt sabia que queria ensinar código. “Pensei: se vou ensinar código, vou ensiná-lo só a mulheres”, na tentativa de aumentar o número de programadoras. Nascia assim a SheCodes, com workshops de programação só para mulheres, com cursos de cem euros, de curta duração. Se tudo começou em Lisboa, os workshops da SheCodes também já chegaram ao Porto. O objetivo deste ano está traçado: formar mil mulheres.
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O professor diz que não consegue ter registos dos percursos que as ex-alunas fazem depois dos workshops, mas diz ter noção de que, em alguns casos, é um princípio para mudar de profissão. “Tentam depois ingressar em algo mais avançado, como a SheCodes Plus ou uma licenciatura na universidade. Há também grávidas que aproveitam a licença para aprender a programar e depois arranjam trabalho na área”, exemplifica.
Há quem queira expandir o caminho no mundo da tecnologia, depois de lhe ganhar o gosto, com o programa SheCodes Plus. “O objetivo aqui é que possam tornar-se profissionais e trabalhar para empresas tecnológicas, algumas holandesas ou britânicas”, com uma formação com duas aulas semanais, ao longo de seis semanas. E, segundo Matt, há procura para esta modalidade avançada, que está limitada a dez pessoas por workshop.
“Como esta [versão] está sempre esgotada, tenho de fazer algumas entrevistas antes de arrancar o curso, para perceber quais são as melhores candidatas.” Matt Delac criou a SheCodes como um passatempo, mas isso pode estar prestes a mudar graças ao interesse que parece não querer abrandar. “Está a transformar-se numa empresa, quando antes era um hobby.”
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