Esta terça-feira o Parlamento Europeu votou a favor da proposta da reforma de direitos de autor, válida para a União Europeia. Afinal, o que é que representa esta aprovação e o que é que pode acontecer daqui para a frente?
O que é?
Há mais de dois anos que se discute uma proposta de alterações aos direitos de autor na União Europeia. A proposta atual pertence ao eurodeputado alemão Axel Voss, com uma extensão de 150 páginas de artigos que se propõem a criar um “mercado único digital”. Esta diretiva (um conjunto de normas e práticas que ainda precisará de ser transposta para a legislação de cada Estado-Membro) tem como objetivo a substituição das diretivas do Conselho Europeu, datadas de 1996 e 2001.
Ao longo do tempo, têm sido várias as associações, instituições e vozes individuais que se pronunciaram relativamente a esta proposta, que já é discutida desde 2016. A discussão tem sido longa e tem-se focado principalmente em dois artigos: o Artigo 11 e 13.
O que são os Artigos 11 e 13 (mais recentemente, 15 e 17, respetivamente)?
Em linhas muito gerais, o Artigo 11, conhecido como o artigo ‘taxa do link’, está a suscitar questões, ainda para mais tendo uma “interpretação muito difícil, até para especialistas”, dizia à Insider a Associação D3, em dezembro do ano passado.
O texto original do artigo 13 na proposta de diretiva refere que “os prestadores de serviços da sociedade da informação que armazenam e facultam ao público acesso a grandes quantidades de obras ou outro material protegido carregados pelos seus utilizadores devem, em cooperação com os titulares de direitos, adotar medidas que assegurem o funcionamento dos acordos celebrados com os titulares de direitos relativos à utilização das suas obras ou outro material protegido ou que impeçam a colocação à disposição nos seus serviços de obras ou outro material protegido identificados pelos titulares de direitos através da cooperação com os prestadores de serviços”.
Este artigo menciona ainda o “uso de tecnologias efetivas de reconhecimento de conteúdos, que devem ser adequadas e proporcionadas”. Na proposta mais recente, o artigo 13 passou a figurar na lista como artigo 17, figurando no Capítulo 2 da proposta.
Ao longo do tempo, uma petição chamada “Stop the censorship-machinery! Save the Internet!”, em tradução livre “Parem a máquina de censura, salvem a Internet”, disponível online no site Change.org reuniu mais de cinco milhões de assinaturas, além de manifestações em várias cidades europeias. Mesmo após a votação de hoje, o número de assinaturas para a petição continua a aumentar.
Onde é possível consultar a proposta?
A proposta de reforma pode ser consultada online e em português, no site do Parlamento Europeu, em toda a sua extensão.
O que representa a luz verde nesta votação?
Com 348 votos a favor, o Parlamento Europeu deu luz verde a esta proposta. Para alguns é descrita como “um dia negro para Internet”, para outros trata-se de “um passo em frente na proteção dos direitos de autor”. A eurodeputada Julia Reda tem sido uma das vozes se mostrou contra esta polémica proposta, situando-se no primeiro grupo. Durante o momento de votação, apanhada pelas câmaras do Parlamento Europeu, juntou ao seu voto um gesto simbólico de desaprovação à votação. 274 eurodeputados mostraram-se contra a proposta – uma diferença de 74 votos.
Também foi votada a possibilidade de fazer alterações individuais a artigos específicos. Esta hipótese foi rejeitada por uma diferença de apenas cinco votos.
Como votaram os eurodeputados portugueses?
Após a votação, é habitualmente divulgada a listagem das opções tomadas por cada membro do Parlamento Europeu. Dos 21 representantes portugueses, dominaram os votos a favor da aprovação desta proposta.
Só Ana Gomes (PS), João Ferreira, João Lopes Pimenta, Miguel Viegas (PCP) e Marisa Matias (BE) se pronunciaram contra esta reforma. Maria João Rodrigues (PS) foi a única representante portuguesa que não se pronunciou nesta votação. Todos os restantes eurodeputados portugueses se pronunciaram a favor desta reforma.
As posições não sofreram grandes alterações quando a questão se refere à possibilidade de emendas individuais à proposta de diretiva de reforma de direitos de autor.
O que acontece agora?
Esta votação foi a última fase no que à instituição do Parlamento Europeu diz respeito. Ainda há mais um passo: esta proposta “ainda tem de ir a Conselho Europeu, onde pode haver uma maioria de bloqueio”, refere Eduardo Santos, da Associação D3, que explica ainda que “se trata de uma hipótese praticamente académica”.
Após esta aprovação, cada Estado-Membro precisará de transpor a diretiva para a sua própria legislação. Neste ponto, o representante da Associação D3 refere que “cada país é livre de criar as excepções que entender” durante o momento de transposição.
Já Manuel Lopes Rocha, sócio da PLMJ Advogados, refere que se trata de uma “unificação dos direitos de autor na União Europeia”, mas que também é necessário “ter tribunais especializados para estas matérias”.
“O Estado português tem de investir na preparação tecnológica e jurídica”, reforça o advogado da PLMJ, que aponta que “se a tecnologia mudou os outros setores também têm de avançar”. “É um mundo relativamente diferente aquele em que hoje entrámos”, explica.
“Vamos ter de esperar para ver quais as implementações práticas disto. Aquilo que antecipamos é que as plataformas, como podem ser responsabilidades pelos conteúdos publicados vão restringir através de condições e termos aquilo que pode ser colocado na rede”, explica Eduardo Santos, da D3, sobre aquilo que pode acontecer daqui para a frente. Esta é uma das mudanças do artigo 13 (agora 17), que aponta que, de agora em diante, também as plataformas onde estão os conteúdos possam ser responsabilizadas.
Na visão de Eduardo Santos, se por um lado passará a haver uma responsabilização para empresas como a Google, por exemplo, a outra face da moeda também poderá reforçar a posição da tecnológica norte-americana. “O Content ID custou à Google cem milhões de dólares”, explica, acrescentando que a tecnológica “fica numa posição invejável, pois o novo standard pertence-lhe. Pode acontecer que a Google venda esse serviço a terceiros”, explica.
De acordo com a Google, o Content ID é uma ferramenta que permite aos proprietários de direitos de autor utilizar um sistema para identificar e gerir facilmente o respetivo conteúdo no YouTube. Os vídeos carregados para o YouTube são comparados com uma base de dados de ficheiros enviados por proprietários de conteúdo.
Quem é que já reagiu?
As hashtags relacionadas com este tema têm dominado as conversas em redes sociais como o Twitter. Multiplicam-se as reações e dúvidas sobre aquilo que ainda pode acontecer no mundo dos direitos de autor.
Poucos minutos após a votação, a eurodeputada Julia Reda mostrava o seu pesar pela votação.
Também a eurodeputada portuguesa Marisa Matias contestou a decisão final, também através do Twitter.
No Twitter, Andrus Ansip, vice-presidente da Comissão Europeia afirmava que a diretiva “é um grande passo em frente” no que toca aos direitos de autor. No ecrã, era possível ver a contagem final da votação.
A Google, que tem sido uma voz crítica desta reforma, também reagiu, referindo que esta reforma de direitos de autor “vai continuar a gerar incerteza jurídica”.
Direitos de autor: Parlamento Europeu dá luz verde a polémico artigo 13