«A noção de que as empresas farmacêuticas deviam ter liberdade para determinar preços durante uma pandemia internacional é imoral e perigosa», disse recentemente o deputado norte-americano Jan Schakowsky que havia estado à frente de uma campanha que havia tentado garantir, sem sucesso, que o tratamento do Coronavírus COVID-19 (a ser desenvolvido com financiamento federal de emergência montando a 8,3 mil milhões de USD) fosse alvo de um preço justo e acessível a todos independentemente da respectiva capacidade financeira.
Esta e muitas outras questões ligadas à vacina/cura do COVID-19 invocam os direitos emergentes no âmbito da propriedade intelectual. Senão vejamos.
Anunciou a Organização Mundial da Saúde (OMS) que o Remdesivir, um medicamento desenvolvido pela Gilead para o tratamento do ebola pode vir a revelar-se eficaz na cura do COVID-19, bem como, segundo o governo japonês, um modesto medicamento desenvolvido pela Fujifilm para o tratamento da gripe e entretanto, várias empresas farmacêuticas, como a GlaxoSmithKline e a Sanofi, andam a tentar desenvolver, a ritmo frenético, vacinas que impeçam a propagação do vírus.
O denominador comum a tais esforços por parte da indústria farmacêutica reside no facto de que todas as empresas em causa já têm ou irão naturalmente reivindicar patentes relativas às inovadoras soluções alcançadas (ou a serem alcançadas).
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E o que é uma patente? Uma patente é um direito exclusivo (de propriedade intelectual) que se obtém em relação a uma invenção, isto é, uma nova solução para um problema técnico específico. Uma patente concede ao titular o direito exclusivo de produzir e comercializar uma invenção e de impedir que terceiros, sem sua autorização, apliquem ou explorem os métodos ou processos
protegidos. O exclusivo é atribuído por um período de 20 anos a partir do pedido de registo, sendo que em Portugal a violação do exclusivo da patente pode levar a uma pena de prisão.
A atribuição de elevada protecção às patentes associadas a medicamentos deve-se ao investimento requerido para a investigação e desenvolvimento desses medicamentos – investimento esse vultuoso, moroso e repleto de riscos.
E note-se que tal tutela faz, em circunstâncias normais, pleno sentido.
No entanto, no âmbito de uma crise global que acabou de ser classificada pela Organização Mundial de Saúde como uma pandemia mundial, há que rever e adaptar. Tendo em vista os riscos e os danos causados pelo vírus pelo mundo fora, justifica-se o ajuste casuístico do modelo de protecção em nome do interesse público.
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Uma hipótese traduz-se no uso de licenças compulsórias relativas às patentes relevantes a troco de um montante fixo, outra solução ainda consiste na concessão de um prémio de montante também pré-determinado em função da descoberta de vacina/cura para o vírus.
Crucial, todavia, é garantir que a propriedade intelectual desempenha aqui devidamente a sua dupla função: estimulando, por um lado, o desenvolvimento da ciência e da tecnologia ao recompensar a invenção e, por outro lado, beneficiando a sociedade ao facilitar o acesso aos medicamentos resultantes de tal actividade inventiva quando esses medicamentos se revelam fundamentais para perseverar a vida humana.
Ou seja, embora a atribuição de patentes seja inegavelmente um impulsionador da investigação e do desenvolvimento levados a cabo, de forma louvável, pela indústria farmacêutica, no grave contexto que hoje vivemos se surgir vacina/cura para o COVID-19 urge, antes de mais, garantir o acesso às mesmas.
Em tempos de crise, a vida humana toma primazia, sendo necessário que a invenção seja razoavelmente recompensada, mas que se encontre, também, facilmente disponível.
Patrícia Akester é fundadora do Gabinete de Propriedade Intelectual.
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