Made by IA: China segue solução Naruto

A criação efectuada por um sistema de IA tem direito a protecção? Podemos qualificar um sistema de IA como autor? E a quem pertencem os direitos e proventos emergentes?

Referi no meu último artigo que recentemente, pela primeira vez, uma pintura gerada inteiramente por um sistema de Inteligência Artificial (IA) foi vendida através da famosa Christie’s pelo montante de 432500 dólares. A tela em questão, intitulada Edmond de Belamy, foi executada por meio de algoritmos denominados Generative Adversarial Networks (que também geram música e texto) com base em 15.000 obras de arte do século XIV ao século XX previamente inseridas no sistema de IA. Com base nesses dados, o referido sistema gerou onze imagens, entre as quais a que foi vendida pela Christie’s.

Estes factos levantam sérias questões em sede de direito: A criação efectuada por um sistema de IA tem direito a protecção? Podemos qualificar um sistema de IA como autor? E a quem pertencem os direitos e proventos emergentes?

Até hoje os tribunais pouco se debruçaram sobre estes temas, impondo-se, pois, realçar a posição que um Tribunal de Pequim acabou de tomar no âmbito do processo Feilin/Baidu, no qual o dito tribunal teve de determinar se um relatório parcialmente gerado por IA merecia protecção.

Concluiu o tribunal chinês que a lei chinesa não tutela a produção gerada por um sistema de IA (mas apenas a criação humana), que o agente/sistema inteligente não é criador intelectual/autor (mas somente máquina) e que o programador dos mecanismos ou software subjacentes ao sistema de IA também não pode ser considerado como autor da criação de um sistema de IA (porque criou o software e não tal produção).

Na Europa Continental que assenta o direito de autor na figura romântica do autor presume-se que a conclusão seja similar: não sendo a criação humana, mas ex machina, não haverá protecção, nem autor, nem direitos, nem proventos.

Já em países do Commonwealth que têm por base uma visão utilitária do direito de autor a reacção dos tribunais pode ser bem diferente. No Reino Unido, por exemplo, a lei determina que quem executa os preparativos necessários para a criação de uma obra através de um computador (computer generated work) tem direito a tutela, a direitos e, consequentemente, aos benefícios económicos daí advenientes.

Todavia, nos Estados Unidos não parece que um sistema de IA possa ser visto como autor nem deter direitos. Lembremos, aqui, a saga de Naruto, o curioso macaco que tirou uma selfie com a máquina fotográfica de um cidadão inglês na Indonésia. O tribunal norte-americano a quem coube decidir o pleito emergente decidiu pela ausência de protecção, autor ou direitos. Porquê? Porque a fotografia não havia sido tirada por um ser humano.

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Esta e outras questões exigem resposta clara, um clima de certeza jurídica: quem investe em IA tem direito a tutela jurídica e económica sob pena de ver anulada a vontade de executar esse investimento.

Como tal, na União Europeia, a Comissão sugeriu a criação de um novo direito em dados gerados por máquinas, direito esse a ser atribuído ao produtor de dados e conferindo um exclusivo na utilização desses dados, incluindo o direito de licenciar o seu uso e de impedir a sua utilização, sem autorização, por terceiros. Pretende a Comissão que a concessão dessa protecção funcione como um incentivo económico a montante ou a jusante da produção de dados. O contra-argumento reside no facto de que sob o ponto de vista do interesse público o estabelecimento de monopólios relativos a dados pode bloquear o acesso ou a utilização desses dados em detrimento da inovação.

Solução mais vantajosa poderá assentar na tutela através do direito de autor desde que esteja presente uma componente humana no processo criativo.

A protecção via direito de autor garantirá a emergência das vantagens patrimoniais resultantes da exploração da obra, ou seja, assegurará direitos e proventos no contexto «Made by IA». E uma vez que a outorga do direito de autor é sempre acompanhada de certas restrições ao direito de explorar a obra, com vista a facilitar o acesso à educação, à cultura e ao conhecimento, não se travará o progresso.

É mesmo verdade: o direito de autor concede direitos e proventos mas simultaneamente (i) salvaguarda os direitos do indivíduo (autorizando, por exemplo, a reprodução para uso privado e não comercial), (ii) tutela interesses de cariz comercial (permitindo, por exemplo, a descompilação de programas de computador para efeitos de interoperabilidade) e (iii) promove a disseminação da informação e do conhecimento para o bem comum (consentindo, por exemplo, que certas entidades, como bibliotecas, arquivos, museus e estabelecimentos de ensino executem certos actos).

Tutelar «Made by IA» através do direito de autor desde que esteja presente uma componente humana no processo criativo, garantirá direitos e lucros quando a produção se deva em parte à IA sem travar a inovação e o progresso. Difícil é decidir qual o nível de envolvimento humano requerido para a concessão de um privilégio em sede de direito de autor. Penoso é, por ora, navegar, sem hesitação, o novo mundo da IA…

Patricia Akester é Fundadora do Gabinete de Propriedade Intelectual.

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