Nunca um jogo faturou tanto num único ano. Portugueses também estão rendidos e há quem ganhe a vida a jogar Fortnite.
De manhã vai ao ginásio, ao início da tarde cria conteúdo para o Instagram e YouTube, mas é a partir das 16 horas que veste a ‘farda’ para ir trabalhar. Sérgio Mendes tem 23 anos e é um streamer profissional, isto é, ganha a vida a fazer transmissões das suas sessões de jogos. Do outro lado tem mais de 50 mil seguidores à sua espera.
Desde o final de 2017 que se dedica a jogar Fortnite, oito horas por dia. Apesar de não revelar quanto ganha por mês com esta atividade, ‘TaDeNight’, como é conhecido no mundo digital, diz que “é bem acima do ordenado mínimo”.
“Não gosto muito de divulgar, nunca o fiz, mas quando me perguntam isso, posso dizer que consigo fazer muito mais do que alguma vez imaginei fazer enquanto streamer”, começou por dizer o jogador da equipa For The Win. “Dá-me muito bem para viver no mês. Até porque além dos subscritores, ainda tenho as doações, pessoas que gostam de me apoiar”.
Dados apurados pelo Dinheiro Vivo apontam para que Sérgio Mendes consiga faturar perto de 700 euros por mês, apenas e só com a receita das subscrições.
Leia também | Ninja, o jogador que já ganhou 10 milhões com o Fortnite
O exemplo do jovem de Torres Vedras é uma gota no verdadeiro fenómeno económico no qual o Fortnite se transformou. Nunca um jogo tinha faturado tanto num único ano à escala global: o equivalente a 2,1 mil milhões de euros, em 2018, segundo dados da empresa de análise SuperData.
O número ganha mais relevância sabendo que Fortnite: Battle Royale é gratuito (há uma outra versão do jogo que é paga, mas não tem tanto sucesso).
Ao estar disponível para computadores, consolas e smartphones conseguiu criar uma base de 200 milhões de jogadores em todo o mundo, oito dos quais já estiveram a jogar em simultâneo.
“A competitividade, a enorme interação e socialização entre jogadores que o jogo promove, e também o facto de ser free-to-play, terão tido uma influência determinante no sucesso de Fortnite”, explica Tiago Sousa, da Associação de Empresas Produtoras e Distribuidoras de Videojogos (AEPDV).
Leia também | Battle Royale. O fenómeno dos jogos
O especialista garante que “a popularidade dos videojogos em Portugal não difere da realidade presente nos restantes países europeus, pelo que o fenómeno do Fortnite também goza de elevado sucesso por cá”.
Dados cedidos ao Dinheiro Vivo pela plataforma de analítica em aplicações móveis App Annie revelam que no início de janeiro o jogo era o quinto mais descarregado por utilizadores do iPhone e iPad em Portugal. Na mesma altura o jogo ocupava o terceiro lugar entre os títulos que mais receitas geravam na loja da Apple.
Os dados relativos ao sistema operativo Android são mais difíceis de apurar porque a produtora do jogo, a Epic Games, decidiu não distribui-lo através da loja de aplicações oficial do sistema operativo.
“Ao ser gratuito permite que o jogo conquiste uma maior base de utilizadores já que não há uma barreira de entrada. Depois, a empresa pode tirar partido de microtransições na forma de compras dentro da aplicação para enriquecer a experiência do utilizador e melhorar a jogabilidade. Isto provou ser extremamente bem-sucedido”, sublinhou Lexi Sydow, gestora de informações de mercado da App Annie, em resposta por email.
Leia também | Epic Games criou o jogo do ano. O resultado? Lucros de 3 mil milhões
Os jogadores de Fortnite podem comprar V-Bucks (o dinheiro digital que permite fazer compras no jogo) e com esta moeda comprar fatos, acessórios como picaretas, e danças. Mais: nenhum destes elementos dá vantagem competitiva, são meramente cosmético – e que até tem levado à criação de um mercado paralelo.
“Basta ver quantas pessoas conseguem hoje fazer o Floss (movimento de dança popularizado no Fortnite) para se perceber o seu nivel de notoriedade sobretudo até junto de quem não joga Fortnite. Tornou-se num elemento destacado da cultura popular atual”, sublinhou o porta voz da (AEPDV).
Perante tamanho sucesso, há empresas que investem para estar junto do público que segue Fortnite com atenção. Em Portugal, a Samsung deu o tiro de partida ao organizar um torneio jogado exclusivamente em smartphones e que percorreu o país de norte a sul.
“Quisemos alcançar e manter uma posição estratégica naquelas que são as grandes tendências do mercado eletrónico. O gaming é um mercado a emergir a elevada velocidade e no qual quisemos manter uma aposta constante e diferenciadora”, explicou Nuno Parreira, diretor de telecomunicações da Samsung Portugal. “Não faria sentido apostar no mercado do gaming sem um investimento naquele que é o jogo do momento”.
O responsável acrescentou ainda: “As últimas informações a que tivemos acesso mostram que o mercado do gaming em Portugal apresenta uma taxa de crescimento anual de 8%. Como tal, acreditamos que o mercado nacional esteja a par com a tendência internacional e que isso represente um forte interesse no jogo Fortnite”.
Um jogo que valeu uma guerra com a Google
A Epic Games tomou uma posição forte em agosto do ano passado: o jogo sobre o qual todos falavam não iria estar disponível na loja do maior sistema operativo móvel do mundo.
A explicação dada na altura por Tim Sweeney, diretor executivo da empresa, foi simples – não queria dividir as receitas com a Google. A tecnológica fica com uma fatia de 30% de todas as transações geradas através da Play Store.
“É uma taxa muito elevada num mundo em que os 70% dos programadores têm de cobrir as despesas de desenvolvimento, de operação e de suporte aos jogos”, disse o CEO.
“A maioria das editoras vai continuar a distribuir através das lojas de aplicações oficiais, pois é conveniente para os utilizadores. (…) Ter transações fora destas lojas talvez só funcione para as maiores marcas e pode não compensar”, considera por sua vez Lexi Sydow.
O sucesso sem precedentes do jogo e polémicas como esta ajudam a justificar a grande atenção mediática que Fortnite tem recebido. Dados cedidos ao Dinheiro Vivo pela empresa de análise Cision revelam que em Portugal, só em 2018, o jogo gerou 3254 notícias – um crescimento considerável face às 139 notícias registadas em 2017, ano de lançamento do Fortnite.
Fortnite para Android. Um pesadelo da segurança a caminho dos smartphones?