“Pandemia pode tornar-se no melhor que podia ter acontecido à humanidade”

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Jonathan Haidt, autor e investigador em psicologia social, faz uma análise histórica-social sobre o que pode (e deve) mudar para melhor na sociedade devido à pandemia com a valorização da ciência e na obtenção de armas fulcrais para combater o bioterrorismo que “será um dos maiores desafios dos próximos anos”.

Numa altura de mudanças profundas na sociedade em que vivemos – alterações que outrora pareciam empurradas pela era digital e pela evolução tecnológica e agora partilham o palco com a crise urgente de pandemia que assola o planeta -, surgem opiniões fortes sobre o que muda na sociedade e na economia nos tempos vindouros.

A semana passada um autor e investigador na área da psicologia social da Universidade de Nova Iorque, explicava num podcast do empreendedor Scott Galloway como será o mundo como o conhecemos numa sociedade pós-covid-19. Jonathan Haidt, autor, entre outros, de The Happiness Hypothesis: Finding Modern Truth in Ancient Wisdom, admitia mesmo que esta pandemia poderia tornar-se na melhor coisas a acontecer à sociedade do século XXI. “Um dos lados menos maus que encontro aqui é que: a pandemia do Covid-19 pode tornar-se na melhor coisa que nos acontece como sociedade no século XXI”. O motivo? “Porque haver esta pandemia agora reduz em muito as hipóteses de uma catástrofe a nível planetário no futuro de uma pandemia mais mortífera que esta – que é provável que aconteça”.

Covid-19 pode ser uma vacina da humanidade para uma visão coletiva do planeta”

O investigador analisa depois os fenómenos que podem “acabar com a humanidade”. “Desde uma praga que pode matar ainda mais gente, ou mesmo todos os humanas, que pode aparecer em 10 ou 20 anos e se isto não tivesse acontecido não estaríamos tão preparados e atentos”. A aprendizagem que a humanidade do século XXI e da era digital pode tirar da pandemia, “inclusive no lado económico”, “é inédita”.

Scott Galloway, também ele um professor da Universidade de Nova Iorque, resume a análise de Haidt de que a pandemia “pode ser uma vacina da humanidade para uma visão mais coletiva do planeta”, bem como “reavivar os ideias de capitalismo versus coletivismo”. Vai ficar exposto a nível económico e social que muitas instituições falharam pela ganância e aquelas instituições que nos podem ajudar, como as ligadas à saúde e até ciência, não têm o dinheiro que deviam ter contra os orçamentos milionários da defesa”.

Ambos admitem que, no fim de contas, a autoridade de saúde dos EUA poderia ter orçamento perto ou maior do que o militar, “já que os vírus matam mais do que as guerras”. Haidt analisou fenómenos históricos para chegar à conclusão: “vemos nesta altura alguns dos defeitos conhecidos das democracias, são más a governar ou planear por antecipação”.

“São governadas pelo povo, o demos, que de forma geral, não é bom a lidar com as probabilidades porque prefere sempre impostos baixos ou benefícios. As democracias tendem a só ficar mais ativas após uma crise, são mais guiadas pela reação enquanto o governo chinês como governo autoritário tem muitos centros de liderança e o partido é sempre responsabilizado pelo que acontece depois e estruturalmente podem planear com mais antecedência do que vemos nos EUA”.

Jonathan Haidt numa conferência

No entanto, Haidt vê uma vantagem clara nas democracias, já que “podem chegar mais tarde a eventos destes mas têm mais flexibilidade e criatividade”: “por isso, quando reagimos, podemos ser muito criativos”.

O investigador acaba por elogiar também o pensamento do cientista russo-americano Peter Turchin – especializado na evolução cultural, matemática a estatística das sociedades -, admitindo que os modelos matemáticos do responsável do Instituto da Evolução já previam uma pandemia para esta altura há mais de uma década.

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Outra preocupação evidenciada por Haidt fez parte da conferência TED do ano passado, apesar de não ter tido grande impacto mediático na altura – “como a conferência de Bill Gates em 2015 sobre a pandemia também não teve”. O bioterrorismo foi um dos temas falados o ano passado “e é assustador”.

“Já existem pessoas que tentam, usando tecnologias e biotecnologia atual, matar o máximo de gente possível”. O especialista lembra que nessa mesma conferência TED de 2019 falou-se numa evolução tecnológica que pode e deve preocupar o mundo: “em breve qualquer um pode mexer nas sequências genéticas e fazer as bactérias que quiser”. Daí que admita que “o conhecimento de enfrentar um super vírus atual podem ajudar mais do que podemos imaginar a enfrentar ameaças graves como o bioterrorismo”.

Egoísmo inicial deve dar lugar ao sentimento de cooperação

Jonathan Haidt admite a ferramenta mental que é o cérebro humano, desde há milhares de anos que tem tendência a se unir a outros humanos em caso de ataque. “Se alguém nos ataca respondemos juntos, temos visto ao longo da história e mais recentemente, nos EUA, vimos isso no 11 de Setembro, mas não temos isso agora”. Isto porque “não vemos o que nos está a atacar”, neste caso o vírus. E o que se cria é o “nojo ou medo de contágio” para evitar o vírus, o que ativa um sistema imunológico de comportamento para nos manter longe de outras pessoas e separadas: “e assim se cria, por exemplo, o ódio irracional aos asiáticos”.

Além disso, “quando há falta de mantimentos ou a sensação que podem escassear, ficamos egoístas, ao estilo leão, em modo sobrevivência: guardar e atacar”. No entanto, o investigador em psicologia social admite que “as coisas parecem feias em tempo de isolamento mas vão melhorando”.

Haidt lembra mesmo: “esta não é uma altura de isolamento social, mas sim de isolamento físico daí que devamos aumentar a proximidade social até por isso!”.

Como exemplo, Haidt e Galloway admitem que a tecnologia (por videoconferência) tem permitido quem está em casa “rever amigos de longa data com quem não falava há décadas e reativar ligações antigas fortes”. E Haidt diz mesmo: “usem videoconferência, é bem mais próximo do que teclar com alguém”.

Haidt lembra que parte do sucesso do ser humano como espécie no planeta Terra é precisamente a cooperação. “Espécies que cooperam são mais bem sucedidas. Das abelhas aos humanos. Quando os humanos decidem colaborar há grandes benefícios e, espero, que se possa ver isso mesmo nesta fase e que isso se possa estender pelo planeta”. Isto apesar de admitir que estávamos “numa altura em que tínhamos uma administração nos EUA e não só mais pronta a incentivar o nacionalismo e afastar-se da cooperação”. “Isto pode ser o catalisador a nos aturarmos como equipa”.

Nesse contexto, Haidt e Galloway falam na felicidade humana tanto em termos sociais como económicos (de ocupação), um dos temas de investigação de Haidt.

“A felicidade humana ao contrário do que muitos pensam não vem de ter o que queremos, nem nos chega apenas de dentro de nós. Somos felizes por ter as relações certas entre nós e os outros, entre nós e o trabalho (ou aquilo em que ocupamos o tempo) e entre nós e algo maior do que nós mesmos”. “Temos de dar um sentido à nossa vida. Se sentirmos que nós mesmos e o nosso trabalho tem algum significado ou significa algo para alguém. Ter estes três fatores satisfeitos é estar tão feliz quando podemos ser”.

“Façam uma auditoria pessoal em tempos de isolamento”

O especialista deixa alguns alguns conselhos algo filosóficos mas também económicos para os milhões em quarentena ou isolamento por todo o mundo que resumimos assim:

  • Façam uma auditoria pessoal;
  • Pensem como vão as vossas relações sociais e de trabalho;
  • Liguem-se o mais possível a outros – especialmente por vídeo ou voz e não tanto por escrito;
  • Aproveitem para pensar no que podem fazer produtivo em casa mesmo em casos de não conseguirem trabalhar de casa;
  • Arrumem ou organizem o vosso lar e organizem a vossa vida;
  • Façam algo em que vejam progresso – somos mais motivados em ver progresso nas coisas do que chegar a um destino propriamente”

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