Trump junta Facebook, Twitter e Google em guerra contra “censura na internet”

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Gerd Altmann / Pixabay

Num espaço de poucas horas o mundo das redes sociais e da internet como a conhecemos parece ter ficado, para já apenas em palavras de responsáveis ao mais alto nível e numa possível lei, de pernas para o ar. Ontem à noite Donald Trump assinou uma ordem executiva com o objetivo de repensar uma lei de 1996 – “Communications Decency Act” (Lei da Decência nas Comunicações) – que tem uma área que tem oferecido aos gigantes tecnológicos (Facebook, Twitter, YouTube, Google) proteção contra processos judiciais ligados aos conteúdos publicados por terceiros e pode, assim, ficar em causa.

Depois de se ter posto, na quarta-feira à noite, ao lado de Donald Trump na disputa que ele começou com o Twitter – indicando que o Twitter, tal como o Facebook, não devem ser “árbitros da verdade”, ou seja, não devem colocar qualquer indicação em posts de políticos -, Mark Zuckerberg está contra a ordem executiva de Trump.

O Facebook, em comunicado, respondeu à ordem que visa impor novas restrições às empresas de redes sociais, explicando que as tentativas para limitar ou alterar a tal Secção 230 da lei de 1996 – considerada a lei mais importante da internet mundial – “só vão levar a mais censura de conteúdos” nas redes sociais.

“Acreditamos na proteção da liberdade de expressão nos nossos serviços, enquanto protegemos a comunidade de conteúdo nocivo, incluindo conteúdo criado para impedir que os eleitores exerçam o seu direito de voto e essas regras aplicam-se a todos. A revogação ou limitação da Secção 230 terá o efeito oposto. Vai restringir ainda mais os discursos online, não menos.

“Ao expor as empresas à responsabilidade potencial sobre tudo o que dizem vários mil milhões de pessoas em todo o mundo, vamos estar a penalizar aquelas empresas que optarem por permitir discursos controversos e iremos estar a incentivar as plataformas a censurar qualquer coisa que pudesse ofender alguém.” Zuckerberg também já tinha dito que limitar a tal parte da lei que protege empresas como o Facebook “não é o reflexo certo porque será combater censura com mais censura”.

Lembrando a sequência de acontecimentos:

Terça-feira, 26 março 2020. O Twitter assinala pela primeira vez duas mensagens do presidente dos EUA, colocando em dois tweets um link de “verificação de factos” por baixo – que dá acesso a uma notícia da CNN -, por considerar “infundadas” e “potencialmente enganadoras” as afirmações. Trump colocou em causa o voto por correspondência usado no país – que apelidou de fraudulento. A empresa e o seu CEO, Jack Dorsey, explicou que se trata de um esforço de aumentar as políticas de integridade cívica da empresa.

A reação da Trump foi avassaladora e repleta de mensagens inflamadas, em algumas delas nomeou alguns funcionários do Twitter responsáveis pela parte de implementação das medidas da empresa – algo que Jack Dorsey lamentou. “Estão a interferir nas eleições presidenciais”; “o Twitter está a minar a liberdade de expressão e eu, como presidente, não vou permitir que isto aconteça”. Os tweets de Trump continuaram terça, quarta e quinta-feira.

Quinta-feira, 28 maio 2020. O presidente dos EUA assinou uma ordem executiva com contornos ainda por esclarecer e que até pode bater na Constituição do país. “Um pequeno número de monopólios das redes social controla uma grande parte de todas as comunicações públicas e privadas nos Estados Unidos”, diz Trump, numa afirmação que já foi dita por alguns candidatos democratas às presidenciais – mas com objetivos finais bem diferentes dos de Trump.

“Têm tido um poder incontrolável de censurar, restringir, editar, moldar, ocultar, alterar praticamente qualquer forma de comunicação entre cidadãos particulares e grandes audiências públicas”. Agora a ordem quer “alterar ou remover” a Secção 230 da Lei de Decência das Comunicações de 1996, que os juristas têm descrito como “as 26 palavras que criaram a internet”.

O procurador-geral William Barr ficou encarregue de elaborar uma lei de acordo com a ordem de Trump para que seja votada no Congresso.

Sexta-feira, 29 maio 2020. O Twitter voltou a intervir em mais um tweet de Donald Trump, agora sobre os protestos violentos que decorrem em Minneapolis, acusando os manifestantes, que apelidou de “bandidos”, de “desonrar a memória de George Floyd. O Twitter colocou um aviso no tweet (não o eliminou), indicando que ele viola as suas regras por “glorificar a violência” e, quem o quiser ver, só tem de carregar na advertência. E o que dizia? “Acabei de falar com o governador Tim Walz e disse-lhe que o exército está com ele. Qualquer dificuldade e nós assumiremos o controlo, mas quando os saques começam, o tiroteio começa. Obrigado!”

O que Trump quer com a mudança na lei?

O presidente dos EUA pretende que o Twitter (e companhia) deixem de moderar os conteúdos que são colocados na sua plataforma, nomeadamente o discurso de políticos – “eles não podem escolher o que querem moderar”. Trump também já admitiu que quer que outros, como a Google, “não prejudiquem, como estão a prejudicar, os conteúdos conservadores”.

Mas o que os especialistas dizem é que é mais provável com a alteração da lei precisamente o contrário, ao aumentar a responsabilidade legal sobre o que é dito nas suas plataformas a reação das empresas será de restringir mais para evitar processos judiciais se alguém ofender uma entidade ou pessoa, por exemplo. Ou seja, em vez de moderaram só algumas coisas, passam a moderar tudo – o oposto do que Trump quer.

Já aquilo que os democratas – inclusive Joe Biden – que têm pedido uma mudança nessa mesma lei pretendem é precisamente uma maior responsabilização (inclusive legal) sobre Facebook, Twitter, YouTube e companhia. O objetivo? Permitir, por exemplo, que as plataformas sejam alvo de processos judiciais por permitirem que governos ou entidades estrangeiras tornem as redes sociais numa arma política para interferir em eleições.

Gigantes tecnológicos unidos contra mudança

As reações não se fizeram esperar e colocaram os gigantes tecnológicos Twitter, Facebook e Google unidos contra a ordem de Trump. O Twitter respondeu considerando a ordem de “uma abordagem reacionária e politizada de uma lei histórica”. “A Secção 230 protege a inovação e a liberdade de expressão americanas e é sustentada por valores democráticos”, disse a empresa em comunicado, acrescentando que estas são tentativas “de corroer unilateralmente ameaçam o futuro do discurso online e das liberdades da internet”.

O Google, dono do YouTube, e o Facebook alertaram que a alteração da Seção 230 arriscava prejudicar a internet e a economia digital.

Espera-se agora uma guerra legal nos Estados Unidos, com vários especialistas a admitir que a ordem de Trump é praticamente inexequível e em desacordo com a Primeira Emenda da Constituição dos EUA.

Tudo indica, há fortes probabilidades das tecnológicas não só porem a sua máquina de lobistas em Washington a funcionar contra a medida, mas de se juntarem para combater nos tribunais qualquer alteração que Trump queira por em vigor.

Relembramos ainda o caso europeu – com semelhanças com esta possível mudança de lei nos EUA. Os artigos polémicos da diretiva dos direitos de autor que geraram muita discussão nos últimos anos eram o 11 e o 13 (já foram aprovados, mas ainda não está em vigor). O artigo 11 dizia respeito à proteção de publicações de imprensa para utilizações digitais, prevendo um pagamento a essa mesma publicação na partilha de ‘links’ ou de referências, o artigo 13 previa maior responsabilidade legal sobre o que é colocado nas plataformas e a criação de um mecanismo para controlar o conteúdo que é carregado por parte dos utilizadores, sistema que tem sido muito criticado por não conseguir distinguir um uso legal (como a citação) de uma utilização ilegal.

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