Da neve na Finlândia, onde ficámos a conhecer um autocarro autónomo desenhado pela japonesa MUJI com novos conceitos para a mobilidade, até ao global iPhone, desenhado por Jony Ive, o design ao lado da tecnologia faz (toda) a diferença.
Um pequeno autocarro, redondo, peculiar, que parece saído de uma animação japonesa circula numa praça de Helsínquia cheia de neve e gelo. Chama-se Gacha e é o primeiro autocarro autónomo do mundo capaz de circular com topo o tipo de condições climatéricas (neve, chuva intensa e nevoeiro). Este é também um projeto que tem tanto de tecnológico quanto de design. O Gacha resulta de uma parceria entre a Sensible 4, startup finlandesa de sistemas autónomos, e da MUJI, a marca japonesa de design com o lema “zen comercial” que vende acessórios, roupa e produtos para a casa e, em pouco mais de um ano criaram o Gacha, o shuttle autónomo de raiz (não há espaço para condutor).
“Somos uma empresa que vive o design e estamos num projeto destes para tentar criar novas soluções para a mobilidade e reinventar conceitos tradicionais”. Quem o diz é Naoto Fukasawa, um dos designers mais influentes do mundo. Foi ele que desenhou o Gacha e também é dele um projeto japonês de fazer casas simples, modernas, personalizáveis e extremamente baratas. “Aplicamos nos nossos produtos, na MUJI Hut (as casas) e, agora, no autocarro, a nossa filosofia de paz e simplicidade”. Fukasawa tem trabalhos expostos no MoMA de Nova Iorque precisamente dentro da área do design na tecnologia – está lá a sua parede com leitor de CDs imbutida (de 1999, antes da era do streaming de música).
O designer admitiu-nos que a ligação da empresa ao projeto Gacha está relacionada com preocupações sociais. “No Japão temos áreas rurais com população envelhecida, daí termos idealizado um design simples e icónico, que também permite transformar o Gacha num robô ambulante de serviços e permite criar novos modelos de negócio”.
Outro dos pormenores de design do Gacha é o chamado cinto de LEDs à volta do veículo (permite ver qual a direção do veículo, já tem o mesmo design à frente e atrás). Esse cinto “traz uma interação visual e em tempo real com os seres humanos”, ou seja, “é uma nova forma de comunicação com sistemas inteligentes”.
Mobilidade em mudança
Há muito que o design influencia a mobilidade e os automóveis. Um dos exemplos mais carismáticos é a Pininfarina. A marca de design italiano, fundada por Battista “Pinin” Farina, desde os anos 1930 que desenha automóveis para as principais marcas e, além das linhas apaixonantes, apostou cedo na forma como o design podia afetar a aerodinâmica, portanto, a performance de um automóvel. Rainha dos modelos icónicos de luxo do século XX, a Pininfarina fez a diferença para marcas como a Alfa Romeo, Rolls Royce, BMW, Cadillac e, na sua parceria mais famosa (desde os anos 1950, a Ferrari. É da Pininfarina o primeiro modelo automóvel a figurar num dos principais museus, como obra de arte – foi o Cisitalia 202, modelo de uma marca já defunta, que conseguiu entrar no MoMA, em 1947.
Hoje, como se vê no exemplo do autocarro autónomo Gacha, as marcas de veículos e respetivos centros de design têm um novo desafio de design, transformar o interior dos veículos em verdadeiros centros flexíveis de bem estar, com sistemas multimédia e uma adaptabilidade sem precedentes. Tudo graças aos sistemas autónomos que, espera-se, dentro de poucos anos possam fazer do carro-robô que nos leva para onde queremos sem condutor humano.
Recentemente, Christoph Grote, o vice-presidente do BMW Group, explicava-nos como a marca alemã está a testar várias tecnologias em protótipos como o Vision iNext, incluindo tecidos que permitem interação ao estilo ecrã tátil de tablet, para o interior dos seus veículos autónomos de 2021. “A era autónoma vai mudar a forma como imaginamos as viagens dentro do carro e o design dos bancos e a forma como interagimos com o carro (com comandos de voz e poucos botões) também vai mudar devido a isso”.
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Os gadgets que mudam as nossas vidas
A era da aposta clara no design para desenhar produtos é relativamente recente e derivada do pós-Revolução Industrial. Os primeiros produtos fabricados em série tentavam imitar produtos artesanais e eram mal acabados, daí o britânico William Morris ter criado no final do século XIX o Arts and Crafts, o movimento considerado precursor do design como o entendemos hoje – o artesão-artista era o designer da época. Com a segunda Revolução Industrial surge, já no início do século XX, a sociedade de consumo e as necessidades de produtos passam a ter uma componente cada vez mais exigente na estética.
Os movimentos Art Nouveau, Bauhaus, Art Decó e Funcionalismo (mais associado à arquitetura) marcaram tendências em décadas diferentes e influenciam, ainda nos dias de hoje, os produtos que estão a transformar a forma como adquirimos conhecimento, comunicamos, interagimos e nos divertimos.
Da mesma forma que o computador pessoal (o primeiro era um kit chamado Altair, mas foi a IBM a ter sucesso nas vendas), no final dos anos 1970, foi um marco para a humanidade que acabou por mudar a forma como vivemos, o triunfo do smartphone após o lançamento do iPhone, em 2007, colocou o poder da computação e o acesso à internet (a partir dos anos 1990), de uma forma mais global, nas nossas mãos. A Apple, nesse domínio, é considerada uma das empresas que aliou melhor as inovações tecnológicas ao design.
A professora de design da ESAD (Escola Superior de Artes e Design das Caldas da Rainha), Dania Afonso, admite que “os produtos da Apple, especialmente o iPhone, mudaram as nossas vidas”, especialmente na segunda passagem de Steve Jobs pela empresa. Foi após 1997 que foi cimentado o legado de Steve Jobs “como visionário fascinado pelo design simples e minimalista”. É aí que entra em ação o designer inglês Jony Ive. Inspirado pelo movimento alemão Bauhaus, com o lema “a forma segue a função” e “menos é mais” – muito usado pela marca de automóveis Audi -, Ive moldou o futuro da Apple e cimentou tendências que se tornaram globais.
Dania Afonso, que também é senior designer da empresa Impossible que criou uma pulseira eletrónica chamada Bond Touch, admite fascínio pela empresa de Jobs. “Ele dava uma grande importância à tipografia na tecnologia, chegou a ir a aulas de tipografia na faculdade só por ter interesse no design e foi com ele que a Apple começou a procurar a simplicidade na forma como lidamos com os objetos”.
O primeiro projeto que Ive coordenou deu origem ao colorido e transparente iMac, de 1998, que tirou a Apple do caminho da bancarrota, com o seu aspeto arrojado e diferente de todos os computadores da época, que depressa tornou-se num ícone da cultura pop do final dos anos 1990. Seguiu-se, em 2001, o iPod (e a sua rodela com design inovador que permite interagir com o aparelho), que deu origem em 2007 ao iPhone.
Este último foi o primeiro smartphone global e marcou tendências, tornando os telefones em objetos mais premium do que nunca, com ecrãs táteis e sem teclado físico – um formato que mudou muito pouco na última década. O design simples e funcional do modelo (mais tarde, em 2010, chegou o tablet, iPad, com o mesmo estilo) é considerado revolucionário e mudou a indústria dos aparelhos móveis, tornando na Apple numa das empresas mais valiosas do mundo.
(Este artigo foi publicado, em versão mais curta, na revista 1864 com o tema design, parte integrante do Diário de Notícias)
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