Manuel Heitor, o ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, é um apaixonado pelo espaço e espera projetos como o lançamentos de satélites tragam empregos e conhecimento. Fala-nos ainda nos desafios que quer superar.
Num gabinete repleto de satélites miniaturas de fases diferentes, espalhados por cima de mesas de centro e pilhas de livros (muitos deles sobre o espaço), o Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, Manuel Heitor, é como o algodão, não engana: é um apaixonado pelo espaço. E como começou essa paixão? “Foi a decisão de John F. Kennedy de levar o Homem à Lua e a aterragem no satélite terrestre em 1969 que foram determinantes”.
À Insider fala no seu tema preferido, admite ter orgulho nos Laboratórios Colaborativos – onde empresas e universidades trabalham em conjunto – lançados o ano passado, congratula-se por ter ajudado a eliminar, em julho, as restrições que o Código dos Contratos Públicos estava a criar para os investigadores poderem gastar o dinheiro das suas bolsas e, admite, “vivemos um período intenso e aliciante na ciência e tecnologia em Portugal”.
A exploração do espaço é estratégico para o governo com projetos mais focados nos Açores. De que forma o lançamento de satélites em Santa Maria previsto para 2021 é peça basilar?
É fundalmental para nós. O espaço aparece hoje como um programa estruturante e mobilizador de novas atividades económicas. De facto temos tido uma intervenção mais forte na área do espaço. Lançámos em setembro o programa internacional do Atlântico e, na Web Summit, anunciámos o investimento chinês em Portugal, o StarLab, para a criação de pequenos satélites, algo que será feito com a Academia de Ciência chinesa, em conjunto com a Tekever, o CEIIA e a Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT), num projeto presente em várias regiões. Depois, vamos iniciar até maio de 2019 a fase de seleção e instalação do novo centro em Santa Maria e, em 2021, vamos mesmo ter lançamento de satélites. Os centros de satélites estão depois associados aos negócios a montante do processamento de informação da observação da Terra. Ficamos melhor posicionados a nível europeu a internacional e vamos reconher dados importantes num leque aguardado de mercados: agricultura de precisão, pescas, desenvolvimento urbano, clima e segurança marítima. Por isso, a área com o espaço, na nossa estratégia Espaço 2030 é uma área sobretudo de dados. Sobre Santa Maria, vai beneficiar muito com o lançamento de satélites, depois de já ter estações de monitorização de satélites da ESA(agência europeia). Temos a ambição de transformar Santa Maria numa ilha verdadeiramente especial.
“Há instituições de ensino com inércia grande e que estão longe de cumprir a facilidade que foi imposta pela nova lei. Dificultam a vida aos seus investigadores mantendo a burocracia.”
O projeto de ter uma Agência Espacial Portuguesa está em que fase?
Está a funcionar um grupo de trabalho para apresentar um plano sobre esse projeto até final do ano. Vamos instalar em 2019 a agência, mas será pequena, sem atividade própria. O objetivo é que seja promotora de negócios espaciais e que possa ter centros afiliados por todo o país. O Luxemburgo e o Reino Unido estão a tentar algo semelhante, diferente das agências tradicionais. Nos primeiros anos terá 10 a 12 pessoas num pequeno núcleo, que podem chegar até 20 pessoas, dependendo do volume de negócios conseguido. A ideia é que deixe para o mercado as atividades científicas em si.
Portugal está numa boa fase tecnológica com empresas unicórnios, Web Summit, centros internacionais. Que entraves ainda se encontram?
O trajeto que temos feito é gigante e eventos como Web Summit são importantes para atrair atenção, contactos e interação entre empresas e com novas ideias. Temos de associar isso à fixação e criação de bom emprego em Portugal, o que nem sempre é simples. Há ainda um grande passo a dar para concretização de mais empregos. Precisamos da revitalização do quadro institucional, daí termos criado os Laboratórios Colaborativos, para juntar empresas e ensino para a criação de novo emprego em áreas novas. São 21 espaços onde há partilha do risco entre setor privado e setor público e centros de investigação – o conhecimento cria emprego e cria melhor emprego.Depois, noutro exemplo, é curioso ver num relatório recente que, apesar do governo ter abolido a aplicação do Código dos Contratos Públicos para ser mais simples comprar material para a investigação, há instituições de ensino com inércia grande e que estão longe de cumprir a facilidade que foi imposta pela lei. Dificultam, assim, a vida aos seus investigadores mantendo a burocracia, por isso estamos a solicitar que se mobilizem.
O orçamento do Estado de 2019 tem investimento suficiente para seguir o seu plano estratégio ambicioso para 2030?
Sim. Lançámos há um ano a estratégia de inovação para 2030 para duplicar o esforço público e multiplicar por quatro o esforço privado. Queremos níveis de investimento em 2030 na investigação e desenvolvimento ao nível da Europa, cerca de 3% do PIB investido nesta área. É um pulo grande. Para 2019 o governo cumpriu o que assumiu, reduziu a burocracia e melhorou os números face a 2016. O orçamento da FCT aumentou 29% (passa a 610 milhões de euros), as dotações das instituições do ensino superior aumentaram 10%, para 1105 milhões de euros e, por exemplo, os apoios sociais às famílias, sobretudo para frequentarem o ensino superior, aumentaram em 24% (temos 80 mil bolseiros agora). Há um esforço considerável de aumentar o investimento. Houve simplificação do sistema administrativo e legal em julho. Estamos a rever o estatuto de bolseiro de investigação, a carreira, a dinamizar o ensino à distância, mas há uma necessidade crescente de responsabilizar as instituições científicas e as empresas. Quando assumi estas funções o objetivo sempre foi o aumento do investimento e facilitação do emprego qualificado em Portugal.
Qualificar de forma digital a população não pode ser algo do estilo ‘os outros que façam’, é um processo coletivo que vai desde a escola básica, ensino superior mas também aos empregadores
De que forma o ensino superior pode tornar-se mais adequado ao mercado de trabalho?
Precisamos de duas ações ao nível do ensino superior, o chamado reskilling e a reconversão de competências entre diferentes áreas. Só o facto de damos competências digitais a quem não as tinha traz benefícios muito positivos em todo o país. Ainda hoje [14 de novembro] estive em Leiria num projeto com empresas nacionais para que estejam envolvidas com instituições de Ensino Superior. O objetivo é que ajudem a criar formações mais curtas e mais focadas nas necessidades do mercado de trabalho, o que não invalida os cursos superiores mais longos. Fazem parte empresas como a BizDirect, IBM-Softinsa, Critical Software, Deloitte e Outsystems, que tem tido uma boa experiência em Proença-a-Nova. A Altran, uma grande empresa francesa, atraiu vários desempregados no Fundão dando-lhes competências adicionais. Precisamos de mais, claro, mas este é o caminho.
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Vim agora mesmo de uma reportagem na Introsys e o seu CEO, Nuno Flores, deixou uma pergunta muito especifica ao senhor ministro, que é também do interesse de muitas empresas portuguesas, como a Farfetch (que contrata 60 a 70 engenheiros por mês), Outsystems, entre outras: como é podemos ter os engenheiros necessários para este tipo de empresas?
É uma boa pergunta, uma questão complexa, com soluções que não são óbvias, como já vimos. A procura de talentos e competição internacional para recursos humanos é uma questão que não é nova mas está a acelerar. Tem a ver com os mercados de trabalho. A resposta rápida à pergunta é que as empresas têm de aumentar os seus níveis salariais e o ministério tem mobilizado as empresas para terem atenção a isso. O difícil é ter técnicos com baixos salários. Começa a ser impossível. As pessoas de uma forma geral respondem a essa procura. No período já ido da crise houve meio milhão de pessoas que saíram do sul da Europa para o Norte à procura de melhores empregos. Portugal criou 340 mil empregos. Os últimos dados mostram um aumento considerável dos níveis salariais, mas temos ainda 50 mil desempregados com formação superior que precisam de reconversão.
A requalificação e reorientação das competências dos desempregados com cursos superiores de que já falei é uma das respostas. A nível internacional assistimos à necessidade de formações mais curtas, como disse, daí termos mudado o regime jurídico de graus e diplomas, para introduzir no Ensino Superior os cursos curtos para jovens e adultos e formações mais especializadas. É preciso modernização do ensino superior em Portugal e no mundo não para substituir mas para complementar as formações longas. A pós-graduação especializada é cada vez mais necessária e não podemos esquecer que há um envelhecimento da população: estamos a entrar num período preocupante nos próximos 15 anos, com grande pressão demográfica. Basta ver os números. Temos agora 120 mil jovens com 18 anos, na próxima década serão 85 mil. Tem de haver processo de responsabilização coletiva neste reskilling da população adulta, num processo de grande pressão demográfica não podemos desperdiçar ninguém.
Temos hoje jovens que não vão para o ensino superior (cerca de metade da população que acaba o ensino secundário é que vai logo para o ensino superior, há outra parte que trabalha diretamente e outra parte que acaba por demorar mais anos a ir ou acabar o ensino superior); e temos ainda um abandono precoce de jovens, cerca de 15%, que não acabam os 18 anos de escolaridade. Como sociedade devemos continuar a reduzir o abandono e formar mais a população adulta, porque não há mais jovens. Daí termos criado os Laboratórios Colaborativos para que as empresas ajudem.
Não é suficiente, é preciso mais. Temos ainda 3 mil jovens de 18 anos que vão para formações no estrangeiro, apesar de termos reduzido os fluxos para fora de Portugal e também temos ainda capacidade para atrair os estrangeiros para cá. A medida do Orçamento de 2019 para que todos aqueles que querem voltar a Portugal, durante cinco anos tenham uma redução considerável no IRS são incentivos fiscais para os portugueses voltarem a Portugal.
Qualificar de forma digital a população não pode ser algo do estilo ‘os outros que façam’, é um processo coletivo que vai desde a escola básica, ensino superior mas também aos empregadores, num processo da sociedade, além de ser importante podermos atrair estrangeiros para o qual o ensino superior tem contribuído muito.