A visão dos homens que criaram dois gigantes Farfetch e Outsystems

    Outsystems Farfetch Unicórnios
    Paulo Rosado, fundador da OutSystems. (Orlando Almeida / Global Imagens

    Um alentejano e um portuense com gosto por simplificar, programar e inovar criaram empresas gigantescas. Qual é a cultura que José Neves e Paulo Rosado alimentam? 

    (esta é parte da reportagem publicada no primeiro número da revista Insider, que saiu em julho; pode ler ainda sobre o talento da Outsystems; sobre o talento da Farfetch; descubra ainda o quartel-general com escorregas da Farfetch)

    Nasceu em 1974, no Porto, e aos oito anos ganhou o gosto pela programação quando os pais lhe deram no Natal um ZX Spectrum sem jogos, mas com um manual de programação. Não, não falamos de Paulo Rosado, CEO da Outsystems, mas sim de José Neves, fundador da Farfetch. Aos 19 anos juntou-se a Cipriano Sousa, ainda durante o curso de economia, que tirou no Porto, para fazer um negócio de software para fábricas de sapatos. A paixão pela moda – a sua mãe era de Felgueiras e o seu avô teve por lá uma fábrica de sapatos – acabou por levá-lo a criar a sua primeira loja de sapatos em Londres, em 1996, com 22 anos, cumprindo o sonho de ter uma vida internacional.

    A Farfetch está perto de entrar em bolsa em Nova Iorque (já foi feito o pedido de IPO) e José Neves acabou por não querer falar connosco nesta altura. Mas o seu primeiro engenheiro na empresa e atual CTO, Cipriano Sousa, lembra-se bem de se sentir “cativado” pelo jovem José Neves ainda na adolescência tanto quando fez software para a sua primeira empresa, como quando José partiu para Londres: “ajudei-o a montar o software nessa loja de sapatos e continuámos sempre a colaborar meio à distância até à Farfetch”.

    “No início de 2008 ou final de 2007 ele contou-me o projeto que tinha e pediu-me para criar uma equipa para fazermos a primeira plataforma para poder mostrar a investidores”. Cipriano trabalhou de casa nos primeiros meses, contratou dois outros engenheiros e depois foram crescendo até aos 800 atuais.

    José Neves sofreu em Portugal com os anos de crise e de falta de investimento, mas acreditou sempre no projeto e dois anos depois de ter aberto a Farfetch (em 2008), conseguiu-o.

    “Nunca imaginei que pudéssemos chegar aqui, mas o José já tinha essa ideia de criar uma plataforma global ambiciosa nos primeiros dias”. Cipriano admite que achou o projeto “louco” e ficou “em choque” até porque José cria crescer rápido para ser o primeiro a chegar a mercados como Europa, Brasil e EUA. Nunca percebeu como iriam lá chegar, mas com o aumento de escala de 100 boutiques no site, para 200, depois de um milhão de visitantes, para dois milhões, viu tudo acontecer como “previsto”.

    É a cultura de José Neves que guia a empresa e o primeiro impacto que ele cria é “enorme”, admite Hélder Dias, vice-presidente de engenharia, que entrou na Farfetch há ano e meio, vindo de uma carreira consolidada no Brasil. “Quando fui abordado li sobre o modelo de negócio e fiquei fascinado”. Mas foi a última entrevista, com José Neves, que lhe tirou as dúvidas.

    “É difícil não ficar logo cativado por ele [josé neves], a sua visão e ambição são viciantes e ele como empreendedor ágil que é personifica o conceito de toda a empresa”. Hélder Dias

    Daí que Hélder diga que há várias ideias incríveis do CEO que ainda vão ser desenvolvidas nos próximos anos.”É um homem que acredita firmemente na colaboração, na agilidade e no não criar barreiras à inovação”. Quer que todos pensem no ponto de vista “global” mas se ponham no papel do cliente final. Daí que existem alguns valores corporativos que “são mesmo vividos na empresa”. Usam palavras em inglês para todos (Be Human, Thing Global, Be Revolutionary, Amaze Customers), menos uma, o Todos Juntos. “Estou fã desta cultura de entreajuda em que todos podem perguntar seja o que for a quem quer se seja, que vão sempre ter respostas”. E isso sente-se embora com “variáveis culturais” especifícas “na China, em Portugal, no Brasil e em Londres”.

    E quem é o senhor Outsystems?

    Paulo Rosado nasceu em 1965 em Évora. Ainda hoje se ouve, a espaços, o sotaque alentejano do homem que também partiu cedo para o estrangeiro, para aprender. No seu caso foi um mestrado em Ciência da Computação em Stanford, na Califórnia, depois de um curso na Nova de Lisboa. Foi lá que ganhou ritmo e dinamismo, já que estava bem junto a Silicon Valley. Em março de 2001, depois de experiências na Oracle e de ver muitos erros serem cometidos na hora de programar software, abriu a Outsystems e cumpriu o sonho de abrir uma empresa em Portugal.

    O entusiasmo inicial que incluiu motivo de destaque em publicações como a Fortune e projetos “impossíveis” onde a empresa foi bem sucedida, teve alguns dissabores e riscos, porque as inovações que a empresa já apresentava não eram percebidas por todos. “Já tive alguns sustos, por isso dou valor às pequenas vitórias, mas às vezes também celebramos os fracassos”. Paulo Rosado diz que o fracasso é uma forma de ganhar experiência e tirar lições. Não vê a classificação da empresa de Unicórnio como particularmente relevante, mas garante: “empresas como a nossa são muito valorizadas porque estão na vanguarda de um problema que está em todo o lado e vamos crescer muito mais nos próximos dois anos porque temos um produto impossível de imitar”. Mas há um lado positivo no “unicórnio”, é uma espécie de celebração para o exterior, em que os pais e família da sua equipa “extraordinária” podem “finalmente acreditar que eles estão num projeto incrível”.

    A expansão no “fabuloso Portugal”, “onde há muito talento”, é inevitável, não só no aumento do escritório recente em Braga, como no aumento da presença em Proença à Nova e em Lisboa, onde Paulo não exclui sair de Linda-a-Velha para ter uma nova estrutura própria.

    Alguma vez vai entrar na política? Paulo Rosado hesitou, pensou e respondeu com o “jamais” e falou sobre a Farfetch e o trabalho “fabuloso” do José Neves. “É uma empresa extraordinária, muito conhecida e que honra Portugal e precisamos mais daquelas e mais unicórnios (deve ser em breve)”. Só lamenta que seja vista lá fora “como uma marca inglesa”, quando “na verdade tem o ADN todo português”.

    Ja falámos do pequeno livro das regras da Outsystems, escrito por Rosado, com tantas semelhanças com a cultura da Farfetch. Hugo Vilardouro, diretor do centro de desenvolvimento da empresa em Proença a Nova, garante que na Outsystems o erro, tal como o risco, são permitidos. “O que o Paulo espera é profissionalista e erros honestos, de quem está a esforçar-se para que as coisas aconteçam são perfeitamente aceitáveis”.

    Já Gonçalo Borrêga, diretor de produto há mais de 10 anos na empresa, não tem rodeios: “trabalhar com o Paulo é espetacular”. “Ele tem uma visão incrível, adora o produto e tem grande empatia com os clientes, ao ponto de querer perceber o que ele pensa e ir sempre à origem dos problemas”. Daí que o tempo de trabalho na Outsystems esteja a ser “uma experiência de vida” e não apenas profissional, onde o “pragmatismo e exigência” do CEO permite ser-se “transformador”.