Eram fortes as expectativas para o discurso do líder da Huawei, contudo, o responsável da tecnológica chinesa não tocou no assunto. Mas indicou que quem se juntar à tecnologia 5G da Huawei “vai ficar a ganhar”.
Por Ana Laranjeiro, Cátia Rocha, Diogo Ferreira Nunes e João Tomé
A entrada no Altice Arena, o ponto principal da Web Summit, não foi pêra doce para os visitantes do evento de tecnologia e empreendedorismo. Tanto que a prometida agenda da cerimónia de inauguração da edição deste ano foi alvo de constantes alterações. Ainda as primeiras startups subiam a palco e já eram ouvidas as promessas de “dez mil pessoas lá fora, à espera de entrar”. Paddy Cosgrave, co-fundador e CEO da Web Summit, acabaria por explicar tudo ao público, destacando a importância das forças de autoridade portuguesas. “Há duas horas e meia tomaram a decisão de manter as mochilas fora do recinto. Quero agradecer às forças policiais, eles estão a revistar as pessoas para vossa segurança e vamos agradecer”.
Paddy estava apenas a aquecer o público para um momento há muito anunciado: a presença de Edward Snowden, mesmo que à distância, numa teleconferência a partir da Rússia. “Os dados não são inofensivos, não são abstratos, quando se fala de pessoas. Não são os dados que estão a ser explorados, são as pessoas”, garantiu Edward Snowden, a voz que denuncia o esquema de vigilância de larga escala, desenvolvido pela CIA e NSA.
Numa conversa com James Ball, do Bureau of Investigative Journalism, Snowden recordou os motivos que o levaram a denunciar ao mundo as autoridades do próprio país, em 2013. “Estavam a vigiar as pessoas já num sentido de prospeção, era aquilo a que chamei a vigilância permanente. Faziam isto de qualquer forma, mesmo que as pessoas não tivessem feito nada e ninguém com poder fazia alguma coisa, porque podia ser proveitoso”, recordou o delator, que está em asilo político na Rússia.
Sobre o presente e o momento que o mundo tecnológico atravessa, com as chamadas big tech pressionadas tanto por reguladores como por consumidores, Snowden foi claro: “o modelo de negócio é o abuso”, diz Snowden sobre empresas como a Google, Amazon ou Facebook. Além disso, o ex-analista de sistemas da CIA e NSA deixou o recado: “como é que se policia o uso desse poder, quando ele é usado contra o público?”
Sendo uma conferência em território europeu, Snowden, que é crítico das práticas de privacidade e recolha de dados ao longo dos últimos seis anos, foi questionado sobre a sua opinião sobre o Regulamento Geral de Proteção de Dados (RGPD). “É o RGPD a solução certa?”, perguntou o jornalista. “Não, acho que a questão está logo no nome: não deve haver uma proteção de dados mas sim medidas contra a recolha de dados.” Ainda assim, reconhece que a legislação europeia sobre a privacidade e proteção de dados é “um princípio”.
5G, “a nova eletricidade”
Esperava-se que Guo Ping, chairman da Huawei, aproveitasse o palco da Web Summit para referir a crise comercial entre a China e os EUA, muito ligada à segurança das redes móveis 5G. Só que o responsável da tecnológica chinesa evitou o assunto, referindo apenas que que quem se juntar à tecnologia 5G da Huawei “vai ficar a ganhar”.
O presidente rotativo da Huawei destacou as ambições da empresa, o líder global em 5G, disse, acrescentando que a implantação das novas redes comerciais está a acontecer “mais rápido do que o esperado”, dando o exemplo do primeiro milhão de utilizadores 5G em apenas 60 dias na Coreia do Sul. Neste momento, já serão 40 operadores em 10 países que comercializam o 5G, mas até ao final do ano o líder da marca espera que sejam 60.
“O 5G constitui uma oportunidade única para toda a comunidade mundial. Estamos a criar uma nova era de rapidez e a humanidade entra, assim, numa era ao mesmo nível do que se viu no início da eletricidade”. A comparação com a eletricidade e a sua importância “para todas as indústrias” foi feita várias vezes. Guo Ping explicou mesmo que essa tecnologia “que vai aumentar a rapidez e reduzir a latência a níveis nunca vistos” e vai trazer “inúmeras oportunidades para empresas e startups”.
A “piscar” o olho a programadores de aplicações e software, Guo Ping recordou a iniciativa de programadores da Huawei, com um investimento que rondará os 1,5 mil milhões de dólares, ao longo dos próximos anos. Ping adiantou ainda que as apps e software criados com base na rede móvel 5G “são aqueles que vão gerar o verdadeiro valor da tecnologia”, naquele que define como um mercado que vale biliões de dólares americanos” e onde “os maiores vencedores serão os parceiros da Huawei”.
Lisboa, uma cidade tolerante
O presidente da Câmara de Lisboa começou a sua intervenção por elogiar a cidade, dizendo que é “aberta e vibrante para a tecnologia” sendo que, um dos melhores exemplos disso, é a permanência da Web Summit em Lisboa desde 2016. Fernando Medina deixou claro que a cidade fez “um caminho de transformação e é uma cidade aberta à transformação”, além de ser “uma cidade comprometida com as questões ambientais”, tendo apostado nomeadamente na diminuição das emissões de gases com efeito de estufa.
O ministro da Economia, por sua vez, recordou que, no mundo da tecnologia, a evolução da área é bastante veloz e que o que era novo há dez anos já não o é hoje. Ao nível tecnológico, “as coisas acontecem muito rápido. E o que sabemos para daqui a dez anos, [é que as mudanças] vão ser ainda mais rápidas”, o que acaba por “criar alguns problemas” e à medida que os novos desafios surgem, vão ter ser encontradas soluções.
A Web Summit, que vai ficar em Lisboa até 2028, vai ser o palco onde a discussão sobre os desafios e soluções que vão ocorrer. “A Web Summit, nos próximos dez anos, vai ser onde vão acontecer as conversas” sobre a nova realidade.
“No século XVI, Lisboa era capital da globalização”, recordou o ministro, para lembrar que, durante estes últimos cinco séculos a capital portuguesa sempre foi uma cidade “aberta, que permite que diferentes pessoas se conheçam. Nos próximos dez anos, as discussões sobre a transição digital vão ocorrer cá. Vamos dar as boas vindas [a todos os que queiram debater] como demos durante os últimos 500 anos”.
A primeira milionária portuguesa?
“Estarei a falar com as primeiras multimilionárias self-made?”, perguntava a moderadora Filomena Cautela. Se Michelle Zatlyn, da Cloudflare, preferiu responder de forma cautelosa, a CEO da DefinedCrowd esteve à altura da provocação: “não uma multimilionária, mas uma mulher milionária em Portugal”.
Daniela e Michelle foram as duas primeiras mulheres a subir ao palco da Web Summit, para uma conversa sobre o panorama tecnológico português, pautada por conselhos aos empreendedores presentes. Além disso, a conversa serviu também para enumerar as razões da escolha de Portugal para a localização de escritórios das duas empresas – contrariando as preferências iniciais.
Por um lado, Lisboa não estava no topo da lista dos norte-americanos da Cloudflare para um novo escritório na Europa. Só que a capital portuguesa saltou para a linha da frente da empresa que disponibiliza uma rede de distribuição de conteúdo e serviços de segurança na Internet. A responsável da Cloudflare recordou a passagem por Lisboa de John Graham-Cumming, o CTO da empresa. “Ele veio a Lisboa antes de tomar a decisão final e falou com algumas startups. Ele ficou tão impressionado com a diversidade das startups. Nota-se muito a diferença em comparação com Londres e São Francisco”, notou Michelle Zatlyn.
A DefinedCrowd, startup liderada pela “doutora Braga”, começou em Seattle, nos Estados Unidos, mas mudou o centro de engenharia para Lisboa. Daniela mudou a base do negócio dos Estados Unidos para Portugal por causa do “talento português, da qualidade das universidades, do apoio do Governo e da Startup Lisboa. Estamos a ajudar algumas das 500 maiores empresas do mundo – como a Amazon – a partir de Portugal”.
Numa conversa apenas com mulheres, a quase paridade de género nos escritórios da DefinedCrowd foi um dos temas: “Normalmente, sou a única engenheira na sala. Mas a igualdade acontece naturalmente nos nossos escritórios, 42% dos nossos trabalhadores são mulheres e não fiz nada propositadamente para isso”, assinalou Daniela Braga.
Web Summit: Do palco principal ao Pitch, não faltam startups portuguesas