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Presidente do INESC arrasa Governo por “perder milhões” e desperdiçar tempo das pessoas com sistemas atrasados no Estado e dá o (mau) exemplo do Portal das Matrículas.

Aos 70 anos, José Tribolet, cofundador e presidente do INESC (Instituto de Engenharia de Sistemas e Computadores) admite-nos em entrevista que ver o modo de funcionamento atual da administração pública como um todo “é uma dor de alma”. “Esta é a minha área de trabalho há muitos anos e vejo o Estado estourar dinheiro por todo o lado, começa coisas em ministérios que nunca acaba ou desperdiça o trabalho feito”.

Esta semana o INESC, instituto que ajudou a criar em 1980, começou a celebrar 40 anos “a ligar universidades a empresas e a transferir a inovação para a sociedade”. O professor de engenharia informática, que ainda lamenta que o seu amigo e ex-colega de estudos António Guterres se tenha dedicado à política, admite o desgosto com a falta de evolução nos sistemas do Estado, dizendo mesmo que “no governo de António Costa não há interlocução para evitar os problemas ridículos que vimos, por exemplo, agora com o portal das matrículas na Educação”.

Apesar de admitir que há áreas que têm feito um bom trabalho e há setores com boas práticas, “está tudo partido aos bocados” e “há mesmo um atraso mental ao nível do século passado” naquela que é “a estrutura de organização operacional e de governação do Estado na área fulcral dos sistemas de informação e das TIC”.

E lança mesmo o repto. “Temos capacidade nacional – no INESC e em algumas universidades – de conseguir uma transformação a sério no funcionamento na Administração Pública que poupem muito tempo e dinheiro, só precisamos que nos deem esse desafio”, diz Tribolet com entusiasmo. Daí que tenha contactado sem sucesso o seu colega do Técnico, António Costa Silva, contratado pelo Governo para coordenar a estratégia de retoma pós-Covid, para que inclua estas ideias.

A mudança, acredita, só será feita com algum investimento, “porque somos mesmo muito bons e a qualidade paga-se”, mas admite que em pouco tempo a poupança iria pagar o investimento para criar o que chama de “arquitetura de sistemas”. “Quando se fala disto ao Governo, pensam que é mais computadores ou aplicações, mas não pensam na área globalmente – quem manda não compreende o que é isto de sistema centralizado”.

Tribolet diz mesmo que o sucesso de Estados e empresas está hoje dependente de algo além da tecnologia por si só: “é uma internet semântica, formada por servidores de carbono e sílica a trabalharem em tempo real, para isso é preciso compreender este ‘animal’ e aplicar a todo o Estado – o que vemos agora é puro desperdício”.

Alguns dos princípios de uma solução ao nível do que se vê na Estónia – criou um ecossistema digital do Estado – já existem. “Se a interoperabilidade que já está definida pela AMA – Agência para a Modernização Administrativa – fosse uma regra obrigatória e aplicada, não teríamos tantos problemas como aquele que vimos com o Portal das Matrículas na inscrição dos alunos”. Nesse aspeto, Tribolet diz mesmo: “as pessoas não fazem ideia dos custos que temos com imbecilidades deste tipo – inclusive o tempo que os pais perdem – e com a incapacidade de lidar com esta área de forma séria, profissional, científica e estrutural”. Como exemplo, explica que não faz sentido os pais estarem sempre a preencher dados dos cidadãos que o Estado já tem e devia usar.

Já sobre a existência do Ministério da Modernização da Administração Pública, diz que “para alguém mandar tem de ter dinheiro na mão e poder”, “se não tem dinheiro na mão não manda nada”. Nos tempos recentes só houve algum investimento a sério por Maria Manuel Leitão Marques e Tiago Silveira na Justiça, no Governo de Sócrates. E dá ainda o exemplo do INESC: “foi assim que começámos, com as empresas de telecomunicações a darem-nos dinheiro e condições e, se passado um ano não tivéssemos cumprido com a inovação que prometemos, não estaríamos aqui hoje”.

Cadernos de encargos ultrapassados e com 10 anos

João Pina, analista de sistemas e programador responsável por projetos como fogos.ptjanaodaparaabastecer.vost.pt, ou suprimidos.pt, que também contribuiu na app do governo sobre a covid, Estamos On, concorda que as boas práticas de algumas áreas no Estado não são usadas globalmente. “Há mesmo falta de comunicação entre ministérios e usa-se aplicações diferentes para tudo que complicam a informação centralizada”.

No caso do Portal das Matrículas, tem curiosidade em ver o caderno de encargos. “Aquilo a que assistimos é triste e está muito mal feito, devem ser usado um caderno de encargos com 10 anos e desatualizado, porque já deveria garantir o autoscalling, para suportar muitos utilizadores ao mesmo tempo ou em testes de segurança ao portal e o que se vê é muito pobre”, admite, já que “se o portal não funciona não tem interesse nenhum”.

Sobre os sistemas centralizados do Estado deverem usar a informação que o próprio Estado já tem dos alunos ou cidadãos, poupando tempo no preenchimento de fichas, admite que deveria ser possível. “Faz parte da interoperabilidade que já vemos nas Finanças, mas quando se usa sistemas novos todos anos, se calhar de empresas diferentes e não se pensa globalmente nestas questões criam-se mais dificuldades”. O programador deixa ainda uma dúvida para a Comissão Nacional de Proteção de Dados que não conseguimos esclarecer em tempo útil e não parecem haver registos definitivos: se o Estado pode partilhar entre ministérios a informação dos cidadãos.