“Trabalhei numa das empresas onde vi um dos maiores abusos éticos a serem feitos”, aponta Christopher Wylie, a voz que denunciou o escândalo de privacidade da Cambridge Analytica. Wylie era um dos nomes mais aguardados deste primeiro dia de Web Summit.
Há quase um ano, Brad Parscale, director digital da campanha de Donald Trump, o atual ocupante da Casa Branca, subiu a um dos palcos da Web Summit para explicar como Donald Trump ganhou a corrida para a presidência. Na altura, Parscale falava em analítica e data targetting (utilização dos dados para direcionar a mensagem a um público específico), fazendo chegar a determinados eleitores uma informação a condizer.
Um ano depois desta passagem há um nome que ainda faz soar campainhas: Cambridge Analytica.
Esta terça-feira, Christopher Wylie fez o rescaldo dos últimos seis meses, após a denúncia do escândalo que abalou a confiança que os utilizadores depositam em empresas como o Facebook. Perante uma Altice Arena bem composta, Wylie sentou-se com o pivot do britânico Channel 4, Krishnan Guru Wurthy, para explicar como é que os dados de utilizadores comuns das redes sociais foram explorados para influenciar acontecimentos políticos em 2016.
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O cabelo cor-de-rosa pode já não existir, mas o discurso incisivo mantém-se. “O Facebook autorizou isto [a utilização de dados para influenciar a campanha], sabiam exatamente aquilo que estava a acontecer”, assegura Wylie. “Eles sabiam disto desde o início e não fizeram nada”.
“O Facebook tem tanto poder, está a fazer um clone digital da nossa sociedade. O que é que vai acontecer quando os sistemas de inteligência artificial começarem a comunicar entre si?”, pergunta o principal rosto que trouxe o escândalo de privacidade a público. “Isto é uma história de colonialismo”, onde as grandes tecnológicas estão a desempenhar o papel de colonizadoras e os cidadãos de colonizados. “Os nossos governos não estão preparados para lidar com isto”, aponta Christopher Wylie.
Wylie não é o único que lamenta as políticas governamentais. Adam Hadley, o diretor da Tech Against Terrorism, organização criada há dois anos pelas Nações Unidas, aponta na mesma direção. “O cruzamento entre Internet e política vai ser ainda mais notório. Hoje já vemos questões ligadas a mensagens nacionalistas, desinformação… Isto é um problema que não vai desaparecer. E isto vai ser a questão mais crítica da Humanidade, sem qualquer dúvida”, disse em entrevista ao Dinheiro Vivo.
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Hadley não é apenas diretor da Tech Against Terrorism, é também CEO da QuantSpark, empresa que também opera no campo dos dados. Por isso, era impossível não questionar quem trabalha com dados qual é a sua posição relativamente à questão Cambridge Analytica. “Uma das questões da Internet é mesmo a questão da transparência e, no caso do Christopher Wylie, parece que aquela empresa [a Cambridge Analytica] era muito boa na parte de direcionar os anúncios para as pessoas certas. A questão é que eram anúncios negativos, mas com mecanismos que eram muito difíceis de se conseguir perceber”, recorda Hadley.
“Aquilo que queremos ver acontecer é que os governos não aprovem apenas legislação porque parece bem ou que comecem a retirar conteúdos impróprios da Internet de uma forma mais rápida. Vamos melhorar, a um nível internacional”, explica o diretor da organização, que refere também que os governos europeus deveriam liderar nesta questão. “Nenhum país europeu publica um relatório anual sobre a quantidade de informação que pede ao Facebook para retirar da Internet, por exemplo”, indica.
“A lei está neste momento a ser desafiada pela Internet. E isto é uma questão muito profunda e que não está a ter resposta. Acho que o ponto aqui nem é tanto a Internet, tem mais a ver sobre o nosso sistema legal”, reconhece Adam Hadley.
Se Hadley indica que as empresas de tecnologia estão a ter de tomar decisões sensíveis, quando “não foi para isso que foram criadas, [dado que] essa responsabilidade pertence também tribunais”, Christopher Wylie não iliba as gigantes da tech de responsabilidade. E, para o ‘whistleblower’ do escândalo de privacidade do ano, há também que começar a pensar eticamente na linha da frente de quem concebe tecnologia. “Tocamos a vida das pessoas de uma forma tão profunda, que precisamos de ter códigos, de regulamentar o código. Estamos a brincar com o fogo e quando isso acontece, as pessoas magoam-se”, avisa Wylie.