A segunda geração dos óculos da Microsoft que permitem ver hologramas, os HoloLens, é melhor em quase todos os aspetos, excepto num.
É no piso inferior do edifício 92 da Microsoft, na cidade de Redmond, Seattle, EUA, que a magia acontece. Este continua a ser um dos locais mais secretos dentro de toda a empresa, pois é onde estão a ser desenvolvidas as tecnologias que um dia nos vão permitir ter hologramas em casa e interagir com eles como se fossem elementos reais.
Existe uma certa ironia associada a este local: apesar de ser onde a Microsoft está a criar alguns dos seus projetos mais futuristas, este laboratório fica imediatamente abaixo do centro de visitas ao público da empresa, ou seja, o local que está mais aberto à curiosidade alheia. Enquanto as pessoas fazem as suas visitas, mesmo debaixo dos seus pés os engenheiros da Microsoft transformam o conceito de hologramas em realidade.
A empresa deu recentemente mais um passo na verdadeira fusão entre o mundo real e um mundo holográfico. Em fevereiro, durante o Mobile World Congress, o maior evento do mundo dedicado a tecnologias móveis, a gigante norte-americana apresentou a segunda geração dos HoloLens, uns óculos que permitem ao utilizador ver elementos digitais, tridimensionais e realistas, sobrepostos no mundo físico – ou aquilo a que a empresa chama de realidade mista.
Durante uma visita à sede da Microsoft, tivemos a oportunidade de testar os HoloLens 2 e estas são as nossas primeiras impressões.
Muito mais confortáveis
A primeira geração dos HoloLens impressionava pelo facto de conseguir ‘empacotar’ tanta tecnologia inovadora nuns óculos de tamanho relativamente aceitável. Apesar disso, os primeiros HoloLens tinham um problema de equilíbrio – todo o peso concentrava-se na parte frontal do aparelho, o que acabava por causar desconforto no utilizador ao fim de alguns minutos de utilização.
Com esta nova versão, a Microsoft moveu alguns componentes – como o processador e a bateria – para uma caixa na parte traseira. Isto faz com que o peso dos HoloLens esteja melhor distribuído e encaixe de forma muito mais confortável na nossa cara e cabeça.
Enquanto na versão antiga havia sempre uma tendência para segurar os óculos com as mãos por causa da inclinação do peso, com esta geração esse problema desaparece e sentimos uma maior liberdade – não só nas mãos, como mesmo em termos de movimento do corpo a andar, por exemplo.
Esse é um ponto importante, pois como o gadget explora o conceito de elementos digitais sobrepostos no mundo físico, poder andar e explorar estes elementos é uma parte importante da experiência e tudo o que colocasse isto em causa estava a prejudicar o potencial dos HoloLens.
“Havia coisas que sabíamos que queríamos melhorar com base no feedback dos clientes. Por exemplo, maior conforto e maior equilíbrio na cabeça”, explicou Greg Sullivan, diretor de comunicações de realidade mista da Microsoft a propósito das mudanças.
“A nossa equipa tem métricas para analisar a fadiga, o stress na cabeça e com os dados que recolheram, concluíram que os novos HoloLens são três vezes mais confortáveis por causa da arquitetura mais distribuída”, acrescentou o responsável antes da nossa sessão de experimentação.
Outra adição interessante é a possibilidade de o utilizador poder levantar a viseira dos óculos, se quiser enquadrar-se melhor no espaço que tem à sua volta ou se quiser falar com alguém pelo meio sem ter a necessidade de estar a tirar por completo os óculos.
Maior área de visualização e streaming de hologramas
Os que já experimentaram a primeira geração dos HoloLens sabem que apesar de dar acesso a uma experiência imersiva, os óculos têm uma área de visualização de conteúdos holográficos limitada – os elementos digitais só são visíveis numa pequena caixa em frente aos nossos olhos e qualquer desvio da cabeça ‘quebra’ a sensação de holograma.
Com os HoloLens 2 a Microsoft duplicou o campo de visualização e isto é importante em dois sentidos: permite enquadrar mais elementos digitais quando o utilizador está mais afastado deles; permite ter elementos digitais maiores quando está mais próximo. Em ambos os casos, isto traduz-se num maior realismo dos elementos holográficos, pois mesmo ao mexer a cabeça, os elementos digitais continuam lá à nossa frente, na sua totalidade.
Por outro lado, não sentimos qualquer melhoria notória em termos de definição gráfica. Sim, os hologramas estão maiores, mas graficamente não parecem mais evoluídos.
Isto é algo que a Microsoft pretende resolver através da cloud. Como os HoloLens têm um tamanho reduzido, isso limita a quantidade de processamento que lá pode ser integrado. É por isso que a gigante norte-americana quer fazer renderização na cloud e depois fazer streaming de hologramas através de uma ligação à internet.
“Os Hololens não conseguem processar uma alta contagem de polígonos. Agora podemos renderizar esses elementos na cloud e enviar os resultados para o HoloLens, para que tenhas mais resolução e maior fidelidade de imagem”, adiantou Greg Sullivan, sem relevar quando o streaming de hologramas vai ficar efetivamente disponível.
Interação mais natural – e é aqui que a magia acontece
Os novos HoloLens têm sensores que conseguem reconhecer com precisão os movimentos das nossas mãos e também o movimento dos nossos olhos. Aliás, quando colocámos os óculos pela primeira vez o sistema faz um processo de calibração visual para ‘aprender’ como é que os nossos olhos se movimentam.
E esta foi, sem dúvida, a parte mais espetacular da experiência. A Microsoft conseguiu aproximar os HoloLens um pouco mais do conceito de interação que ficou popularizado no filme Minority Report. Por exemplo, numa das experiências tínhamos um mapa à nossa frente: agarrá-lo com as duas mãos e esticá-lo tornava automaticamente o mapa maior. Ao fazer o contrário estamos a diminuir o mapa.
Estivemos na sede da @Microsoft, nos EUA, para experimentar a nova geração de hologramas que a empresa está a desenvolver. A interação com os elementos digitais é agora muito mais natural. pic.twitter.com/smf2LWgjGP
— DN Insider (@InsiderDn) April 6, 2019
Se quisermos mover um elemento digital, então basta agarrar nele e largá-lo onde nos é mais conveniente. É esta naturalidade de interação com hologramas que nos faz pensar como será o futuro do mundo digital, um no qual os conteúdos dificilmente estarão confinados atrás de um ecrã, mas estarão antes espalhados pelas paredes de nossa casa e trabalho – ainda que invisíveis a olho nu.
O ponto alto da experiência foi quando tínhamos quatro esferas à nossa frente e o engenheiro da Microsoft pediu que olhasse para uma à minha escolha. Graças ao sistemas de monitorização do movimento dos olhos, os HoloLens sabiam exatamente para onde estava a olhar e essa esfera começava a girar.
Ao dizer a palavra ‘Pop (abre, em tradução livre)’ – porque os HoloLens também suportam comandos de voz -, saiu um colibri digital da esfera. Aí o engenheiro da Microsoft pediu que abrisse a mão – e assim que o fiz, o colibri voa na minha direção e pousa mesmo na palma da mão, virtualmente claro.
A parte mais interessante é que eu podia mover-me para qualquer local da sala e fazer o mesmo movimento que o colibri sabia sempre, exatamente, onde eu estava e lá vinha pousar na mão, quase como se fosse um animal de estimação verdadeiro que já tem uma relação de longa data com o seu dono.
Mesmo nas conversas posteriores com os jornalistas de outros países que também participaram na demonstração, muitos deles apontaram esta experiência do colibri como o momento ‘wow’ do dia. E esta experiência resume na perfeição aquilo que a Microsoft conseguiu com os novos HoloLens: tornou-os mais imersivos, de interação mais natural e abriu portas à criação de uma nova geração de hologramas.
Uma tecnologia que não é para todos
Sim, a experiência com o colibri foi espetacular e mostra que o futuro da computação passará por aqui, pela interação constante dos humanos com um mundo digital que está sobreposto ao seu campo de visão. Mas este vislumbre do futuro ainda só vai estar disponível para um grupo restrito de pessoas.
Em primeiro lugar porque os Microsoft HoloLens 2 são caros: quando chegarem na segunda metade do ano – disseram-nos que mais para o final de 2019 – vão custar 3.500 dólares, o equivalente a 3.150 euros.
Em segundo lugar porque só vão estar disponíveis para EUA, Japão, China, Alemanha, Canadá, Reino Unido, Irlanda, França, Austrália e Nova Zelândia quando forem lançados.
E em terceiro lugar, mas não menos importante, porque esta é uma versão direcionada para utilização profissional. Desta vez a Microsoft nem sequer disponibilizou um kit de desenvolvimento para programadores, o que por norma é sinónimo de uma maior aproximação ao mercado de consumo.
Por um lado percebe-se, pois as grandes aplicações holográficas que existem atualmente são quase todas elas de âmbito empresarial e produtivo. Mas ao afastar-se do consumidor final, a Microsoft pode acabar por criar algum desinteresse relativamente aos HoloLens 2, quando tecnologicamente falando, aquilo que os óculos merecem, por todas as suas melhorias, é exatamente o oposto.
* A Insider viajou para Seattle a convite da Microsoft