Isolados de um planeta afligido pela pandemia de covid-19, missão na Antártida que investiga efeitos do isolamento a pensar na missão espaciais do futuro celebrou o adeus ao sol por 4 meses.
Uma foto pode valer por mil palavras. Neste caso, esta foto que ilustra o artigo significa um adeus ao sol pelo menos por quatro meses de noite e de inverno. Numa altura em que boa parte do planeta reduz o distanciamento físico de outros seres humanos e aposta no trabalho a partir de casa, isolado do mundo, esse conceito é o pão nosso de cada diz para a 16ª equipa da Estação de Investigação Concordia, na Antártida.
A missão desta equipa não é muito diferente de quem passa algum tempo na escuridão, frio e isolamento do espaço e há uma certa reminiscência, com mais ou menos luz e mais ou menos frio, para os tempos de isolamento provocado pela pandemia de covid-19 para o resto da humanidade. A equipa de cientistas vai passar o inverno inteiro – o inverno está a chegar ao hemisfério sul – numa pequena base e despediu-se do sol no início do mês, daí que o último por do sol teve um encanto especial, já que não voltam a sentir a luz solar nos próximos quatro meses.
O período de inverno para a equipa de investigação começou, oficialmente, no domingo, 3 de maio e o grupo de 12 membros passa assim os próximos tempo em escuridão total, numa missão que, no total, terá nove meses de isolamento total num dos ambientes mais extremos da Terra.
A estação da Concordia é uma das três que operam o ano inteiro no meio da camada de gelo da Antártida para contribuir com dados importantes para a comunidade científica. Localizada no chamada Dome C, na península Antártica, a estação fica a 3200 metros acima do nível do mar. Mas pior do que a altitude é mesmo o frio que pode trazer temperaturas de –80° C no inverno, com a temperatura média anual a ser de –50°C.
Este isolamento num ambiente tão frio e escuro no planeta Terra é o substituto ideal para alguns cientistas preparem também melhor a exploração espacial do nosso Sistema Solar e é utilizado para perceber a adaptação a equipamentos e humanos a essas condições extremas. Os investigadores usam a estação Concordia para estudar não só a astronomia, mas também a meteorologia e ciência em torno do glaciares, bem como a fisiologia e psicologia humana naquele tipo de ambientes e de isolamento extremo.
Os investigadores estão interessados em perceber de que forma o ambiente extremo pode ser um risco para o corpo e para a mente humana e os dados escolhidos nesses estudos podem preparar os seres humanos para a vida no espaço, muito além da baixa órbita em que circular, por exemplo, a Estação Espacial Internacional.
Um dos médicos presentes em representação da Agência Espacial Europeia (ESA), Stijn Thoolen, coordena precisamente as experiências de pesquisa biomédica feitas no Concordia para avaliar os efeitos prolongados desse mesmo isolamento no corpo e na mente humana. Na base do trabalha está a recolha de amostras de sangue, fezes e urina para rastrear alterações no volume sanguíneo, sistema imunológico e bactérias intestinais e perceber-se, assim, como elas afetam a nossa saúde. Stijn também faz testes stress e coordenação motora e procura seguir a dinâmica social para perceber o papel que o stress desempenha ao unir ou desunir um grupo que vive isolado do resto do mundo.
Os próximos meses serão, em luz solar, serão assim os mais desafiantes para o grupo, mas potencialmente os mais gratificantes e com mais potencial de trazer informação útil para a exploração espacial (e não só). A equipa alimenta um blogue para contar, dentro do possível, as aventuras do dia a dia.
João Lousada. Este é o primeiro português diretor de voo na Estação Espacial