Desde o orgulho de ver crescer o serviço canadiano rival da Amazon, o Shopify, até à (falta) de impostos aos gigantes tech, passando pela oportunidade criada por Trump ao fechar os EUA a talento estrangeiro. Justin Trudeau quer criar oportunidades com a pandemia.
O primeiro-ministro do Canadá, Justin Trudeau, fechou a conferência Collision from Home em que estivemos, há uma semana e meia – a primeira aventura em eventos remotos da equipa da Web Summit. Numa conversa com Gillian Tett, autora e jornalista do Financial Times, Trudeau abordou alguns dos temas mais relevantes da atualidade, o principal foi mesmo um verdadeiro apelo para que os talentos que foram, entretanto, barrados nos EUA possam vir para o Canadá.
Foi a 21 de junho que o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, conseguiu colocar desde universidades até gigantes farmacêuticas ou tecnológicas como a Google, Facebook, Amazon, passando por Apple e milhares de outras empresas contra uma decisão executiva que tomou surpreendendo tudo e todos. A ordem executiva restringe a emissão de novos vistos de trabalho para técnicos especializados ou gestores até ao final de 2020. Além de proibir a chegada de estudantes de doutoramento e investigadores para as universidades, retira talento estrangeiro de laboratórios e de tecnológicas, algo que muitos dizem ser “a pior coisa que podia ter acontecido à ciência e inovação nos EUA” – exemplo do professor de imunobiologia da Universidade de Yale, Akiko Iwasaki.
Neste contexto, Trudeau convida todos esses investigadores e profissionais especializados, bem como às suas empresas, a virem para o Canadá. “Temos visto essa chegada de mais talento ao Canadá nos últimos anos por causa de algumas decisões de Trump e, agora, com esta última decisão queremos aproveitar ainda mais”, explica o primeiro-ministro do Canadá.
Justin Trudeau admite que programadores, designers e outro tipo de técnicos têm chegado ao país e a estratégia “é para continuar”, ao ponto de terem criado um programa chamado Global Skills stategy. E o que permite? “Se uma empresa trouxer um técnico de qualidade para cá, tratamos do visto em apenas duas semanas e também há outros incentivos”. “Acredito que ao trazermos pessoas de grande qualidade profissional criamos oportunidades na economia, com maior crescimento e mais emprego para os canadianos”, admite o primeiro-ministro.
Daí que Trudeau diga sem rodeios: “Venham para cá, continuamos entusiasmados que pessoas talentosas venham para cá, criar startups e ecossistemas e temos a vantagem de ter acesso ao mercado dos EUA”.
O responsável políticos admite ainda “um grande orgulho” por ver o crescimento internacional da Shopify, plataforma de vendas online rival da Amazon que tem crescido vertiginosamente durante a pandemia. “Temos dado muita força ao setor de inteligência artificial, com apoios a universidades e a empresa, e vimos o temendo benefício de nos ligarmos cada vez mais à ciência”, explica Trudeau, admitindo ainda avanços significativos na chamada tecnologia dos oceanos.
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Ciência e tecnologia na luta contra a covid
A pandemia do novo coronavírus abalou os países a nível mundial e Trudeau reafirma o apoio à Organização Mundial de Saúde, contrastando também com a posição dos EUA. Relativamente ao combate à pandemia, o Canadá colocou alguns cientistas como o prémio Nobel da Física Art McDonald, a ajudar a criar novos ventiladores para doentes com covid-19 e publicou o modelo criado para que todos possam usar a nível mundial.
Além disso estrearam uma app de rastreamento que usa o mesmo modelo usado na Austrália e em Singapura e que usa o API da Google e da Apple, requer a autorização do utilizador e “a única coisa que faz é dizer-nos se estivemos ao pé do telefone de alguém que testou positivo à covid, é anónimo e ser como alerta”.
Além disso, Trudeau acredita que “a crise pandémica vai acelerar as ações sobre a crise climática”. “É certo que a crise climática é mais a longo prazo, mas temos de ouvir a ciência porque é uma crise séria e foi por isso que, entre outras medidas, já banimos o plástico para proteger o oceano”.
Relativamente a uma segunda vaga da pandemia, Trudeau traça a resposta para o próximo inverno focando “em muitos testes, distanciamento físico entre pessoas, as apps de rastreamento e os testes serológicos ou anti-corpos, para o qual diz ter uma equipa para a analisar dados e a tirar respostas deles.
Trudeau preocupado com “resistência do mundo à ciência”
O primeiro-ministro do Canadá admite ainda estar preocupado “com a resistência do mundo à ciência e à mudança necessária” e dá o exemplo da crise pandémica: “estávamos tranquilos e tudo mudou com a covid, precisamos de novos, mais fortes e resilientes sistemas para estarmos melhor preparados, seja para pandemias ou para a crise climática, temos de repensar os sistemas que usamos”.
A crise “pode e deve ser uma oportunidade”, explica. “Como vai reconstruir tudo após a pandemia? Temos é de aproveitar a oportunidade e falar disso agora, aumentando o investimento em renováveis, diversificando os nossos mercados e canalizar todos os lucros de petróleo e combustíveis fósseis para energia renovável”.
Sobre a situação do país, a baixa dívida pública do Canadá em relação ao PIB (53%) mantém Trudeau tranquilo. “Não estamos preocupados, gastamos agora porque o devemos fazer e quando voltarmos ao normal não precisamos de pedir mais impostos”, diz.
Mais impostos aos gigantes tech
Quem não se safa de um possível enorme aumento de impostos são os gigantes tecnológicos. O primeiro-ministro do Canadá admite estar alinhado nesse domínio com a Europa – e não com os EUA. “Temos de garantir alguma justiça fiscal no que diz respeito às receitas de publicidade dos canadianos que vão para os cofres dos gigantes tecnológicos”. A solução ainda não está fechada e Trudeau admite que está a analisar em conjunto com a Europa “uma maior justiça fiscal”, sendo certo que “os gigantes tech não têm pago a sua quota-parte dos impostos e vamos tentar que o façam” (referindo-se de forma implícita aos esforço da administração de Trump contra quaisquer impostos extra a empresas tecnológicas americanas – ao ponto de França já ter sido ameaçada com retaliações). O líder político no passado já foi claro sobre o que pensa relativamente às redes sociais, ao seu modelo de negócio e à forma como podem adulterar eleições.
Trudeau falou ainda da Huawei e do uso da gigante chinesa na infraestrutura do 5G, explicando que não exclui à partida a empresa. “Continuamos a trabalhar com os parceiros para perceber qual o melhor caminho, sabendo que tem de haver competitividade para o 5G e para a tecnologia em geral”. No entanto, admite “preocupações com o comportamento da China”, mesmo admitindo que quer um “equilíbrio certo e justo” na questão do 5G.
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