Há menos de dois anos Vladimir Putin declarou que a nação que liderasse o desenvolvimento em sede de inteligência artificial (IA) governaria o mundo.
Causou algum furor, é certo, mas a declaração não se encontra desprovida de lógica, uma vez que a IA está a ser cruzada com tecnologia bélica e nesse entrelace reside a nova corrida às armas.
Corrida às armas essa, entre nações, que visa garantir que as respectivas forças militares se encontram munidas da melhor tecnologia de IA, em sede de defesa e de segurança nacional. As iniciativas nacionais neste campo têm-se multiplicado, encontrando-se a China, a Rússia e os EUA a abordar a questão de formas diferentes.
A China tornou claras as suas intenções, em 2017, no New Generation of Artificial Intelligence Development Plan, State Council Document, prevendo possíveis futuras utilizações da IA, anunciando a sua vontade de criar uma infraestrutura avançada de IA, elencando as vantagens detidas pela nação que consiga alcançar a liderança neste campo, afirmando que a produção nacional de sistemas de IA montaria a 150 mil milhões de USD até 2030 e prometendo investir, nesse sentido, pelo menos 7 mil milhões de USD a curto prazo.
Na China a IA é vista como uma componente crucial na tomada de decisões militares, com base em informação (como localizações precisas via GPS de unidades nacionais e relatórios relativos a drones e satélites de forças adversárias) que surgindo em avalanche torna difícil o processo decisório em tempo útil para um ser humano mas não para um sistema de IA.
E não é país que tema paradoxos, tanto que, no mesmo ano em que Valdimir Putin fez a firmação acima referida, a delegação chinesa anunciou no âmbito das Nações Unidas (Group of Governmental Experts on Lethal Autonomous Weapons Systems) apoiar a proibição do uso de armas autónomas no campo de batalha, sendo que, nesse mesmo dia, um representante da sua força aérea divulgou planos para a criação de um novo drone autónomo denominado intelligent-swarm.
Passando à estratégia norte-americana, foi a mesma anunciada este ano por Donald Trump (Artificial Intelligence for the American People), que proclamou, com a humildade de sempre, que a contínua liderança americana no âmbito da IA é fundamental para garantir o florescimento económico, a segurança e a defesa dos EUA. O plano da Casa Branca assenta em 4 pilares: a IA deve estar na base da inovação norte-americana, deve incentivar o crescimento da indústria norte-americana, deve servir o trabalhador norte-americano e deve ter por base valores norte-americanos.
O quarto pilar, o dos referidos valores norte-americanos, invoca os direitos do homem (como a liberdade e a privacidade), o Estado de Direito, a estabilidade das instituições norte-americanas e o respeito pela propriedade intelectual. Decorre desse pilar que os sistemas de IA devem reflectir tais valores, devendo, nomeadamente, ser inteligiveis, fiáveis, robustos, seguros e desenvolvidos de forma responsável.
A estratégia carece, todavia, tanto de detalhe como de referência a fontes de financiamento, contendo afirmações abrangentes e não fazendo menção à atribuição de fundos federais para execução da proposta.
Mas que isso não nos tire o sono, pois a verdade é que os EUA não têm revelado grande hesitação, neste campo, com ou sem fundos federais, pelo menos a nível bélico.
Em 2018 a Bloomberg queixava-se de que o exército norte-americano recorria com constância a soldados robóticos para fins de reconhecimento e de desarmamento de explosivos, antevendo para breve a presença desses mesmos robots no campo de batalha ao lado de tropas e garantindo que o Pentágono iria despender cerca de mil milhões de USD com alguma rapidez numa nova geração de robots que teria capacidade para apoiar as tropas no campo de batalha de forma mais incisiva: efectuando um reconhecimento de terreno mais complexo ao prosseguir a sua missão de reconhecimento e de desarmamento de explosivos e detectando, ainda, substâncias químicas perigosas ou outros agentes.
No mesmo ano, segundo a Arm & Technology, os EUA recorriam a drones Triton, em Guam, para optimização do processo de monitorização do Mar da China Meridional. E não esqueçamos que ainda sob a égide de Obama drones norte-americanos semearam a morte pelo Afeganistão e pelo Paquistão.
Por último, a Rússia, fiel à profecia de Vladimir Putin, tem apostado na IA em sede de armamento. Assim, no ano do dito vaticínio, Kalashnikov, um fabricante de armas russo, anunciou estar prestes a lançar uma gama de drones de combate autónomos que com bases em redes neurais identificariam alvos e tomariam decisões a solo.
Segundo o Sputnik News, Degtyarev, outro fabricante de armas russo desenvolveu, entretanto, um drone suicida autónomo, de nome Nerekhta, que navega furtivamente e explode com grande eficácia, destruindo desde tanques a fortificações inimigos.
A aposta russa é forte, neste campo, incluindo ainda, por exemplo, submarinos nucleares autónomos, mísseis robóticos smart swarm e o super tanque Armata T-14. Ou seja, as três grandes potências militares mundiais possuem, hoje, armas autónomas identificadas como cruciais para a sua estratégia militar e aumentaram nos últimos anos, a um ritmo algo frenético, o desenvolvimento desse material bélico.
Não é, pois, surpreendente que tanto a China, como a Rússia, como os EUA, tenham reticências (independentemente do que afirmem no seio das Nações Unidas e dos inúmeros guidelines éticos que possam emanar) em banir armas que consideram vitais em termos geopolíticos.
A corrida às armas no campo da IA está em curso e as grandes potências não a querem perder, sendo que a vontade de vencer pode criar riscos à escala global.
O terminator já chegou? Sim, sob a forma de killer robots e de killer drones, mas ao contrário do que se pensava há uns anos não temos de temer a insurreição da máquina porque a verdadeira ameaça provém do ser humano.
Patricia Akester é fundadora do Gabinete de Propriedade Intelectual.