O sonho de Elon Musk de viver em Marte terá de esperar para se realizar

Opinião de Zita Martins, astrobióloga e professora associada no Instituto Superior Técnico (IST), que já passou pelo Imperial College London (Reino Unido), uma das melhores universidades do mundo. A investigadora tem explorado como a vida pode ter começado na Terra, procurando compostos orgânicos em amostras de meteoritos, mas também como se pode desenvolver em Marte. 

Zita Martins.
( Filipa Bernardo/ Global Imagens )
COM EXCEÇÃO DA TERRA, É A PRIMEIRA VEZ QUE O INTERIOR DE UM PLANETA É ESTUDADO

A missão espacial “Interior Exploration using Seismic Investigations, Geodesy and Heat Transport” (InSight) poisou com sucesso no dia 26 de Novembro de 2018 em Marte, também chamado de Planeta Vermelho. O grande objetivo desta missão da Agência Espacial Norte-Americana (NASA) é o de estudar o interior de Marte, dando pistas cruciais sobre a formação dos planetas rochosos do nosso sistema solar, incluindo o nosso planeta. Com exceção da Terra, é a primeira vez que o interior de um planeta é estudado. O facto da missão InSight ter conseguido poisar na Elysium Planitiaem, perto do equador de Marte, e os seus painéis solares terem-se ligado corretamente é já por si um grande feito, uma vez que o Planeta Vermelho é um cemitério de sondas. A mais recente foi o módulo Schiaparelli EDM da Agência Espacial Europeia (ESA) que se esborrachou no solo marciano em 2016.

Para atingir o seu objetivo, a missão Insight irá realizar três tipos de medições:

  • 1) vários sismógrafos irão verificar se existe atividade sísmica devido a sismos e a impacto de meteoritos na superfície,
  • 2) uma antena irá medir as oscilações do Polo Norte de Marte à medida que o planeta gira à volta do Sol, e
  • 3) uma sonda irá furar o solo até 5 metros e medir a temperatura do interior de Marte.

Tudo isto irá informar acerca da composição do interior do Planeta Vermelho, mostrando claramente se o núcleo é líquido ou sólido (objetos com interior líquido oscilam de forma diferente daqueles com interior sólido), e também sobre a temperatura do subsolo. Este último ponto é também importante para a procura de vida extraterrestre, uma vez que ao medir a temperatura do interior de Marte é possível determinar se existe água na forma líquida no subsolo.

NÃO EXISTE PRESENTEMENTE ÁGUA NA FORMA LÍQUIDA NA SUPERFÍCIE DE MARTE, MAS HÁ INDICAÇÕES INDIRETAS QUE TERÁ EXISTIDO NO PASSADO

Um dos requisitos para um planeta ser habitável (i.e. ter as condições para a vida existir) é a presença de água no estado líquido (os outros dois requisitos são a existência de uma fonte de energia e a existência de nutrientes). Não existe presentemente água na forma líquida na superfície de Marte, mas há indicações indiretas que terá existido no passado: vales, ravinas e deltas existem em Marte e terão sido formados por líquidos existentes no passado; e minerais, como argilas e depósitos de cloretos que apenas podem ser formados com água em estado líquido foram detetados.

Relativamente à presença de água no estado líquido no subsolo, uma equipa de investigadores detetou um lago (ou lodo) muito salgado com 20 quilómetros de comprimento e a cerca de 1,5 quilómetros da superfície no polo sul de Marte. Estes resultados foram obtidos através de dados do instrumento Mars Advanced Radar for Subsurface and Ionosphere Sounding (MARSIS) da missão espacial Mars Express. Estes resultados foram surpreendentes, uma vez que a temperatura dos polos à superfície é de -68ºC (temperatura que impossibilidade a existência de água no estado líquido). Ao medir a temperatura, não da superfície, mas sim do interior de Marte, a missão espacial InSight irá mostrar se de facto é possível ter água no estado líquido no interior do planeta Vermelho. Se de facto tal for possível, então a possibilidade de existência de vida extraterrestre no subsolo de Marte irá certamente aumentar.

a missão irá mostrar se é possível ter água no estado líquido no interior do planeta. Se for, então a possibilidade de existência de vida extraterrestre irá aumentar.

Mas o interesse pela existência de água no estado líquido no subsolo de Marte não se limita à procura de vida extraterrestre. A colonização humana de Marte é cada vez mais um tópico de interesse e investimento financeiro. Elon Musk, fundador da Tesla e da SpaceX disse recentemente que gostaria de num futuro próximo ir viver para Marte, participando num dos projetos de colonização humana do Planeta Vermelho que estão presentemente a ser desenvolvidos pela SpaceX.

Um dos requisitos para a sobrevivência destes futuros colonizadores em Marte é a existência de água no estado líquido, que pode ser levada da Terra para Marte numa fase inicial (de notar, contudo, o desafio tecnológico desse transporte), ou mais simplesmente pelo extrair da água no estado líquido do subsolo de Marte. É por isso tão importante que missões espaciais, como a InSight forneçam informação (de forma direta ou indireta) relativamente à potencial existência de água no estado líquido no subsolo do Planeta Vermelho.

a colonização do Planeta Vermelho não irá acontecer tão depressa (…) o sonho de Elon Musk terá de esperar

Os próximos anos serão por isso de grandes desafios e conquistas tecnológicas na área das Ciências Planetárias, especialmente relacionadas com o planeta Marte. De notar, contudo, que a colonização do Planeta Vermelho não irá acontecer tão depressa. Uma piada recorrente na área das Ciências Planetárias é que dizemos que a Humanidade irá viver em Marte daqui a 30 anos… mas já andamos a dizer isto desde o século passado, e o marco dos 30 anos continua sem ser atingido. Por isso, o sonho de Elon Musk terá de esperar para se realizar. Mas até lá, a comunidade científica irá colher os frutos da viagem da Insight às profundezas do planeta Marte.

Elon Musk: Existem 70% de hipóteses de ir viver (e morrer) para Marte