Valores intemporais, admirável mundo novo e a Inteligência Artificial como (triste) solução

O que é belo é intemporal: a gratidão é intemporal; a educação é intemporal; o civismo é intemporal; a lealdade é intemporal; o respeito mútuo é intemporal; a dignidade própria e do outro é intemporal; a humanidade na sua essência é intemporal, etc.

Sempre fui conservadora em relação a certos temas (não fora ser jurista, pois todos padecemos mais ou menos do mesmo) e liberal em relação a outros.

Passo a explicar: não ligo a modas, nunca liguei (de qualquer natureza), mas passei anos a fazer investigação sobre a intersecção entre direito de autor, tecnologia e direitos liberdades e garantias. Consequentemente, mergulhei profundamente na área dos direitos do homem, tendo conduzido vários projectos de investigação na Universidade de Cambridge e feito múltiplos pareceres para a ONU, sobre tais direitos e em defesa dos mesmos.

E foi nessa área que se revelou a minha modernidade, a minha vontade de combater, entre outras coisas, restrições em sede de liberdade de expressão.

Liberdade essa que não permite apenas que eu diga, actue e me vista, por exemplo, de acordo com o meu Ser, mas também que tenha acesso à informação, à cultura e ao conhecimento, tal como me apraz.

Mas (aqui vem o «mas») a matéria dos direitos liberdades e garantias passa pela invocação, configuração e manutenção de uma série de equilíbrios entre o Eu e o Outro individualmente considerado, o Eu e o Colectivo, o Eu e a Nação, o Eu e a Humanidade, etc.

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Tendo regressado a Portugal há uns anos esta equação, que sempre tomei por certa para todos, tem-me dado que pensar.

Não me parece que seja óbvio para todos que simétricos dos direitos do próprio se apresentam os direitos de terceiros, que a liberdade não subsiste sem dignidade, que os direitos não subsistem sem obrigações e que o direito de um indivíduo é o dever de outros.

Continuo respeitadora e defensora dos direitos liberdades e garantias, mas perante o que vejo e ouço, dou por mim a adorar o intemporal.

E há tanta coisa que é intemporal!

Repito: O que é belo é intemporal. A gratidão é intemporal; a educação é intemporal; o civismo é intemporal; a lealdade é intemporal; o respeito mútuo é intemporal; a dignidade própria e do outro é intemporal; a humanidade na sua essência é intemporal, etc.

Garantir que os direitos, liberdades e garantias coexistem com valores intemporais é uma missão não digo de todos, mas pelo menos de quem acredita na importância desta coexistência.

Tenhamos então uma postura dinâmica, que não se compadece com uma atitude passiva, fundada na possibilidade de tal coexistência ser determinada de forma darwinista.

Se a perduração desta equação for deixada à mercê de um processo de selecção natural pode muito bem ser que respeite os interesses das diversas partes, sendo que o mais provável é que isso não suceda.

O fulcral equilíbrio de interesses não deve ser deixado à sorte; não deve ficar nas mãos das possibilidades e da evolução dos tempos.

É preciso, sim, que haja a intenção consciente de articular, no dia a dia, um justo equilíbrio de interesses e de respeito e que essa intenção se materialize em soluções: action without dreaming is a nightmare, vision without action is just a dream.

É inegável que a resistência ao desenvolvimento não é uma opção.

É crucial que avancemos, mas mantendo equilíbrios, entendendo que os primordiais mecanismos que alicerçam o sistema dos direitos fundamentais exigem a presença dos valores que acima referi.

E disto não tenho eu quaisquer dúvidas, nem nunca de tal abdicarei. Creio, ainda, que algumas pessoas pensarão como eu.

Pois se não tivermos capacidade para tal, então melhor será que o necessário equilíbrio entre direitos liberdades e garantias e valores intemporais seja inserido nos chips que nos estão destinados, em sede de fusão entre Homem e Máquina.

Pena é, todavia, se a Humanidade não chegar por si só a um padrão comportamental adequado e justo, de respeito e dignidade mútuos, residindo então a solução para este este admirável mundo novo «in machina».

E aí, já com um chip enfiado algures no cérebro, daremos por todos a fornecer migalhas de humanidade, respeito e dignidade a quem nos rodeia.

Humanamente isto não é senão lamentável.

Patricia Akester é Fundadora do Gabinete de Propriedade Intelectual (www.gpi-ipo.com)

Nota: A autora não escreve de acordo com o novo acordo ortográfico.

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