As frequências da TDT começam a mudar já a partir da próxima semana para dar lugar ao 5G, previsto para 2020. Operadores e Anacom em pé de guerra.
Odivelas, quarta-feira, 10 horas. Um ecrã de televisor negro assinala o pontapé de saída do 5G em Portugal. É nesse dia, no emissor de Odivelas Centro, que arranca a migração das faixas de frequência atualmente ocupadas pela televisão digital terrestre (TDT), mais tarde usadas para o 5G, uma nova geração de comunicações móveis que contém em si a promessa de carros que se conduzem a si próprios, operações ao coração feitas remotamente, fábricas robotizadas e máquinas inteligentes a falar entre si. Em abril está previsto o leilão para as faixas para o 5G. Com operadoras e Anacom em pé de guerra, o governo promete, para “muito em breve”, o plano estratégico do país para o 5G.
A ressintonização do emissor de Odivelas Centro marca o início do que promete ser a nova revolução tecnológica. E para que tudo comece há que, literalmente, desligar fichas. “Por volta das 10.00 chegamos ao local e com as nossas equipas técnicas e com as do fabricante, a alemã Rohde & Schwarz, vamos desligar o emissor que está a emitir na frequência do canal 56 e vamos ligar os cabos do emissor em produção a um emissor temporário”, descreve Luís Alveirinho, administrador com o pelouro tecnológico da Altice Portugal, a operadora que tem a gestão da rede TDT.
Se morar no concelho de Odivelas (bem como nas freguesias de Lumiar, Carnide e Santa Clara, em Lisboa, Encosta do Sul, na Amadora), se estiver a ver televisão vai ter por uns minutos o ecrã negro até os cabos serem ligados ao emissor provisório. Será o coração da emissão, até o emissor principal ser ressintonizado para o novo canal, o 35. Em casa terá apenas de ressintonizar o seu televisor para o novo canal.
É um processo, quatro a cinco horas, que vai repetir-se em 240 emissores espalhados pelo país, envolvendo até 60 pessoas a trabalhar em simultâneo. Mas este é um dossiê em que há tudo menos sintonia entre a operadora que tem a responsabilidade de realizar os trabalhos, a dona do Meo, e a Anacom. A começar pelo calendário do processo de migração: o regulador quer o processo concluído em meados de junho; a Altice aponta para as primeiras semanas de julho. “É muito fácil dizer que faço em quatro meses quando não sou eu que faço o trabalho. E isto tem de ser feito com cuidado, ritmo, com respeito pelas pessoas que veem TDT”, diz Luís Alveirinho. Calcula-se que 23% da população nacional tenha TDT em casa.
E não havendo simulcast, um período em que a transmissão dos canais de televisão é feita em simultâneo nos dois canais – como em 2012, ano do switch off da TV analógica para a TDT -, há um maior risco de os utilizadores poderem ficar sem ver televisão, acredita a Altice.
Mas não a Anacom. Os portugueses só fizeram a mudança do sinal analógico para a TDT quando era inevitável. “Ninguém migrou antecipadamente e o simulcast não serviu o seu propósito”, lembra o regulador. “Com o simulcast os custos poderiam ultrapassar, no mínimo, 3,5 milhões de euros, para um processo que demoraria dois anos. Para ser mais rápido os custos disparariam”, garante.
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E o tempo é um bem, quase tão escasso como o espetro, num momento em que operadores se unem num alerta: o país está atrasado para o 5G. “Não existe qualquer atraso nos trabalhos preparatórios conducentes à atribuição das licenças necessárias para assegurar a transição para a próxima geração de redes móveis e a cobertura em diferentes áreas, como na faixa dos 3,6 GHz, apta para a disponibilização de capacidade necessária para serviços suportados nos sistemas 5G”, assegura o regulador, destacando que Portugal está entre os países europeus com mais pilotos efetuados até ao momento.
Se tecnologicamente os operadores demonstram estar preparados, o governo admite que o processo poderia estar mais adiantado. “Há um atraso nos procedimentos, mas não há ainda um atraso substantivo”, reconheceu Alberto Souto de Miranda, secretário de Estado adjunto e das Comunicações. E “muito em breve”, prometeu ao setor, reunido em congresso na APDC, o governo vai aprovar em Conselho de Ministros o plano estratégico do 5G.
Sobre o que aí vem não revelou muito, mas deixou uma garantia: “As obrigações de cobertura serão seletivas, setoriais e faseadas, por etapas, até 2026.” O regulamento do leilão, que será em abril, de acordo com o calendário proposto pela Anacom, irá incorporar “as orientações que o governo fizer aprovar”. E terá um preço base “inferior aos 6 mil milhões da Alemanha e será superior ao que gostariam” os operadores. “Poderá incentivar novos entrantes e ofertas grossistas.” E respondeu ainda às lamentações que o país, da forma como parece vir a querer fazer o leilão das faixas, arrisca-se a ter um 5G coxo. “O interesse público do país não é de ter um 5G coxo, certamente, mas também não é de ter o 5G reservado a quem está.”
O “ar denso” no setor
A pedra no sapato do 5G para os operadores é o espetro em mãos da Dense Air até 2025 que, a juntar à quota que a Anacom quer reservar a novos operadores, aumenta a escassez do espetro. “O que me preocupa é que se esteja a promover de forma artificial escassez de espetro”, disse Sofia Aguiar, da direção de regulação da Altice, no congresso da APDC. “A escassez de espetro é uma inquietação e tem um nome: Dense Air”, acusou Filipa Carvalho, diretora jurídica de regulação da NOS.
“A Dense Air não está no mercado, não tem receitas, trabalhadores, negócio, só tem espetro. É mais do que razão para que a Anacom retirasse o espero à Dense Air”, considerou Helena Féria, diretora jurídica e de regulação da Vodafone. Mas não o fez. Escassez de espetro tem dois efeitos: preços mais elevados no leilão e, eventualmente, uma oferta de serviços menos robustos da parte dos operadores já existentes, temem os operadores. Se a posição da Anacom não for revista, “não vamos ter espetro necessário para fazer o que a gente pretende”, alerta Filipa Carvalho.
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