Facebook toma mais decisões de moderação por hora do que a justiça americana num ano. Alex Stamos, ex-CSO do Facebook, acredita que Zuckerberg vai tornar a rede social mais fechada e próxima do WhatsApp.
Chama-se Alex Stamos, esteve no meio da crise Cambridge Analytica, é o antigo responsável de cibersegurança (CSO) do Facebook e está agora no meio académico, como diretor do observatório de Internet de Stanford.
Numa entrevista recente ao site de tecnologia Verge – ao jornalista Nilay Patel -, Stamos descortinou de forma curiosa e surpreendente os “prováveis” planos atuais da maior rede social do planeta, que envolvem não só juntar cada vez mais Instagram, Messenger, Facebook e WhatsApp, mas também usar a encriptação para tornar os quatro serviços mais fechados e menos públicos.
Ou seja, tornar dessa forma a rede social mais popular do planeta (2,3 mil milhões de utilizadores mensais ativos) um pouco mais como o WhatsApp, “por ser uma tendência, mas também porque tira alguns problemas a Zuckerberg, que deixa de ter tanta responsabilidade na moderação de conteúdos”. Essa área de moderação, ficámos a saber esta semana num evento do Facebook em Lisboa, ocupa já mais de 30 mil pessoas (triplicou em pouco mais de um ano), além de ajuda de inteligência artificial cada vez mais presente.
Stamos trata o CEO do Facebook por “Zuck” e admite ter tido boa relação com ele, embora tenha críticas prontas – ainda em maio defendia que o melhor para a empresa era que Mark Zuckerberg deixasse o cargo de CEO. Há muitos motivos de interesse, que começamos por tentar resumir por tópicos e frases que selecionámos do ex-CSO do Facebook.
“Facebook toma mais decisões na moderação por hora do que a justiça americana num ano”
– Stamos critica, em certa medida, alguma imprensa norte-americana por não perceber que “nem tudo nas redes sociais é preto ou branco, há muito cinzento”, ou como o engenheiro especialista em segurança cibernética, define, trade-offs, ou o outro lado da moeda para cada decisão. “Não vemos o Wall Street Journal dizer que o governo deve ter mais receitas e cortar impostos, porque percebem que tirar recursos aos polícias retira capacidade de lutar contra o crime”. Já no caso das redes sociais, “não percebem os trade-offs entre ter mais privacidade ou mais segurança”.
– Sobre a posição de muitos de que os gigantes tecnológicos são demasiado poderosos, Stamos contrapõe que depois “não podem querer que usemos esse poder para esmagar os nossos inimigos”. “É uma posição inconsistente”, diz. Depois dá o exemplo do New York Times, que parece querer que “haja uma rede de redes sociais dinâmica com muitos concorrentes do Facebook, mas depois não querem que o Facebook partilhe informação com alguém mesmo com acordo legal estipulado”. Exemplo disso aconteceu com o Netflix: “criaram escândalos pelo facto da Netflix ter acesso a alguns dados de utilizadores pelo Facebook através de um acordo legal e dão a entender que a Netflix vê as nossas mensagens privadas, o que é ridículo”. Depois, admite, que falta a alguns meios de comunicação que espalham algum pânico mais conhecimento e perspetiva global: “hoje todos acham que são repórteres de tecnologia, mas a maioria não tem os conhecimentos certos”.
“O Facebook usa muitos dados para cada decisão que é tomada.
Zuckerberg, o rei planetário sentado em cima de um monte de dados?
Stamos explica, depois, como Mark Zuckerberg toma decisões usando dados analíticos e como consegue acertar em várias das tendências que lhe dão uma vantagem preciosa nas decisões gerir o Facebook.
“O Facebook usa muitos dados para cada decisão que é tomada. Faz parte do ADN da empresa. E ninguém no planeta Terra está sentado em mais e melhor dados sobre o que as pessoas querem fazer online do que Mark Zuckerberg”. Stamos continua: “Zuck tem instrumentação importante sobre hábitos e tendências através do Facebook, Instagram e WhatsApp [com um total de 2,7 mil milhões de utilizadores ativos mensais]”.
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E o que é que isso lhe permite? “Os dados, nesta altura, mostram-lhe de forma clara que coisas partilhadas em pequenos grupos de pessoas e que são mais efémeras são mais populares”. Stamos admite que foram esses mesmos dados analíticos que o ajudaram a perceber que deveria investir forte no Facebook para aparelhos móveis e lhe indicaram que deveria comprar o Instagram e o WhatsApp – não só para eliminar concorrência, mas também para poder ‘beber’ deles. Exemplo disso das Instagram Stories, levadas depois para o próprio Facebook, “a sua jóia da coroa” e paixão pessoal.
O experiente engenheiro não tem dúvidas que “o objetivo número 1 de Zuckerberg é seguir as tendências para que o Facebook continue a ser relevante e popular”. “O Zuck sempre foi muito bom a ver para onde o puck[referência ao disco do hóquei no gelo] está a ir e patinar até lá”.
O futuro do Facebook? Encriptação em plataforma menos pública, mas há um problema
Com a aposta clara na encriptação e em tornar as redes sociais a seu cargo menos públicas, “há uma componente cínica associada”. Stamos considera que se está a pedir o melhor de dois mundos que não é possível cumprir de igual forma.
“Por um lado querem privacidade total nas redes sociais e que a própria plataforma não saiba nada dos utilizadores e por outro pede-se à empresa que mantenha as pessoas seguras. Não podemos ter essas duas coisas por completo”. Alex Stamos dá o exemplo do New York Times, que “num dia critica o Facebook por não encontrar todos os maus da fita e no outro dia critica por ter demasiados dados sobre as pessoas”.
Resumindo: “Quando damos às pessoas privacidade também estamos a dá-la aos maus da fita”. Um desses exemplos de privacidade (e liberdade) total é o polémico 8chan.
Moderação, como existe, não é sustentável
Ter cada vez mais moderadores a complementar sistemas de inteligência artificial para decidir o que pode ou não entrar nas redes sociais, para Stamos, também “não é sustentável”. O especialista explica depois que, historicamente, tem-se criada uma espécie de lista de 1 a 10, em que 1 é privacidade total e 10 é segurança total. “O Facebook tem tentado estar no meio desses dois extremos, mas isso não está a resultar porque abre a porta a que se seja criticado de forma intensa por quem defende o 1 ou quem defende o 10”.
E o que vai fazer Zuckerberg? “Ele agora escolheu atirar os dados todos para um só lado. Usou dados para escolher o lado mais favorável ao Facebook: encripta tudo, torna quase tudo aparentemente efémero e maximiza assim a privacidade dos utilizadores”. Mas há um reverso da medalha, admite o especialista. “Mas assim tira força à segurança e à possibilidade de moderação de conteúdos, embora se proteja de algumas leis que estão a ser pensadas”.
Stamos indica que assim que uma plataforma tão grande começa a tentar moderar tudo, “não há fim à vista sobre o que cada um quer ver”. E dá exemplos: “que tipo de discurso é que vão pedir à rede social para controlar? Se entramos nesta maré temos de lidar com 97 regimes diferentes com ideias sobre tipos de discurso possíveis diferentes. A única forma de sair é pormo-nos numa situação onde temos de fazer o mínimo de moderação possível”. Essa, parece-lhe ser, a estratégia atual.
O especialista não acha que Zuckerberg esteja a planear tantas mudanças no Facebook, Instagram e WhatsApp para evitar ações de anti concorrência do Departamento de Justiça americano. “Se eles quisessem avançar não era por haver encriptação e ligação entre serviços que não iriam fazer, não é isso que colocaria o Facebook a salvo, até porque já o fizeram a algo tão complexo como a AT&T”. No entanto, Stamos admite que não seria positivo a divisão das empresas “porque iria reduzir a inovação”.
Sociedade ainda não decidiu o caminho
Como contexto geral, o ex-braço direito de Zuckerberg admite: “como sociedade, ainda não decidimos o quanto seguros as pessoas devem estar online e até onde queremos controlar as suas escolhas para os manter seguros… ou seja, não se definiu o tipo de segurança a ter”. Indica mesmo que é preciso perceber quem decide e quem executa. “Hoje em dia há um desejo por controlo do discurso dos outros que nunca houve numa era pré-revolução tecnológica”. E continua: “durante centenas de anos tentou-se ganhar liberdade no discurso político e social e agora há demasiadas pessoas a quererem controlar o discurso, algo que não era aceitável há uns anos”.
Devem as regras ser ditadas por atores democráticos ou pelo setor privado? Stamos deu o exemplo do governo americano, que não pode limitar o discurso nas redes sociais legalmente, mas outros já podem. A Austrália foi a primeira a seguir esse caminho, explica. E deixa ainda um aviso: “se o peso legal fica todo nas empresas elas vão responder às leis para se protegerem”.
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Cambridge Analytica, o início da mudança
Sobre o caso Cambridge Analytica, de exposição indevida de dados pessoais, deixou algumas mensagens mas nada em concreto. Stamos admite que a rede social cometeu erros e foi displicente no caso, mas lembra que houve um esforço grande por reparar esses erros “por uma equipa que lutou muito por evitar que aquela quebra pudesse voltar a acontecer”.
“Muitos não têm noção, mas no departamento de cibersegurança houve pessoas perturbadas de forma pessoal e preocupadas com aquela exposição de dados e que deram tudo para melhorar um território algo desconhecido”. Ou seja, esse também foi “o início de uma mudança profunda” na empresa de que acabou por sair precisamente para estudar de forma mais distante alguns dos impactos da tecnologia na sociedade, explica.
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