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Especialistas garantem que os computadores quânticos são a próxima grande revolução tecnológica. Volkswagen e farmacêutica portuguesa já estão a explorar este novo filão.

Se quiser saltar a parte complicada, isto é o que precisa de saber sobre computadores quânticos: resolvem problemas para os quais os computadores clássicos já não têm capacidade de resposta. É este poder adicional de processamento de informação que vai ditar novas oportunidades no mundo dos negócios.

Um computador quântico é capaz de fazer em 100 segundos o que até para o mais potente dos supercomputadores da atualidade demoraria mil milhões de anos. Quem o diz é Julie Love, diretora de desenvolvimento de negócio quântico na Microsoft. “Chegamos a este ponto em que a tecnologia quântica está pronta para ser usada e escalada”, garante a líder.

Os computadores quânticos são muito diferentes dos computadores que usámos no dia-a-dia porque o processamento da informação é feito seguindo as regras da Física Quântica. Num computador tradicional a informação é processada em 0 e 1 (bits), enquanto num computador quântico a informação pode ser 0 e 1 ao mesmo tempo (bits quânticos ou qubits), o que aumenta de forma exponencial a capacidade de processamento de informação. “Podemos fazer muitas computações ao mesmo tempo”, diz Julie Love.

A Microsoft, por exemplo, já definiu a computação quântica como uma das três grandes áreas de que o futuro da empresa vai depender – a par da realidade mista e da inteligência artificial. A empresa até criou uma linguagem de programação, chamada Q-sharp, pensada exclusivamente para computadores quânticos. “Está construída para que seja familiar para os programadores. Temos dezenas de milhares de downloads do kit de desenvolvimento”.

Luís Soares Barbosa, professor do departamento de informática da Escola de Engenharia da Universidade do Minho (UM), garante que este é o momento de as empresas olharem para a computação quântica como a área que pode trazer um grande retorno.

“As empresas que têm problemas para os quais os recursos computacionais começam a ser escassos, como na área da otimização ou da segurança, esta é a altura de começarem a entender o que vai mudar com a computação quântica e como é que podem criar potencial dentro de portas para poderem tirar vantagem destas máquinas”, explica.

A UM lidera o QuantaLab, um consórcio de entidades portuguesas que se dedica ao tema da computação quântica. Em junho, o laboratório passou a fazer parte da rede de parceiros da IBM para esta área de investigação e já fez os primeiros testes a algoritmos quânticos desenvolvidos por investigadores portugueses, na otimização de tarefas e síntese molecular.

“Temos esta capacidade de pegar num exemplo, num problema que uma empresa queira colocar e começar a estudá-lo do ponto de vista da sua formulação quântica”, sublinhou o investigador.

Por agora o acesso faz-se através da cloud a uma máquina que já tem 20 qubits, um valor que para Luís Soares Barbosa “permite mostrar como é que isto se faz e conseguimos daí extrapolar que há de facto uma vantagem”.

Já há inclusive empresas, como a canadiana D-Wave, que vendem computadores quânticos para os clientes que tiverem capacidade para comprar um – o modelo topo de gama custa perto de 13 milhões de euros. A computação quântica ainda está direcionada para as grandes empresas, mas é importante testar conceitos para explorá-los dentro de dois a quatro anos, quando estes computadores ficarem mais generalizados, explicou o professor da UM.

Quem está a trabalhar nesta democratização é a IBM. “Estamos a criar a cadeia completa para tornar a computação quântica acessível. Agora podes autenticar-te através do telemóvel e usar um computador quântico”, defendeu Heike Riel, uma das principais investigadoras da IBM.

A tecnológica, que aposta neste novo formato de computação há mais de dois anos, já registou 3,6 milhões de experiências feitas nas suas máquinas quânticas, uma prova de que o interesse da comunidade científica e empresarial é verdadeiro.

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As indústrias química, farmacêutica, financeira, da mobilidade, segurança informática e inteligência artificial são as que estão na primeira fila para colher os proveitos de uma aposta na computação quântica. Mas o potencial vai muito além dos negócios.

“Uma das coisas com as quais estamos entusiasmados é a ideia de desenhar um catalisador, um componente químico que tiraria o carbono da atmosfera, para mitigar e resolver o aquecimento global”, exemplificou Julie Love [veja, no vídeo em baixo, parte da entrevista à responsável da Microsoft].

“Portugal está perfeitamente preparado”, salienta Luís Soares Barbosa. “Estamos a falar de algo que poderá dar muito retorno a dez ou quinze empresas” sublinhou.

Farmacêutica portuguesa já está a apostar em investigação quântica

Luís Soares Barbosa revelou que a Universidade do Minho (UM) está a construir um protótipo com uma farmacêutica portuguesa – mas não revelou o nome – para “estudar um problema de alinhamento molecular”, para que se encontre a “forma geométrica ótima de fazer as combinações” entre moléculas. No limite, pode levar à criação de novos fármacos.

“É um problema muito complicado porque há muitos parâmetros a ter em conta. No fundo, é um problema da química, mas também um problema de otimização, ver se de facto a máquina quântica consegue dar resultados interessantes e rápidos a esse problema do alinhamento molecular”.

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Uma empresa conhecida que também já está a apostar na computação quântica é a Volkswagen. A gigante alemã até fez o seu último anúncio nesta área de investigação em Lisboa, durante a Web Summit.

“A Volkswagen conseguiu usar um computador quântico para criar um sistema que permite substituir a previsão de volumes de tráfego, de procura de transportes públicos ou de tempos de viagem por uma gestão de fluxos baseada em cálculos exatos. Os algoritmos quânticos otimizam movimentos, enviando, por exemplo, veículos para diferentes destinos em função da procura. Eliminam-se assim ineficiências como meios de transporte que viajam vazios ou longos tempos de espera dos passageiros”, explicou Ricardo Tomaz, responsável de marketing estratégico e relações externas da SIVA, importador da marca em Portugal, em resposta por email.

Neste projeto piloto, a cidade de Lisboa pode vir a ser contemplada para um teste real. “A Volkswagen comunicou na Web Summit que o sistema de otimização de tráfego seria agora testado em Barcelona e que não é de descartar que – durante a próxima Web Summit – o piloto chegue a Lisboa”.

Para as empresas que estão interessadas no tema, mas ainda não sabem como dar o ‘salto quântico’, Jose Camacho, diretor de big data da Atos Iberia, outra tecnológica que está a criar uma plataforma de computação quântica para empresas, aconselha: “A criação, e mais importante ainda, a retenção de conhecimento deve ser considerada como crucial desde o início do projeto”, explica o responsável, que aconselha ainda a que haja uma colaboração entre organizações, sobretudo nesta fase mais restrita da computação quântica.

Resta esperar pelos trabalhos de gigantes como a IBM, Google, Intel, D-Wave e Atos para saber se a computação quântica é mesmo capaz de resolver os problemas do mundo e criar novos negócios que, para já, ainda são inimagináveis para a maioria das pessoas. A Microsoft promete, antes de 2019, um “grande avanço” na área.

* Este artigo foi originalmente publicado na edição de 2 de dezembro de 2018 do Dinheiro Vivo