David Carson. 62 anos. Voz que faz lembrar a do ator Clint Eastwood. Sobrancelhas despenteadas. Um relógio em cada pulso. Amante de surf. Lenda viva do design.
O norte-americano é considerado como uma das figuras mais influentes das últimas décadas na área do design gráfico. Sobretudo na década de 1990 e no início dos anos 2000, David Carson foi uma verdadeira ‘rock star’ para todos aqueles que gostam de design em geral.
Facto interessante: nem sequer estudou design. Em termos de educação estamos perante um sociólogo, o que não impediu – e quem sabe até contribuiu – de atingir o estatuto que tem.
Ficaram famosos os seus trabalhos para a revista Ray Gun, dedicada ao rock alternativo. Há rasgos de criatividade que ainda hoje são exemplos do espírito livre de Carson – por ter considerado uma entrevista da revista aborrecida, alterou a fonte da letra para Dingbat, que substitui as letras por símbolos, tornando o artigo completamente ilegível.
Carson não está muito contente com o estado atual do design gráfico. “Tornou-se muito conservador”, disse recentemente em entrevista ao Dinheiro Vivo. E parte desta opinião deve-se à influência que a tecnologia passou a ter nos processos criativos.
Quisemos saber mais da opinião do guru do design. Quisemos saber, sobretudo, o que pensa David Carson das linguagens de design de duas das maiores tecnológicas do mundo – Google e Apple.
Estas empresas, pela popularidade dos sistemas operativos Android e iOS, concentram uma grande parte do design gráfico com o qual as pessoas mais interagem no dia a dia. As tecnológicas têm ‘linhas mestras’ – aqui e aqui -que os programadores devem seguir quando estão a criar as suas aplicações.
O que por um lado ajuda a criar uma coesão visual entre serviços e facilita a interação com novas aplicações, por outro lado torna muito igual uma grande variedade de serviços.
“Há uma linha ténue entre o que é simples e aborrecido e o que é simples e poderoso. O mais bem sucedido está no meio, mas também é o mais fácil de esquecer”. Confuso? David Carson refere-se àquelas que são as políticas de design das duas empresas de tecnologia mais poderosas do mundo.
“O Google é quase não-design, e não é necessariamente num bom sentido. Simplesmente funciona, está bem assim. É difícil odiar a Google, é difícil de amar a Google. Já quando olho para a Apple, que também é muito limpa e simples, mas considero que é muito bem feita”.
O designer norte-americano diz que parte da devoção que existe dos utilizadores relativamente à marca da maçã está muito ligada à estética visual que a empresa dá aos seus produtos e componentes.
“A Apple é um exemplo de muita inteligência de design e de um trabalho poderoso, onde as pessoas gostam de ir às lojas, guardam os sacos, as caixas, tudo. O facto de ter de ser simples não devia ser uma boa desculpa para ser aborrecido. Eu diria que a Google é um pouco aborrecida”.
Estado: viciado no Instagram
David Carson não se considera anti-tecnologia, mas a verdade é que também não morre de amores por ela. “Para mim a tecnologia é uma ferramenta que me permite trabalhar mais depressa”, diz, para depois acrescentar que ainda usa programas muito básicos para fazer alguns dos seus trabalhos.
Se David Carson fosse uma balança, então estaria totalmente dividido neste tópico da tecnologia: por um lado acha que a velocidade de propagação da informação na internet tem influência no trabalho dos artistas, mas também reconhece que é justamente esta partilha imediata de informação que ajudou a prolongar a popularidade dos seus trabalhos.
“Muitas mais pessoas podem ver o meu trabalho graças à tecnologia. Só no último ano é que cheguei ao Instagram e fiquei viciado”, disse.
“A tecnologia está a crescer em si?”, perguntámos. “Sou um utilizador tardio. É por isso que não tenho um ‘zilião’ de seguidores, são uma era e mentalidade diferentes, mas estou a trabalhar nisso. Às vezes tento perceber por que razão quero mais seguidores no Instagram, de certa forma parece que preciso deles…”.
O dia em que trabalhou para as tecnológicas
Quando a Microsoft foi falar com David Carson para fazer uma campanha, a gigante de Redmond “era de certa forma odiada nos EUA”, conta o designer. “O facto de ser muito grande, de estar a tentar tomar conta do mundo e de ser demasiado competitiva” originou uma onda de contestação à empresa. Estávamos na década de 1990.
A missão final de Carson era uma: não teria de vender qualquer produto, mas teria de fazer passar a mensagem de que a Microsoft era uma empresa humana – sem estampar isso em letras no anúncio.
“Eu apareci para ajudar a tornar a marca mais amigável, sobretudo através de anúncios impressos, apenas através do uso de design, camadas, tipografias e sem dizer ‘somos amigáveis, gostem de nós’. As pessoas tinham de sentir pela campanha ‘eles não são assim tão maus, eles têm sentido de humor, eles são humanos!’”.
O desafio da Microsoft foi intrigante o suficiente para David Carson aceitar, mas não há bela sem senão. O norte-americano, habituado a usar dezenas e dezenas de tipografias diferentes, ficou limitado a uma tipologia de letra já escolhida pelo cliente. Iria trabalhar em Microsoft Gothic.
“‘O QUÊ? Tenho estas fontes mesmo porreiras com as quais tenho trabalhado, como assim têm uma fonte?’”, perguntou na altura. “Para mim, talvez essa foi uma das primeiras boas lições de como podia ter dito ‘que se lixe, não faço isto, ou é à minha maneira ou não é de maneira alguma’. Mas pensei ‘Uau, uma fonte e já está escolhida para mim, isto é mesmo intrigante, é interessante, é um desafio diferente, será que ainda consigo fazer algo com o qual fique contente e que resulte para eles?’”.
A campanha de Carson para a Microsoft acabaria por se tornar num dos trabalhos mais conhecidos, mas para a memória do criativo fica uma alteração que uma agência alemã fez ao anúncio. Em vez de assumir o estilo ‘grunge’ do artista norte-americano, a campanha quase parecia saída de um banco de imagens.
Anos mais tarde, já em 2010, a marca de áudio Bose contratou David Carson para o cargo de diretor criativo. A história repetiu-se – uma tecnológica colocava um novo desafio ao designer – ainda que em contornos diferentes.
“Depois de ter sido pequeno, independente durante tanto tempo, pensei como seria se tivesse uma equipa grande para trabalhar um produto bastante conhecido. Tinha a hipótese de reintroduzir a marca, que tem produtos de qualidade, a toda uma nova geração. Fiquei muito intrigado”.
Carson acabaria por descobrir que a cultura empresarial não estava alinhada com as suas ambições em termos de design e a aventura na Bose durou dez meses. “Foi muito frustrante em termos daquilo que consegui fazer”, admite.
Para terminar, a questão inevitável para alguém com uma experiência tão grande quanto a de Carson: o que gostava de fazer que ainda não fez? E foi assim que ficámos a saber que o guru do design enviou uma proposta de trabalho para Elon Musk.
“Sim, para a SpaceX. E ainda não tive resposta deles [risos]. Isso teria sido porreiro, porque o meu pai foi piloto de testes de avião e a SpaceX é muito progressista. Literalmente candidatei-me e literalmente nunca ouvi deles – e provavelmente não vou ouvir”.
Jornalistas: Rui da Rocha Ferreira e Nuno Taborda