Bem-vindos à era digital, que nos tem levado para um mundo de escrita constante. Das redes sociais às mensagens instantâneas, o ser humano nunca escreveu tanto. A tendência, essa, é para crescer, pelo menos até que a voz na era digital assuma a dianteira.
António Costa, o primeiro-ministro de Portugal, gosta de tirar notas no seu telemóvel e usa cada vez menos os tradicionais caneta e papel. Recentemente começou mesmo a usar um tablet com caneta digital para escrever desde assuntos de Estado até a notas pessoais. Este fait divers foi revelado na rubrica Hábitos Tech, da Insider (marca de tecnologia da Global Media) e demonstra uma tendência que há muito que deixou de ser só para alguns e se globalizou. Mesmo usando cada vez menos o papel, nunca se escreveu tanto.
O autor britânico H.G. Wells, apelidado muitas vezes de pai da ficção científica (A Guerra dos Mundos é um dos seus livros mais populares), argumentava no início do século XX que a escrita tem o potencial de “colocar acordos, leis e mandamentos num registo duradouro”. Permitiu ainda “o crescimento dos Estados e uma consciência histórica contínua”.
Para Teresa Limpo, investigadora do Centro de Psicologia da Universidade do Porto, com estudos feitos sobre a escrita, “o primeiro passo nesta área passa por dominar o instrumento da escrita”. “As crianças continuam a precisar de aprender a escrever à mão”, explica, até porque “quanto melhor escreverem à mão e quanto mais rápidos forem e tiverem a escrita automatizada, melhor vão explanar as suas ideias de forma mais fluente”.
Esse também é o ponto de partida para se aprender melhor a escrever em teclados, no digital. “Mesmo nos miúdos mais pequenos, ao escreverem bem à mão, melhor reconhecimento de letras vão ter mesmo na escrita digital”, indica a especialista que, admite, “há um impacto mais positivo na literacia vindo da escrita à mão que não se observa na escrita em teclado”, daí ser sempre melhor “começar pela escrita à mão”.
A importância de dominar o instrumento de escrita está sempre presente. “Temos visto nos nossos estudos que, para se escrever bem importam factores cognitivos e motivacionais e, quando os miúdos entram no quinto ano, por exemplo, começam a pensar na escrita em papel como algo que conta para uma avaliação, sentem-se menos motivados para ela, ao contrário do que acontece com a escrita digital que assumam como sua”, explica a investigadora.
O facto de existirem cada vez mais opções de escrita, mesmo dentro da área digital, com a inclusão em cada vez mais gadgets das canetas digitais – do smartphone Samsung Note, aos tablets Microsoft Surface ou iPad – também “tem aumentado as possibilidades de juntar ao digital o estilo de escrita à mão”.
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Mais pessoas, mais internet, mais smartphones
A era digital trouxe uma explosão nas necessidades de escrita, especialmente digital. Depois do período escolar, há muitos que praticamente deixavam de escrever por terem profissões que não envolviam a escrita. Mas com a era digital criaram-se novas necessidades associadas à escrita. Primeiro foram os e-mails e SMS, depressa chegaram os blogues, as redes sociais e os serviços de mensagens instântaneas, do WhatsApp, ao iMessage passando pelo Messenger.
A partilha escrita (e em imagens, normalmente com uma legenda associada) passou a ser uma espécie de moeda de troca da sociedade atual, a forma como nos manifestamos perante os outros, bem mais popular do que o tradicional telefonema. O Facebook pergunta cada vez que lá vamos: “Em que estás a pensar?”
Depois ainda existe a possibilidade de comentarmos em posts vistos por milhões ou milhares (nunca pudemos partilhar de forma tão alargada a nossa opinião em todo o tipo de temas), conversar em grupos online, comentar em vídeos que gostamos (onde reina o YouTube) e comunicarmos por mensagem para conhecidos ou desconhecidos.
A escrita está sempre presente, mesmo que recentemente as mensagens de voz e os assistentes digitais que acolhem comandos por voz têm estado a crescer. São vantagens da era digital (que também traz desvantagens bem conhecidas, da privacidade ao discurso de ódio favorecido nesta nova era), onde podemos deixar a nossa marca no mundo de forma repetida.
A chamada literacia (capacidade de perceber textos e escrever) aumentou exponencialmente nos últimos dois séculos. Em 1820 escrever era só para alguns sortudos, 12% da população mundial. Agora, só 17% dos seres humanos no planeta Terra continuam analfabetos e a maioria devido a problemas de educação básica nos países onde vivem. Também nunca fomos tantos no planeta. Já chegámos aos 7,7 mil milhões de seres humanos e, desses, 4,3 mil milhões são utilizadores de internet (56,8% dos humanos no planeta, de acordo com a GfK).
De acordo com o site Statista, existem já mais de cinco mil milhões de pessoas com um telefone móvel (68% do total), 2,87 mil milhões deles com um smartphone, o computador de bolso que nos convida a escrever de forma frenética, várias vezes ao dia (há já aplicações para limitar o nosso uso do aparelho viciante). E até em África, onde se estima que existam mais de 30% de analfabetismo, já existe uma penetração de internet em 37% da população muito graças aos smartphones.
Além disso, nunca vivemos tanto tempo: a esperança média de vida é hoje de 72 anos (nos países desenvolvidos esse valor é superior), quando em 1960 era de 52. Resumindo, nunca se escreveu tanto.