Fomos a Madrid perceber como funciona a operação do Facebook em Portugal e ficámos a conhecer a mulher que lidera a rede social na Península Ibérica. Irene Cano está há quase 10 anos na empresa de Mark Zuckerberg e é um exemplo de liderança feminina de sucesso.
Bem no centro de Madrid, junto à popular avenida Castellana, num edifício típico de escritórios, fica a sede ibérica da rede social mais popular do planeta. Apesar da relevância de uma empresa que gerou só nos últimos três meses de 2018, um total de 13,7 mil milhões de dólares a nível global (um crescimento de 33%), não há uma única indicação ao Facebook nem na fachada do prédio nem no lobby de entrada.
Essa postura algo secreta (para uma rede social que gera tanta polémica nem sempre é positivo dizer ao mundo onde está) muda quando entramos nas instalações da empresa, que tem dois pisos decorados de alto a baixo com indicações de Facebook, Instagram e (bem menos) WhatsApp. Há paredes de legos, zonas de comida gratuita e paredes com vegetação, como seria de esperar numa empresa liderada por um millennial.
A asturiana de Oviedo Irene Cano, que se veste num estilo executivo mas não demasiado formal, está há quase uma década no Facebook, onde lidera o mercado ibérico de Portugal e Espanha. Depois da entrevista que pode ler aqui e aqui, pudemos ficar a conhecer a diretora geral da rede social, cujo trabalho é gerir a relação com os utilizadores com os principais anunciantes do país e, claro, com as instituições. Em Espanha é considerada uma referência e uma inspiração para muitas mulheres, por ser bem sucedida numa posição de liderança há vários anos. Daí que seja presença frequente em publicações de economia e lifestyle.
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Numa série de perguntas sobre os seus hábitos tecnológicos (iremos publicar em breve o vídeo), ficámos a saber que usa tanto produtos da Apple como Android, mas acaba por ostentar mais o iPhone, iPad e MacBook (da Apple, portanto). Admite ainda que foi o “telemóvel conetado” que mudou a sua vida, não só a nível pessoal mas também a nível profissional. Em primeiro lugar, porque lhe permitiu deixar de fazer compras em espaços físicos, em segundo porque foi a passagem para o móvel do Facebook em 2012 que permitiu à empresa crescer tanto nos últimos anos.
Não é por acaso que além das apps do Facebook, usa e abuso do Glovo para comprar refeições e da app Vestiaire Collective, de uma empresa que vende luxo em segunda mão. “É uma ferramenta que, do meu ponto de vista, democratizou o luxo”, admite. Também não tem problemas em assumir é consumidora habitual de reality shows, mas prefere ver séries em streaming. Também admite seguir com atenção vários influenciadores, de muitas áreas, “desde o Cristiano Ronaldo ao Obama”, mas também vários desconhecidos.
Sobre a sua personalidade, admite que a perseverança é um dos seus fortes, mas a sua liderança também vive da “inquietude, o trabalho e a criatividade”. Além disso, uma uma otimista por natureza e adapta-se bem à mudança, sem medo. Sobre o trabalho nos escritórios em Madrid, que coordenam as operações ibéricas, admite impera uma cultura onde se medem os resultados e não o número de horas que se passam no escritório.
Segue-se uma parte da entrevista que lhe fizemos, que mostra um pouco da sua personalidade e do modo de funcionamento do Facebook em Portugal:
Ser mulher numa posição de liderança numa área tecnológica tem sido um percurso com dificuldades que hoje em dia já está mais generalizado?
Eu creio que ser mulher hoje em dia é menos complicado que há 30 anos. Para mim nunca vi que ser mulher fosse uma dificuldade para me impor nesta área e aqui no Facebook já estou há nove anos. O que acredito é que nem todas as indústrias operam como esta da tecnologia em que tenho feito carreira. A tecnologia acaba por facilitar a vida a todas as pessoas e facilita especialmente a vida às mulheres, porque lhe permite um tipo de conciliação e otimização do seu tempo e dos seus resultados, porque no final podemos dar mais visibilidade ao que fazes através da tecnologia. Mas indústrias mais tradicionais do que esta isso não acontece e claro que isso tem de mudar.
Teve dificuldades no seu percurso até aqui?
Tive algumas dificuldades, mas resolvi-as bem. Tão importante quanto saber como identificar as dificuldades e enfrentá-las é ser capaz de as solucionar e de nos focarmos no positivo e não no negativo. É essa a minha máxima, há que se positivo nesta área. Há mais mulheres agora a servirem de exemplo em posições de lideranças para as jovens e é muito importante que isso aconteça para sermos mais em carreiras tecnológicas, porque esse é o emprego do futuro e isso é imprescindível.
Como é trabalhar no Facebook, num espaço tão dinâmico, alegre, mas numa missão que influencia a vida de tantas pessoas?
A parte mais estética, onde estamos agora, é muito divertida e agradável de se trabalhar. Mas também é muito exigente, muito dinâmico e, às vezes, stressante, trabalhar aqui. É um bom resumo do que é o emprego dos dias de hoje e o que vai ser o do futuro, trabalhar em empresas que se adaptam a todas as mudanças à volta de maneira simples. E que fazem isso parte do seu ADN.
Como funciona o trabalho diário aqui em Madrid do Facebook a nível ibérico? Envolve quantas pessoas?
Não podemos dar o número concreto mas varia muito. Nesta altura do Natal temos mais gente aqui do que por exemplo, em março, por ser uma altura mais intensa. Mas há pessoas a trabalhar aqui para Portugal, para Barcelona, para Londres ou para Paris. E temos gente em Londres, Dublin, Paris ou nos EUA a trabalhar para Portugal, só na parte de segurança são muitas em vários locais. Por isso, o número de pessoas aqui não diz respeito ao número total de pessoas que trabalha para estes países ibéricos. Vivemos numa era dinâmica, com um computador e um smartphone podemos trabalhar em qualquer lugar do mundo.
A Irene tem experiência a trabalhar com grandes tecnológicas (Yahoo, Google). Como foi a sua entrada no Facebook já em 2009, o que a atraiu na empresa?
Em todas as empresas em que evolui, do Yahoo ao Google, atraiu-me sempre a experiência do utilizador. Acreditei sempre que podíamos chegar a mais pessoas porque, para mim, estas tecnológicas cobriam uma série de necessidades que existiam na sociedade e tinham progressão para o futuro. Todas estas empresas têm semelhanças, são muito dinâmicas e operam com mudanças constantes. Não me equivoquei com o Facebook. Na altura, todos pensavam que ia ser uma moda, mas uma década depois conseguimos desenvolver a comunicação do futuro e integrar de forma perfeita as novas plataformas que permitem conetar, pelo menos, 2,5 mil milhões de pessoas, com o Facebook, Instagram ou Whatsapp. Uma das principais diferenças que vi no Facebook de outras plataformas é que se centra sempre nas pessoas. E no final é um produto criado por pessoas e para pessoas, com elas no centro de todas os desenvolvimento que fazemos e isso é a chave do êxito dos produtos. No final do dia, todas estas plataformas estão integradas dentro de uma missão comum que é criar comunidades e fazer o mundo um lugar mais próximo, e estamos a ver os resultados, com mais ou menos polémica.
Quase 10 anos numa empresa tecnológica é muito tempo (em 2009 o Facebook tinha 260 milhões de utilizadores). Quais foram os grandes marcos neste período na empresa?
Ui, muitos, e muito interessantes de experienciar. Destacaria a mudança para o móvel. Foi na altura em que identificamos que não estávamos a fazer essa área bem e decidimos migrar a plataforma também para o móvel. Foi fulcral para o sucesso da empresa nos anos seguintes – foi em 2012. Claro que as decisões de ter produtos como o Messenger ou as Stories no Instagram e no Facebook e a entrada do WhatsApp foram estratégicas. A importância que demos ao vídeo e a todo o storytelling, esse componente visual que a internet tem neste momento, também tem sido importante. Fomos capazes de antecipar estas necessidades, que não é mais do que a consequência de escutar as pessoas que estão dentro da plataforma. No final construímos tudo isto ouvindo as pessoas.
Tanto crescimento em tão pouco tempo traz novos desafios?
É muito exigente, mas também é muito gratificante. Uma das principais máximas da empresa é focar-se no impacto que consegue ter. Nesta empresa vemos essa impacto todos os dias e vemos como a missão da empresa é palpável, dentro de cada escritório e para todos os trabalhadores que formam parte do grupo Facebook. A missão da empresa é cada vez mais dar às pessoas o poder de criarem comunidades que os aproximem do mundo e há milhares de exemplos de comunidades que estão a juntar pessoas com objetivos e interesses comum.
O que distingue Portugal a nível de operação no Facebook, desde a relação com os anunciantes até às comunidades?
O Facebook de cada país é um reflexo do que acontece na sociedade. O uso que se dá ao Facebook, WhatsApp e Instagram é muito similar a nível europeu, mas a nível de negócio estamos a notar o efeito da situação económica em Portugal, que é boa nesta altura. O negócio em Portugal está a correr muito bem e vai bem porque as indústrias tradicionais estão bem, mas sobretudo o investimento estrangeiro cresce e isso está-se a notar muito nas startups, que é um negócio florescente para Portugal e, claro, para o Facebook. Para uma startup ou uma PME entrar no Facebook é estratégica, por pode estar num espaço onde estão os seus clientes potenciais e ter acesso a ferramentas de marketing relevantes. 88% dos utilizadores em Portugal que estão no Facebook, estão ligados no mínimo a uma empresa dentro de Portugal; e 83% estão ligados no mínimo a uma empresa fora de Portugal. O Facebook e Instagram estão a converter-se em plataformas que permitem às empresas transcenderem as suas fronteiras. Há muitas delas que operam noutros mercados graças ao Facebook e sem necessidade de sair fisicamente de Portugal.
Há pedidos específicos dos clientes, eles são muito exigentes? Nunca consideraram ter um escritório em Portugal?
Sim, são muito exigentes. Viajamos constantemente a Portugal. Cada uma das equipas faz visitas para estar com os clientes. A equipa de grande consumo que faz beleza, visita a L’Oreal, a equipa de viagens visita a TAP ou o Turismo de Portugal. E a equipa de agências tem uma presença contínua, todas as semanas, em Portugal. Já chegámos a ter espaços de trabalho em Portugal, sempre que precisámos, mas nunca tivemos escritórios, nem pensamos ter para já, porque o objetivo concreto é ir ver os clientes. O escritório é o telemóvel.
Por quantos euros é que fecharia a sua conta do Facebook? O valor é surpreendente