Se tudo correr bem após o teste de hoje, quarta-feira, a SpaceX, uma das várias empresas da galáxia de Elon Musk, poderá tornar-se na primeira companhia espacial do setor privado a conseguir completar uma fase decisiva: colocar humanos em órbita num veículo próprio.
Mais de 50 anos depois de o Homem ir à Lua, as idas até à Estação Espacial Internacional (ISS, na sigla em inglês) podem não representar o mesmo desafio ou ter a mesma magia, mas para a SpaceX é uma verdadeira prova de fogo. No ano em que atinge a maioridade, a empresa de exploração aeroespacial criada por Elon Musk poderá tornar-se na primeira empresa privada a conseguir ultrapassar com sucesso a saída da Terra e acoplagem à ISS, num veículo totalmente novo.
A fasquia está alta e vários fatores, como a meteorologia e a tecnologia, entram em cena para ditar o sucesso da missão que, em conjunto com a NASA, a SpaceX lançará esta quarta-feira a partir do Cabo Canaveral, na Florida. Quando o relógio marcar as 16h33 na Florida (21h33 em Portugal Continental), os astronautas da NASA Bob Behnken e Doug Hurley sairão da atmosfera terrestre para executar a missão Demo-2 e, se não existirem problemas a bordo, chegarão à ISS 19 horas depois. A dupla é composta por astronautas veteranos, que há mais de dois anos estão a trabalhar com a NASA e a SpaceX nesta missão, integrada no programa Commercial Crew da agência norte-americana.
A indústria estará de olhos postos neste teste na organização de Musk, que tem como grande objetivo perceber se todo o trabalho e dinheiro investido num veículo criado por uma empresa aeroespacial privada consegue aguentar a pressão. Caso seja bem-sucedida, será um marco para a indústria aeroespacial comercial e um abrir de portas para o turismo espacial, que não tem escondido a vontade de explorar o Espaço.
Por outro lado, representará também outro nível de independência para a NASA, após o fim do Space Shuttle, em 2011. Há quase nove anos que todas as viagens de astronautas da NASA e parceiros até à ISS são feitas a partir de uma cápsula russa, a Soyuz, com capacidade para três pessoas. Desde 2011 que não são feitos lançamentos a partir dos Estados Unidos e a agência espacial norte-americana paga uma pesada fatura, já que esta é a única opção disponível – cerca de 80 milhões de dólares por cada astronauta.
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A SpaceX está a trabalhar há seis anos na cápsula que levará os dois astronautas, que recebeu o nome de Crew Dragon. Não será a primeira vez que esta cápsula faz este tipo de missões, mas é uma estreia com humanos a bordo – e logo dois. Em março de 2019, a SpaceX conseguiu levar Ripley, uma boneca astronauta recheada de sensores até à ISS para testar o sistema de acoplagem da cápsula. Ripley, batizada em jeito de homenagem à personagem Ellen Ripley do filme de 1979 Alien, regressou sã e salva à Terra, mas a missão com humanos é mais desafiante, numa missão em que tudo é novo – a cápsula, os painéis, fatos, etc. Ripley serviu para a SpaceX perceber e tentar replicar o comportamento do corpo humano a bordo da cápsula, mas a resposta dos dois astronautas, por mais experientes que sejam, é ainda imprevisível.
Mais tarde, após o teste com a boneca, a SpaceX experimentou, também com sucesso, o sistema de emergência da cápsula. Mas nem tudo é um mar de rosas neste percurso: também
houve falhas e até explosões ao longo destes anos e adiamentos consecutivos de testes. No final, tudo foi apontado pela SpaceX como “presentes” e aprendizagens para chegar àquilo que defendem ser um veículo mais seguro, fortemente escrutinado pela NASA.
Ultrapassar as rivais
Quando a NASA lançou o programa Commercial Crew, há alguns anos, atribuiu 3,14 mil milhões de dólares à SpaceX e 4,8 mil milhões à Boeing para que as duas empresas desenvolvessem o seu próprio veículo alternativo. Contrariando a habitual filosofia – a NASA usará os veículos mas não será proprietária dos mesmos -, a agência estabeleceu que até 2024 as duas empresas precisam de conseguir completar com sucesso seis viagens com quatro astronautas cada.
Embora ambas tenham ultrapassado contratempos, a SpaceX conseguiu chegar primeiro a esta fase decisiva, mostrando que, pelo menos por agora, está um passo à frente nesta disputa. A atual crise que a Boeing atravessa, iniciada com a queda dos aviões 737 Max, continua a gerar dúvidas sobre quando é que a empresa poderá fazer um teste com humanos. Neste momento, a empresa está ainda a corrigir aspetos técnicos na cápsula Starliner, que foi testada em dezembro de 2019.
No contexto do programa criado pela NASA para levar humanos até à ISS e aliviar a dependência de outros países, a SpaceX tem apenas uma rival mas, se se olhar para o setor das empresas privadas de exploração espacial há margem para outros concorrentes de peso, como por exemplo a Blue Origin, de Jeff Bezos, o dono da Amazon.
Um lançamento no meio de uma pandemia
A pandemia de covid-19 veio tirar à SpaceX alguma da pompa e circunstância esperada num momento como este. Se outrora seria expectável alguma aglomeração nas redondezas para assistir ao lançamento, agora, com os EUA como um dos países mais afetados pela covid-19, as deslocações são desaconselhadas. Toda a missão terá de cumprir questões de distanciamento social, inclusive para quem fica em Terra a prestar auxílio.
Sendo também dono da empresa de veículos elétricos Tesla, seria de esperar que Elon Musk quisesse cimentar a presença de outra das suas criações neste momento. Assim, a viagem dos astronautas até ao foguetão Falcon 9, que lançará a cápsula para o Espaço, será feita num Tesla Model X decorado com a identidade visual da NASA.
Curiosamente, o lançamento será feito a partir do Launch Complex 39A, um local representativo para a exploração espacial norte-americana. Foi de lá que, no final dos anos 60, foi feito o lançamento do Saturn V, que em 1969 levaria a humanidade até à Lua e de onde partiram as primeiras e últimas missões do Space Shuttle.
A dupla de astronautas entrará depois na cápsula e, já com Behnken e Hurley a bordo, será feito o abastecimento de combustível – algo que é controverso para a comunidade, preocupada com o risco de explosão.
Se tudo correr como previsto, doze minutos depois do lançamento a cápsula entrará em órbita e, já no dia seguinte, a dupla chegará até à Estação Espacial Internacional, onde estão Chris Cassidy e os astronautas russos Anatoly Ivanishin e Ivan Vagner. De acordo com os meios especializados, a NASA ainda não terá tomado a decisão sobre quanto tempo é que Behnken e Hurley ficarão a bordo da ISS; mas é expectável que a estadia dure alguns meses. Ainda assim, a permanência na ISS será limitada, já que a cápsula Crew Dragon tem um tempo de vida limitado no Espaço. Quando for tempo de regressar à Terra, a cápsula fará a separação da ISS e arrancará a viagem de regresso. Mais tarde, é previsto fazer uma aterragem no Atlântico, na costa da Flórida.
Será possível acompanhar o lançamento deste momento que promete ditar o destino da SpaceX através dos canais oficiais da NASA.
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