“Legislação está a atrasar os carros voadores, não é a tecnologia”

Tom Raftery | SAP | Carros voadores
Tom Raftery é vice-presidente global, evangelista de inovação e futurista na tecnológica alemã SAP. Esteve em Portugal no grande evento anual da subsidária portuguesa. Foto: SAP

Vêm aí grandes mudanças na forma como as pessoas deslocam-se nas e entre cidades: eletrificação dos veículos, carros voadores, condução autónoma e novos modelos de negócio.

“Vais ter uma aplicação no smartphone ou no relógio, dizes para onde precisas de ir, chega um carro autónomo ou um drone aterra à tua frente, dependendo de onde estiveres. Fechas a porta, colocas o cinto de segurança, pegas num livro ou num iPad e leva-te até lá”.

É assim que Tom Raftery, vice-presidente global e futurista da tecnológica SAP, acredita que vai ser a mobilidade nas maiores cidades dentro de uma década.

“Acho que isso [carros voadores] vai ser uma realidade, acho mesmo. A única coisa que está a atrasar os carros voadores é a legislação, não a tecnologia. Os programas de carros voadores, como os da Uber, eles vão acontecer. Há muitas pessoas a perseguir este objetivo. A Boeing, a Airbus, a Lilly e mais algumas empresas”, acrescentou em entrevista à Insider.

Enquanto especialista na área da Internet das Coisas, Tom Raftery acredita que as transformações na área da mobilidade vão alterar a própria estrutura das cidades e isso poderá não ser um processo totalmente pacífico, à semelhança do que já aconteceu com muitas outras revoluções tecnológicas.

“Não gostaria de estar a gerir uma frota de autocarros citadinos neste momento, porque se vais ter carros autónomos a andar por metade ou até um décimo do teu preço, o teu serviço já não vai ter utilidade”, atirou o executivo.

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Os fornecedores de serviços de autocarros provavelmente vão apostar em autocarros elétricos autónomos, o que ajudará a ‘combater’ os veículos que conduzem sozinhos, mas para Tom Raftery, o problema está noutro elemento. “Os autocarros têm rotas fixas – a não ser que possam ser mais dinâmicos nas rotas, eles vão ficar em apuros. Talvez façam rotas dinâmicas”.

Os meios de transporte também vão deixar de ser simples equipamentos para ir do ponto A ao ponto B. Como num táxi poderá já não haver para interagir, então o veículo ganha uma dimensão mais comercial e profissional.

“O veículo no qual estás, é menos provável que seja teu e se é menos provável que seja teu, então torna-se um espaço para fazer compras, para ver publicidade, vai haver máquinas de venda automática com comida e bebida. Se pensares, hoje as tuas viagens de avião são filmes, comida e bebida. Nos veículos vai ser a mesma coisa. (…) Ou um espaço para reuniões”.

À medida que mais modalidades de transporte ficam disponíveis, coordená-las vai ser um elemento crucial na vida das cidades. Caso contrário, entre veículos conduzidos por pessoas, carros autónomos, autocarros, carros voadores, bicicletas sem doca, skates ou trotinetas elétricos, o caos pode instalar-se com relativa facilidade.

“Se tiveres plataformas inteligentes com as quais estes dispositivos podem comunicar, então podes ultrapassar muitos desses problemas”, acredita Tom Raftery.

“Daqui a cinco anos um carro de combustão vai ter zero valor de revenda”

Antes dos carros voadores e dos veículos autónomos com vending machines, a mobilidade nas cidades vai ser impactada por um outro fenómeno: a eletrificação dos veículos.

“Em 2022 ou 2023, os carros standard como o Volkswagen e-Golf, como o Passat, como qualquer outro, os Chryslers, entre outros, vão ser mais baratos na versão elétrica do que os correspondentes com motor de combustão. Será mais barato, à partida, comprar um carro elétrico do que um com motor de combustão”, defendeu Tom Raftery.

É por esse motivo que o futurista acredita que “daqui a cinco anos um carro de combustão vai ter zero valor de revenda”.

Esta é uma realidade que à luz dos factos atuais parece difícil de digerir – a quase totalidade dos veículos que circulam nas estradas são movidos a combustíveis fósseis e a rede de carregamentos elétricos ainda é escassa.

Em Portugal, entre janeiro e abril, venderam-se 1.184 veículos elétricos, um número pequeno em comparação com os mais de 59 mil veículos com motor de combustão vendidos entre janeiro e março deste ano. Ainda assim, as vendas de veículos elétricos representam um crescimento de 170% em comparação com igual período do ano passado, o que mostra uma mudança de mentalidade.

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“Isso vai começar a surtir efeito, à medida que a palavra se espalha – os veículos elétricos estão a chegar e vão ser uma realidade. No próximo ano vai haver um grande número de lançamentos de veículos elétricos”.

Tom Raftery acredita que a tecnologia dos carros elétricos vai começar a falar por si e a realidade das poupanças vai mexer com a cabeça dos consumidores.

“Vão ser muito mais baratos no preço por quilómetro, primeiro porque são alimentados a eletricidade que é mais barata do que a gasolina ou o diesel; e depois têm zero custos de manutenção em comparação com um carro com motor de combustão. A autonomia vai ser medida em milhares de quilómetros. O alcance vai ser uma questão para os carros com motor de combustão, não para os carros elétricos”.

Enquanto as autonomias dos carros elétricos atuais mais populares variam entre os 200 e os 300 quilómetros, daqui a cinco anos Tom Raftery acredita que as autonomias podem chegar aos mil quilómetros, graças aos avanços tecnológicos.

Apesar da melhoria gradual do ecossistema dos carros elétricos, a sua democratização ainda vai demorar pelo menos uma década. Tom Raftery diz que, em média, os europeus trocam de carro a cada dez anos, portanto será preciso esperar uma década para que muitos dos condutores atuais passem para o lado dos veículos elétricos.

“O meu próprio carro atual é um veículo com dez anos, é um Toyota Prius, é um híbrido, tem 100 mil quilómetros. Estou a procurar um carro novo. Não vou comprar um carro com motor de combustão, mas as opções de veículos elétricos atuais são muito limitadas e a autonomia não é a ideal. Então estou a pensar esperar mais doze meses, porque o que aí vem vai ter muito mais autonomia e vai ter preços mais baixos”, confidenciou, para depois acrescentar:

“É como comprar um portátil, nunca há uma altura certa, pois não? Há sempre modelos mais rápidos e baratos a sair”, disse, entre sorrisos.