Como Portugal está a contribuir para a primeira ligação de internet quântica da Europa

Yasser Omar | internet quântica
Yasser Omar é membro do Instituto de Telecomunicações e professor no Instituto Superior Técnico. Foto: João Silva/Global Imagens

Instituto de Telecomunicações está a criar parte importante da internet quântica. Tecnologia permite criar sistemas de comunicação ultrasseguros.

Está a nascer uma nova geração de máquinas, chamadas de computadores quânticos, que consegue resolver problemas que são inacessíveis até para os supercomputadores mais potentes da atualidade. Em dois minutos um computador quântico consegue processar informação que as máquinas atuais demorariam mil milhões de anos a fazer.

Uma nova geração de computadores precisa de uma nova geração de internet e é nesta área que a Europa está a dar os primeiros passos. Até ao início de 2020, a Aliança da Internet Quântica (QIA na sigla em inglês), um consórcio de várias entidades europeias, prevê ter a primeira ligação de internet quântica entre duas cidades, nos Países Baixos. Até ao final desse ano, quer ter ainda uma rede que já liga quatro cidades no país.

Portugal está a ter um papel ativo na criação da internet do futuro. O Instituto de Telecomunicações está a desenvolver novos protocolos que permitem o encaminhamento de mensagens dentro desta nova geração de Internet.

“Quando tivermos internet quântica, quando for uma rede grande e complexa, temos de ter maneira de encaminhar a mensagem. Posso ter muitos caminhos possíveis e tenho que escolher um caminho que funcione, qual o melhor caminho e aquele que consome menos recursos”, explicou Yasser Omar, também professor no Instituto Superior Técnico, e um dos quatros investigadores portugueses que está envolvido no projeto.

“No futuro, a internet quântica vai ser muito parecida com a que temos atualmente. Mas em vez de enviares bits clássicos, envias bits quânticos (qubits)”, detalhou depois Stephanie Wehner, coordenadora da Aliança da Internet Quântica, também em entrevista, durante a sua passagem, esta semana, por Lisboa.

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A Fundação Calouste Gulbenkian recebeu esta semana aquela que foi a primeira reunião que juntou todos os parceiros da QIA. Mais de 90 dos melhores cérebros europeus sobre computação quântica estiveram na capital para falar sobre o planeamento deste projeto, que tem um financiamento de 10 milhões de euros e que vai durar três anos.

Num computador quântico tens de ter qubits suficientes para conseguires executar uma computação que não pode ser feita no mesmo período de tempo por supercomputadores clássicos. Já na internet quântica, um dispositivo muito simples que esteja preparado para medir um qubit de cada vez, podes atingir algumas coisas que são impossíveis na internet clássica“, acrescentou ainda a investigadora.

“Portugal não pode ficar atrás”

Uma das primeiras vantagens desta nova tecnologia será a criação de novas ferramentas de comunicação ultrasseguras. Devido às propriedades específicas da física quântica, além de um bit quântico ser impossível de copiar, é possível criar uma ligação privada entre bits quânticos, chamada de entrelaçamento, que também é impossível de reproduzir.

Uma das primeiras aplicações desta nova rede de comunicações vai ser a chamada distribuição de chaves quânticas (QKD na sigla em inglês). “Faço dois qubits que estão entrelaçados, envio um para ti e podemos verificar se o qubit que te estou a enviar está entrelaçado – a resposta é sim ou não. Se a resposta for sim, podemos medir estes qubits para produzir uma chave. Se soubermos que estes dois qubits estão entrelaçados, então sabemos que mais nada no universo pode partilhar aquela entrelaçamento. É uma conexão inerentemente privada”, explicou a coordenadora do QIA.

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“Num mundo em que a segurança tem uma grande procura e um computador quântico pode quebrar os algoritmos de encriptação que usamos atualmente, podes usar a internet quântica para atingires comunicações verdadeiramente seguras”, disse Stephanie Wehner.

Um dos grandes desafios do projeto é conseguir garantir ligações quânticas de longo alcance, algo que só será possível graças a repetidores quânticos – uma parte da tecnologia que ainda está a ser desenvolvida.

“O que estamos a fazer neste projeto específico, estamos a trabalhar em algumas coisas para trazer a tecnologia a longas distâncias, como o repetidor quântico, estamos a trabalhar na criação destas redes multi-nó que ligam mais computadores quânticos e também temos uma iniciativa para criar um pacote de software, para que qualquer pessoa, incluindo tu, possa executar as suas próprias aplicações neste hardware quântico”.

É aqui que o Instituto de Telecomunicações se destaca. “Nós temos que arranjar uma forma de distribuir o entrelaçamento ao longo da rede – isso chama-se o routing quântico. Temos estado a desenvolver protocolos novos originais, que ainda ninguém fez, e que funcionam quando há ruído”, salienta Yasser Omar. “Nós encontramos uma forma de conseguir fazer routing mesmo em circunstâncias adversas, que serão muito mais próximas da realidade”, acrescentou.

Se está a pensar quando é que poderá ter acesso a esta nova geração de internet, Stephanie Wehner diz que o plano é tornar, em 2021, esta rede avançada numa ferramenta de acesso público, “para que as pessoas possam experimentar e testar novas ideias”. Mas não espere ter uma versão quântica do Facebook tão cedo.

O grande objetivo no final do projeto é criar um plano técnico que permita a diferentes países construírem as suas próprias ligações de internet quântica, para que uma rede europeia de comunicações de nova geração possa nascer o quanto antes. “Portugal não pode ficar atrás e mais cedo ou mais tarde terá que fazer alguma coisa nesta área”, desafiou Yasser Omar.

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