Pode uma árvore ter uma identidade própria e contratar pessoas para tratar de si? Para uns é um cenário utópico, mas para Rutger van Zuidam é uma realidade a apenas alguns anos de distância.
E se aparecesse uma tecnologia que fizesse pelo mundo financeiro o mesmo que a internet fez pelo mundo da informação? E se ninguém controlasse essa tecnologia, nem mesmo governos? Foram estas as questões que levaram Rutger van Zuidam a ‘mergulhar’ no mundo da blockchain em 2011.
Na altura, ainda a economia global recuperava do desastre financeiro de 2008 e a moeda digital Bitcoin estava na sua primeira fase de crescimento. “Fiquei intrigado e depois de investigar senti que era preciso começar um diálogo sobre a tecnologia”, conta o holandês, em entrevista à Insider.
A blockchain é uma tecnologia que permite criar bases de dados distribuídas e de registos imutáveis – uma vez na blockchain, para sempre na blockchain. Estas plataformas podem ser públicas – verificáveis por todos – ou privadas, em que a verificação só pode ser feita por um pequeno grupo de utilizadores.
Mas falar não era suficiente para Rutger – ele queria ação. E nada melhor do que criar uma maratona de programação para acelerar o interesse pela tecnologia de blockchain. A primeira Odissey, como é chamada, decorreu em 2017 e a terceira edição, realizada este ano, já juntou mais de 1.500 pessoas na Holanda.
“Tens esta infraestrutura pública digital que não tem dono, todos a podem usar, é em código aberto, todos podem construir aplicações em cima desta infraestrutura, podes construir todo o tipo de produtos e serviços, o potencial é ilimitado”, explica Rutger van Zuidam.
“Porque é aberto, porque não tem dono, é como a internet, ninguém é dono da internet, ninguém é dono do protocolo de email, todos o podem usar e isto é o que me entusiasma mais. Aquilo no qual estou mais interessado são as blockchains públicas. As blockchains privadas são boas para treinar, mas elas não vão ter o mesmo impacto que as blockchains públicas”.
É este perfil aberto e descentralizado que faz o holandês acreditar no potencial da tecnologia blockchain – o devolver às pessoas, e até à natureza, o poder sobre si próprias.
“Já existem projetos em que tens florestas que são donas de si próprias, estão a tentar isso, tens rios que têm direitos. Podemos dar ao rio uma identidade? Se sim, podemos dar-lhe uma carteira. E se lhe dermos uma carteira, pode contratar pessoas para fazer coisas por si, certo?”, questiona o também professor Singularity University. “Isto é incrivelmente poderoso”.
Leia também | Este vestido foi leiloado por 9500 dólares… mas só existe no mundo digital
Por muito loucos que estes projetos possam parecer, é neles que Rutger van Zuidam acredita, mais até do que em tecnologias de blockchain privadas que estão a ser desenvolvidas por algumas empresas e que, na prática, não tiram proveito dos elementos de transparência, imutabilidade, segurança e descentralização que estas ferramentas permitem.
“Permitir a qualquer pessoa do mundo contribuir de forma eficaz, é o que precisamos para muitos problemas do século XXI (…) e que não podem ser resolvidos por uma organização, apenas podem ser resolvidos através de um ecossistema de colaboração em massa. E este tipo de colaborações precisa de uma infraestrutura digital pública para que possa funcionar. É aqui que a blockchain entra”, sublinha o também professor e que esteve na semana passada em Cascais como convidado da SingularityU Portugal, instituição está a trazer especialistas internacionais para formar empresas portuguesas.
Rutger admite que apesar de todos os benefícios da blockchain, “não vai erradicar a fraude, a corrupção e as mentiras”. “Tudo isto são comportamentos humanos. Penso que precisamos não tanto de olhar para o lado da tecnologia, precisamos de olhar mais para o lado humano. (…) Se conseguirmos criar um novo sistema operativo para a sociedade, na qual podemos trabalhar todos juntos à escala global em coisas que pensamos que são importantes, então penso que estamos a criar um mundo melhor”.
Mas se a blockchain promete ter um impacto tão grande, tal como Rutger apregoa, então por que razão o primeiro projeto de todos desta tecnologia, o Bitcoin, ainda não tem uma escala de adoção maior?
“Ao usar Bitcoin, como é que a minha vida vai melhorar? A resposta não pode ser porque o Bitcoin vale 20 mil dólares. O Bitcoin não deve estar lá para tornar as pessoas mais ricas, deve estar lá para tornar as vidas das pessoas melhores, porque agora temos a infraestrutura pública digital para as finanças onde podemos libertar toda a criatividade humana e podermos melhor programar o dinheiro e as transações”, defende o investigador.
Blockchain tem uma nova missão: evitar intoxicações alimentares