Chegada de computadores quânticos pode colocar em causa segredos de Estado que atualmente são considerados como seguros. Investigador lança alerta sobre falta de estratégia para esta nova área tecnológica.
Estamos ainda na etapa inicial daquela que pode ser uma revolução tecnológica tão grande ou maior do que a criação do computador pessoal e da internet. As tecnologias quânticas, sobretudo através dos computadores quânticos, vão permitir alcançar objetivos até agora impossíveis de concretizar pela falta de poder das máquinas atuais.
Yasser Omar, investigador do Instituto de Telecomunicações e do Instituto Superior Técnico, já leva 20 anos de experiência neste domínio e não tem dúvidas em dizer: “São tecnologias de soberania. Portugal não pode ficar para trás”.
Um computador quântico é capaz de fazer em 100 segundos o que até para o mais potente dos supercomputadores da atualidade levaria mil milhões de anos, como explicou Julie Love, diretora de desenvolvimento de negócio quântico na Microsoft, numa entrevista recente à Insider. “Chegamos a este ponto em que a tecnologia quântica está pronta para ser usada e escalada”.
Os computadores quânticos são muito diferentes dos computadores que usámos no dia-a-dia porque o processamento da informação é feito seguindo as regras da Física Quântica. Num computador tradicional a informação é processada em 0 e 1 (bits), enquanto num computador quântico a informação pode ser 0 e 1 ao mesmo tempo (bits quânticos ou qubits), o que aumenta de forma exponencial a capacidade de processamento de informação.
“O poder computacional é importante para muitas questões: para a sociedade, para a investigação e para as empresas. Mas ter poder computacional é uma tecnologia de soberania. (…) Se [a tecnologia quântica] resultar não queremos ficar de fora, porque quem tiver essa tecnologia tem um poder muito grande”, sublinha Yasser Omar.
Stephanie Wehner, que é coordenadora da Aliança da Internet Quântica, um projeto europeu que reúne os melhores investigadores da área, dá um exemplo claro do que pode estar em causa com estas novas tecnologias.
“Assim que um computador quântico ficar online, pode quebrar os esquemas de encriptação que temos atualmente. Mas se estamos a partilhar os dados agora, por que razão preciso de preocupar-me com o computador de amanhã? O problema é que alguém pode gravar agora os teus dados e quando tiver um computador quântico, daqui a sete ou oito anos, pode ir verificar aquilo que disseste. Podem ser conversas privadas que não são tão importantes, mas para um governo pode ser muito importante”, começou por explicar à Insider.
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“Não queremos que a tua informação classificada seja desencriptada daqui a alguns anos quando existirem computadores quânticos. Esta é uma boa razão para teres segurança quântica agora e não esperar até que os computadores quânticos consigam quebrar aquilo que estamos a dizer atualmente”, acrescentou.
Yasser Omar reforça esta ideia. “Se estas tecnologias vingam, quem as dominar tem uma capacidade de comunicação privada que mais ninguém tem, tem uma capacidade de processamento de informação – que tem aplicações estratégicas na soberania – que mais ninguém tem”.
Portugal tem dado passos importantes nas tecnologias quânticas: as primeiras parcerias já foram anunciadas, o país está a contribuir para a criação da primeira ligação de internet quântica na Europa e também já há empresas portuguesas a explorar este novo domínio tecnológico. Portugal conseguiu ainda assegurar financiamento europeu para dois projetos de tecnologias quânticas.
Isto acontece, segundo Yasser Omar, porque “temos capacidade científica e tecnológica, temos conhecimento e temos experiência”. “Isto mostra que temos capacidade, em Portugal, para ir buscar este financiamento, ultracompetitivo, em que a maior parte dos grupos da Europa não conseguiram”. Mas nem tudo é positivo no que diz respeito à forma como Portugal tem abordado esta nova vaga tecnológica.
“Não vi ninguém em Portugal a pensar como vão ser os próximos dez anos nesta área, o que é que é estratégico, quais são os nichos em que Portugal pode apostar e ser competitivo a nível internacional, quais são as áreas em que possa não ser tão competitivo. De qualquer maneira não pode ficar para trás, não pode ficar atrasado. Isto tem de ser pensado, tem que ser refletido de forma intelectualmente honesta e a pensar no país, não só a pensar se uma instituição vai receber X ou Y”, avisa o especialista. “Portugal precisa de uma estratégia para desenvolver isto de forma séria”.
Uma nova corrida global
A estratégia mais palpável está a ser definida a nível europeu, tendo a União Europeia destinado mil milhões de euros para financiar projetos e investigações de tecnologias quânticas num período de dez anos – um programa que é conhecido como Quantum Flagship.
Mas o investimento europeu é pequeno quando comparado, por exemplo, com o que a China está a fazer – o equivalente a nove mil milhões de euros na criação de um superlaboratório dedicado a tecnologias quânticas. Os EUA também têm um programa público de apoio às tecnologias quânticas, na ordem dos 1,7 mil milhões de euros, mas a seu favor joga ainda o facto de ter algumas das maiores tecnológicas que estão a apostar nesta área, casos da Microsoft, IBM, Intel e Google.
“Existem grandes esforços na China e também nos EUA. Relativamente aos chineses, eles estão mais avançados na internet quântica por satélite. Diria que os chineses estão mais avançados no domínio do espaço. Já no que diz respeito a criar redes de longa distância no solo, rede quânticas avançadas, diria que a Europa está à frente”, exemplificou Stephanie Wehner, a propósito dos primeiros resultados dos mega-investimentos que estão a ser feitos.
Mas há uma grande diferença entre aquilo que a Europa e as outras superpotências estão a fazer: o Quantum Flagship é um programa civil, enquanto os outros dois têm também um grande foco na área militar.
“Na China e nos EUA eles dizem abertamente que uma motivação muito grande para estes programas de tecnologias quânticas é a defesa. A motivação para as tecnologias quânticas é a defesa porque isto são tecnologias de soberania”, voltou a defender o professor do Instituto Superior Técnico.
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