Documentário da Netflix tem suscitado o debate sobre as diferenças culturais do trabalho nas duas maiores potencias mundiais.
Chama-se “American Factory” – em português “Uma fábrica americana” e é um novo documentário da Netflix, produzido por Michelle e Barack Obama, sobre uma fábrica chinesa em Ohio, nos Estados Unidos (EUA). Apesar de este serviço de streaming não estar disponível na China, são já centenas de milhares as pessoas que o viram, fazendo crescer o debate sobre a relação entre as duas maiores economias do mundo.
O documentário de 115 minutos tem levantado a discussão nas redes sociais chinesas e já deu origem a dezenas de análises, promovendo o debate sobre a globalização, as diferenças culturais, a automação e os direitos dos trabalhadores, noticia a MSN Money.
“Uma fábrica americana” retrata a compra e a conversão de uma fábrica da General Motors nos arredores de Dayton, nos EUA, por uma empresa chinesa administrada pela Fuyao Glass. O documentário começa com um tom otimista, mas o choque de culturas de trabalho – especialmente na questão da sindicalização – depressa toma conta da fábrica.
As complexidades do tema são evidentes nas reações provocadas na China, numa mistura de auto reflexão e defesa, numa altura em que a guerra comercial com os EUA não mostra sinais de fim.
O choque entre os trabalhadores americanos e as chefias chinesas mostradas no documentário pode ter por base os diferentes modelos de negócio que ambos os países promovem, escreveu um <em>blogger</em> chinês, Liu Run, na sua plataforma We Chat, que teve mais de 40 mil visualizações. O mesmo adiantou que a postura insensível da administração da Fuyao justificava-se pelo facto de o sucesso da fábrica depender apenas da minimização dos custos, ao invés do investimento em inovação.
Conflito cultural
Em várias publicações e comentários, os internautas chineses dissecaram as diferenças entre trabalhadores americanos e chineses. No documentário, os primeiros queixam-se das longas horas de trabalho e expressam preocupações com os riscos de segurança e proteção ambiental, levando-os a formar um sindicato. Enquanto isso, os trabalhadores chineses trabalham mais horas, prestam pouca atenção à segurança e oferecem pouca resistência aos pedidos dos chefes.
“Quando os esforços de sindicalização falharam, o trabalhadores chineses pareceram ficar ainda mais felizes do que os chefes”, disse Joe Zhou, que trabalha no setor dos media, acrescentando que “têm Síndrome de Estolcomo”.
Na China, todas as empresas têm um sindicato de trabalhadores. Mas essas organizações não estão diretamente envolvidas na negociação de salários e benefícios. O seu principal objetivo é planear atividades em grupo e distribuir presentes em épocas festivas. No caso da Fuyao, o sindicato é liderado pelo cunhado do presidente, que descreve a organização e a empresa como “duas engrenagens que rodam juntas”.
Media do Estado
Os media sob a tutela do governo enquadraram o documentário diretamente na longa disputa comercial entre a China e os EUA, usando-o para reforçar os argumentos de que os EUA precisam de investimento chinês para criar empregos e que uma dissociação económica é insustentável.
A emissora estatal CCTV publicou um artigo nas suas redes sociais, apontando o papel crucial que Ohio desempenhou na vitória eleitoral de Donald Trump, em 2016, e de como o atual presidente norte-americano prometeu trazer mais postos de trabalho para o estado. “No entanto, a General Motors fechou outra grande fábrica no estado no início deste ano”, escreveu a CCTV. “Mais ironicamente, as tensões comerciais levaram a uma queda acentuada do investimento chinês nos EUA, tornando as ‘fábricas americanas’ como a Fuyao numa das poucas linhas de vida importantes da região”.
O documentário está a ter um “papel positivo” numa tentativa de ajudar as duas nações a chegarem a um entendimento, defendeu a agência noticiosa Xinhua. Os países ainda carecem de um entendimento mútuo e, comparando com a retórica de “dissociação” e um “choque de civilizações”, um filme focado na cooperação e comunicação entre os EUA e a China é “oportuno, realista e significativo”.
“O sentimento é muito complicado. Ainda aprecio o quão diligentes e organizados são os nossos trabalhadores chineses, mas, por outro lado, também sinto empatia pelos trabalhadores americanos que pedem mais direitos e proteção”, disse Zhang Ming, que transmitiu o documentário num <em>site </em>chinês, onde foi visto mais de 700 mil vezes.