Como a Google está a treinar duas startups portuguesas para serem negócios de milhões

Centro de empreendedorismo já foi rampa de lançamento para dezenas de empresas. Fomos conhecer como funciona o Google Campus Madrid.

A poucas centenas de metros do Palácio Real em Madrid, há um edifício de tijolo que em tempos foi a primeira fábrica de baterias elétricas de Espanha. Mais de um século depois, a energia é outra: o espaço foi recuperado e transformado pela Google para ser um centro de empreendedorismo.

Inaugurado em 2015, o Campus Madrid rapidamente se tornou na referência para empreendedores que vivem ou passam pela capital espanhola.

Quando encontrámos Luis Cañas Espejo, de 32 anos, no primeiro andar do Google Campus Madrid, tinha uma folha de cálculo aberta no seu computador. Estava a ultimar os planos para lançar a Take A Fresh, uma empresa de máquinas de venda automática de comida saudável: as batatas e os refrigerantes dão lugar a saladas, frutos secos e batidos de fruta feitos no dia.

“Queremos criar um ponto saudável dentro das empresas”, explicou ao Dinheiro Vivo. O espanhol, natural de Málaga, estava num de dois pisos no espaço de trabalho da Google que é de livre acesso para mais de 40 mil pessoas.

Por lá também conhecemos Victor López. Já trabalhou como advogado no passado, mas agora está desempregado. Costuma ir para o Campus Madrid “estudar um pouco” e “melhorar os conhecimentos”. Estava a escrever no seu blogue pessoal, no qual fala sobre o impacto da tecnologia no mundo legal.

Quando lhe perguntámos se estava ali para criar uma startup, disse que não – o que quer é arranjar um trabalho numa empresa. Para isso já deixou um cartão num mural onde estão outras dezenas de cartões de pessoas que lá deixam os contactos e dizem quais são as suas principais características.

Google Campus Madrid
Neste mural, qualquer pessoa pode ‘oferecer’ os seus serviços: startups residentes ou que estejam de passagem encontram muitas vezes aqui o talento que lhes falta. Foto: Insider

Quem entrar no café do Campus Madrid, que fica no piso térreo, arrisca-se a tornar um empreendedor de sucesso. São já várias as histórias de pessoas que se conheceram por acaso e que meses mais tarde acabaram por criar ideias de negócio que viriam a ser desenvolvidas numa das três incubadoras que marcam presença no edifício.

Sofia Benjumea, diretora do Google Campus Madrid, partilhou aquela que é uma das suas histórias preferidas.

“Era um dos primeiros seguranças do Campus. Ele era novo, gostava de computadores e videojogos. Começou a aprender, conheceu alguns programadores da comunidade e juntos lançaram o Open Source Weekend, que agora é uma das comunidades tecnológicas mais fortes de Madrid. Este tipo já não é um segurança, é um programador e está a trabalhar para uma agência. A vida dele mudou apenas por ser parte da comunidade”.

Agora o espaço da gigante norte-americana também é a casa de duas startups portuguesas: a Barkyn, uma plataforma de comércio eletrónico que vende comida e brinquedos para animais; e a Unono, uma plataforma de recrutamento direcionada para jovens. Ambas estão a participar no programa de incubação Campus Residency – dois meses já estão cumpridos, restam outros quatro pela frente.

Aprender com os melhores

Quando falámos com André Jordão, diretor executivo da Barkyn, e Luís Mendes, diretor-geral da Unono, ambos estavam a recuperar de duas semanas de mentoria intensiva com funcionários da Google, que vieram de todo o mundo para ajudarem estas e mais seis empresas a escalarem os seus negócios.

“Estar com eles, a receber esse feedback todo, vai permitir-nos melhorar a nossa proposta de valor, de forma radical”, confessou o porta-voz da Unono.

Já o cofundador da Barkyn diz que a empresa pode agora aplicar uma “metodologia de alta performance” à gestão da equipa, o que vai torná-los mais capazes na hora de se lançarem para novos mercados. “Já não me sentia a aprender tanto há muito tempo mesmo. (…) É conhecimento em estado puro”.

Além do investimento humano, a Google apostou num espaço descontraído, confortável e moderno para que todos se sintam em casa. Há uma cafetaria, há um ginásio, há um auditório que tem capacidade para 200 pessoas, há espaços amplos, mesas grandes, muita luz e até uma secretária que é uma passadeira-rolante, para aqueles que querem esticar as pernas enquanto programam.

Ao todo existem quatro pisos, sendo que os dois primeiros são de livre acesso para qualquer pessoa, mediante um registo online. Os outros dois são de acesso exclusivo às startups que lá estão em programas de incubação.

“Criámos o sítio onde todos do ecossistema das startups querem ir, não só de Espanha, mas também de pessoas que vêm de fora”, explicou Sofia Benjumea.

“As startups da nossa comunidade, em 2017, criaram mais de mil trabalhos e angariaram 76 milhões de euros. Isto é incrível e prova que as startups não são apenas um grupo de amigos que querem brincar com tecnologia”, acrescentou.

A líder do Google Campus Madrid mostrou-se bastante satisfeita com aquelas que são as duas primeiras empresas portuguesas a serem incubadas diretamente por um programa da gigante tecnológica.

“Penso que há uma coisa fantástica nas startups portuguesas: pensam de forma global desde o primeiro dia, são extremamente ambiciosas”, disse, para depois acrescentar: “Estamos muito entusiasmados por aproximar os ecossistemas português e espanhol. (…) O André e o Luís vão ser, espero, nossos embaixadores e esperamos que através deles possamos começar uma comunidade e uma ligação com o ecossistema de Lisboa”.

O contacto com outras startups, fundadores e empreendedores também é uma parte importante da experiência. “Como é que aguentas estar a trabalhar numa empresa em que não te pagam, a tua família diz que és maluco, a namorada e amigos dizem que nunca mais te veem, está toda a gente contra. Psicologicamente é bom estar e conviver com pessoas que pensam da mesma maneira que tu”, explicou Luís Mendes.

“Começamos a conhecer a realidade de outras startups, quais são os desafios na equipa, no crescimento, tudo isso. Começamos a criar alguma empatia entre nós e até algum suporte, até damos dicas uns aos outros, sobre como resolver problemas”, acrescentou André Jordão.

A Barkyn e a Unono acreditam que, quando chegarem ao final do programa, as suas empresas serão muito diferentes de quando entraram no número dois da Calle Moreno Nieto. A Barkyn vai estar mais diferente por dentro, defende o CEO, enquanto a Unono vai estar mais focada num número mais pequeno de clientes, explicou o diretor-geral.

Depois de Madrid ninguém pensa num regresso a casa. Pensam sim no próximo mercado para onde vão expandir o negócio.