Tecnológica chinesa tem um longo registo de investigações, acusações de espionagem e alegadas relações com o governo de Pequim. Mas nenhum dos casos impediu a empresa de afirmar-se como uma das maiores, mais relevantes e lucrativas do mundo.
A Huawei está – outra vez – no meio de uma polémica que pode afetar milhões de pessoas em todo o mundo. A tecnológica foi colocada na ‘lista negra’ de empresas com as quais as organizações norte-americanas devem evitar fazer negócios. O impacto da decisão é gigante, já que levanta muitas questões sobre a sustentabilidade do negócio daquela que é a segunda maior vendedora de smartphones a nível global.
Mas o bloqueio dos EUA à Huawei é apenas o culminar de anos e anos de desconfianças, investigações e acusações por parte dos norte-americanos e outros países relativamente à gigante chinesa.
Como sublinha o jornal El Mundo, os primeiros problemas da Huawei com os EUA remontam a 2003, ou seja, há mais de 15 anos que a empresa tem vivido num clima de tensão com os decisores políticos norte-americanos – e não só. Há também relatos de investigações à empresa feita em países que têm relações próximas com os EUA, como o Reino Unido, e noutras grandes potenciais mundiais, como a Índia.
Apesar dos vários contratempos, nenhum deles, até agora, impediu a empresa de passar de um nome desconhecido na década de 1990 para uma potência mundial em apenas 30 anos. Atualmente, a Huawei é a segunda maior vendedora de smartphones do mundo, uma das empresas mais influentes em infraestruturas de telecomunicações e que em 2018 cresceu quase 20%, superando os 100 mil milhões de dólares em receitas.
1. A fundação
Fundada em 1987 por Ren Zhengfei, um antigo oficial de engenharia do exército chinês, a Huawei começou por ser uma empresa que vendia centrais telefónicas para o mercado empresarial. Desde o início que o objetivo era criar um negócio de telecomunicações que fosse forte a nível interno, para que a China pudesse depender menos da importação de equipamentos no sector das telecomunicações.
Cedo a Huawei começou a apostar nas áreas de investigação e desenvolvimento e em 1993 a empresa teve o seu primeiro grande êxito quando lançou a central C&C08, a mais poderosa na altura na China. Este ‘fenómeno’ ajudou a Huawei a ganhar escala.
2. As primeiras acusações americanas
Em 2003, a empresa de telecomunicações Cisco moveu um processo contra a Huawei nos EUA pelo roubo de propriedade intelectual na área dos routers. Um ano depois, a Huawei aceitou eliminar parte do código fonte dos seus routers e a Cisco deixou cair o processo.
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Também em 2003, a Huawei foi destaque na imprensa internacional por constar num relatório das Nações Unidas e no qual era referida como uma empresa que furou o embargo de fornecimento de tecnologia ao Iraque, na altura liderado por Sadam Hussein.
3. A investigação Obama
Em 2011, a Casa Branca, na altura presidida por Barack Obama, iniciou um plano para aceder a informação confidencial dos operadores de telecomunicações do país. O Comité de Inteligência do Congresso iniciou uma investigação que durou mais de um ano. Após esse período, foi concluído que a Huawei e a ZTE representavam uma ameaça para a segurança dos EUA.
Mais tarde, a própria Casa Branca admitia que apesar do relatório, não existiam provas de que a Huawei estava a fazer espionagem em solo americano. Ainda assim, foi desde esta altura que a empresa começou a ser afastada de concursos públicos e outros investimentos.
4. Huawei, uma empresa dos funcionários
Segundo dados oficiais da Huawei, 98,99% da empresa está nas mãos de 61% dos seus funcionários. O fundador, Ren Zhengfei, tem os restante 1,01% das ações. Mas um estudo recente de uma universidade norte-americana associa os comités centrais de funcionários da Huawei ao partido comunista e ao governo chinês.
A Huawei respondeu dizendo que os investigadores não têm um conhecimento completo da estrutura da empresa e que o estudo tem falhas. Por outro lado, a tecnológica chinesa já reconheceu ter recebido apoios financeiros de entidades estatais.
5. Os preços e o dumping
Ao longo dos anos, a Huawei foi sendo acusada de práticas de dumping, isto é, vender alguns dos seus produtos, sobretudo no segmento das infraestruturas de telecomunicações, a preços muito abaixo da média de mercado. Em 2013, a própria União Europeia apontou o dedo à Huawei e à ZTE por práticas anticoncorrenciais.
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Em 2016, a Índia concluiu que as práticas de dumping da Huawei no país estavam a prejudicar algumas empresas locais e por isso foi criado um imposto especial para produtos importados da China.
O El Mundo refere ainda casos de suborno e extorsão feitos pela gigante chinesa na Argentina para atingir os seus objetivos de expansão no país.
6. Novas investigações
Os operadores americanos Verizon e AT&T anunciaram no início de 2018 a venda de smartphones da Huawei. O que parecia ser um sinal de um período de tréguas que estava para vir, rapidamente transformou-se num motivo para nova investigação à empresa.
Meses mais tarde, seis das principais agências de inteligência dos EUA recomendaram ao Comité de Inteligência do Senado que os dispositivos móveis da marca chinesa não fossem usados nas empresas americanas.
A partir daí a tensão entre os decisores políticos dos EUA e a Huawei escalou de forma significativa: ficou decidido que as empresas que comprassem equipamentos de telecomunicações da Huawei não teriam acesso a subvenções públicas e mais tarde, já em 2019, foi mesmo decretado um veto à compra de equipamentos destas empresas.
Mas até este ponto, os EUA nunca apresentaram provas públicas e técnicas das alegações avançadas contra a gigante asiática.
7. A detenção de Meng Wanzhou
Herdeira e filha do fundador da empresa, Meng Wanzhou é diretora financeira da Huawei. No dia 1 de dezembro de 2018, foi detida no Canadá a pedido dos EUA – e neste momento está pendente um pedido de extradição. Atualmente a executiva da Huawei é acusada de 13 crimes, desde fraude bancária a apropriação indevida de segredos comerciais.
A Huawei considera as acusações contra a sua funcionária injustas e nega todas as acusações que os EUA estão a fazer contra a empresa.
8. O bloqueio final
Com a ordem executiva da semana passada, Donald Trump colocou a Huawei na ‘lista negra’ das empresas com as quais as organizações norte-americanas não podem fazer negócio e isso resultou num conjunto de reações por parte de grandes empresas que colocam em causa o negócio de smartphones da multinacional chinesa.
O caso ainda está a suscitar muitas dúvidas – cujas respostas pode consultar aqui este guia -, mas neste momento a Huawei parece caída em desgraça nos EUA. Este caso específico está a fazer crescer a tensão e guerra comercial entre os EUA e a China, que promete ter repercussões sérias para os consumidores de todo o mundo.
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