Testes à Covid-19: cooperação mundial, insolidariedade europeia

A opinião de Patricia AkesterFundadora do Gabinete de Propriedade Intelectual

Graças ao Instituto de Medicina Molecular, Portugal adquiriu capacidade para fazer testes à Covid-19 com reagentes produzidos no país. Criou o Instituto um teste de diagnóstico com base em protocolos disponibilizados pela Organização Mundial de Saúde, mas recorrendo a reagentes portugueses. Aí reside a novidade do kit que assim evita a escassez de testes no país.

Tendo sido alcançada autonomia nacional no que toca aos reagentes requeridos para os referidos testes de diagnóstico, o consórcio Serology4Covidum que inclui cinco entidades, entre as quais o mesmo Instituto de Medicina Molecular e o Instituto Gulbenkian de Ciência, procura escalar igual montanha no que concerne aos testes serológicos (os quais identificam a resposta do hospedeiro ao vírus, isto é, se produz imunoglobulinas ou não, que é o que confere imunidade).

O dinamismo português revela-se não apenas louvável mas fulcral e imprescindível. Fulcral, porque a possibilidade de testar é crucial para impedir a propagação do vírus. Só o teste permite o rastreio e o tratamento adequado. Imprescindível, porque se tem assistido neste campo, por um lado, a cooperação mundial e, por outro lado, a insolidariedade europeia. Senão vejamos.

Cooperação mundial

O primeiro kit de diagnóstico funcional surgiu em Berlim, a 9 de Janeiro deste ano, criado que foi por Olfert Landt com a colaboração de investigadores de um hospital universitário local. Desde então Landt tem produzido, em média, 1,5 milhões de testes por semana, sendo que cada kit, que inclui 100 testes, é vendido por cerca de 160 Euros. A 17 de Janeiro, a Organização Mundial de Saúde publicou o protocolo de Landt online (que contém instruções para que outros cientistas possam criar um kit).

O segundo kit de diagnóstico funcional emergiu em Hong Kong, pelas mãos de um virologista de nome Leo Poon com a colaboração de cientistas da Universidade de Hong Kong. Desde então Poon tem enviado os respectivos testes gratuitamente para múltiplos países pelo mundo fora. Também o protocolo de Poon foi publicado online pela Organização Mundial de Saúde.

O trabalho executado por Landt e Poon revelou-se fundamental no sentido da criação de kits de diagnóstico por terceiros com base nos protocolos por eles configurados. E outros testes surgiram, cujos protocolos foram igualmente disseminados online pela Organização Mundial de Saúde.

E não é despicienda de interesse a emergência de outros testes, porque, por exemplo: (i) nem Landt nem Poon teriam tido capacidade para produzir um número de testes suficientes, ao ritmo requerido, para a população mundial, (ii) basta que o vírus sofra uma mutação para que um kit deixe de funcionar, (iii) um teste que funciona num país pode não funcionar em outro e (iv) testes houve, por exemplo, na China e nos Estados Unidos, que inicialmente não tiveram grande sucesso.

Insolidariedade comunitária

A nível comunitário verificaram-se conflitos de interesse. Os reagentes produzidos em certo Estado Membro foram impedidos de sair desse Estado Membro pelo respectivo Governo para evitar carências nesse Estado Membro. Foi esta constatação, de acordo com Bruno Silva-Santos, Vice-Director do Instituto de Medicina Molecular, que levou o Instituto a desenvolver um teste de diagnóstico apenas com reagentes produzidos em Portugal, de modo a garantir autonomia nacional em face do espírito de «cada um por si e Deus por todos» que tem vigorado a este respeito na Europa Comunitária.

O problema da União Europeia é que regendo tanta matéria que antes era soberanamente determinada por cada Estado Membro, remete para as políticas nacionais estratégias de saúde, as quais são alvo de vaga concertação nos conselhos, e ocupando-se apenas de temas relativamente secundárias (como as terapias alternativas).

É certo que tem havido grande dificuldade em equalizar os sistemas Beverigiano, modelo em que o sistema universal de saúde é financiado pelo Orçamento do Estado (como o SNS português e o NHS britânico) e Bismarkiano, modelo em que são os trabalhadores que sustentam o sistema universal de saúde (que prevalece, por exemplo, na Alemanha e em França).

Mas pena é que entidades como o Centro Europeu de Prevenção e Controlo das Doenças, um organismo comunitário que visa identificar as ameaças para a saúde humana tanto actuais como em vias de aparecimento (decorrentes de doenças como a gripe aviária, a SARS e a Sida) não tenha assumido desde logo um papel de liderança em tão graves circunstâncias.

Lastimável é, sobretudo, a ausência de solidariedade entre Estados Membros Europeus, havendo que lembrar, como bem notou o Secretário Geral das Nações Unidas, que é necessária uma resposta global, abrangente e multilateral e é imperativa a cooperação de todos os países em sede de testes, despiste e tratamento da doença, pois somos tão fortes como o sistema de saúde mais fraco do nosso mundo interligado.

Nota: A autora não escreve de acordo com o novo acordo ortográfico.